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quarta-feira, 8 de abril de 2009

Cigarro a 8-10 reais, você concorda?

No blog da Saúde do Vi o Mundo

por Conceição Lemes

A partir de 1º de maio, os cigarros mais baratos custarão em torno de R$ 3 e R$ 3,20; os mais caros, cerca de R$6,75. Entra em vigor o aumento das alíquotas do IPI (Imposto sobre Industrializados) e do PIS/Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) para o setor.

A medida anunciada na semana passada pelo ministro Guido Mantega, da Fazenda, compensará a redução de impostos de outros produtos, como materiais para construção, motocicletas e carros. “É bom para a saúde daqueles que fumam, pois vão sentir no bolso”, argumentou. “É melhor que sintam no bolso do que no pulmão.”

“O aumento dos impostos é extremamente bem-vindo; era medida premente desde o final da década de 1990", aplaude a médica pneumologista e sanitarista Vera Luiza da Costa e Silva, consultora da Organização Mundial da Saúde (OMS). Com a autoridade de quem, de 2001 a 2005, esteve à frente do Programa Global de Controle do Tabaco da OMS, em Genebra (Suíça), ela toca na ferida: “No Brasil, os preços dos cigarros sempre andaram na contramão da saúde pública; são um dos mais baratos do mundo”.

REDUÇÃO DE CONSUMO NA SEMANA SEGUINTE
Nos Estados Unidos, o preço médio do maço de cigarros é 6 dólares* (R$13,20). No Canadá, Finlândia, Suécia, Noruega, custa 8, 9, 10 dólares* (R$17,60; R$19,80; R$22,20). No Brasil, segundo os fabricantes, o preço médio é R$3,40 (US$1,54); os chamados populares ficam na faixa dos R$2,40 (US$1,09) a R$ 2,50 (US$1,13). Portanto, aqui, o maço chega a custar 700% menos que nesses países desenvolvidos.

Primeiro, porque o fumo, componente básico do cigarro, custa pouco; a mão-de-obra no sul do País – onde se concentram as plantações -- é barata. Segundo, a taxação é feita como uma alíquota de valor fixo sobre os maços. Isso faz com que a indústria tenha sempre lucros altíssimos, já que a inflação corrói gradualmente o valor do tributo, que não é percentual. Desde junho de1999, quando o governo federal – na época, o presidente era Fernando Henrique Cardoso --, reduziu os impostos dos cigarros populares para combater o contrabando, as tabaqueiras tiveram alta significativa da margem de lucro. Terceiro, a indústria para “repor” os adultos que está perdendo, mantém, como estratégia, o preço baixo para “conquistar” crianças e adolescentes.

A prova dessa combinação perversa de fatores é o preço real atual dos cigarros: está 20% abaixo do que era praticado em dezembro de 1993, segundo estudo realizado entre 1991 e 2008 pelo economista argentino naturalizado brasileiro Roberto Iglesias, professor da PUC do Rio de Janeiro.

“Na verdade, o preço alto do cigarro é uma estratégia importantíssima de saúde pública; é a que produz resposta mais imediata e mais profunda no consumo”, afirma Vera Luiza. “Diferentemente de outras estratégias mais demoradas, ela é também prática. Aumenta-se hoje o preço, na semana que vem já há redução nas experimentações e no consumo.”

“Principalmente as crianças, os adolescentes e a população de baixa renda são muito sensíveis ao aumento de preço”, prossegue Vera Luíza. “Crianças e adolescentes não começam ou param de fumar. Famílias de baixa renda passam a usar os seus recursos com coisas mais essenciais, como educação, saúde, lazer.”

“O IDEAL É QUE O PREÇO MÉDIO CHEGUE A 8, 10 REAIS”
Nos últimos 20 anos, o consumo de cigarro no Brasil caiu quase à metade. Isso se deu por conta dos programas de saúde pública, restrição da publicidade, aumento da informação com as imagens das doenças nos maços e conscientização da sociedade quanto aos riscos do tabagismo.

Em 1989, 34% dos brasileiros eram fumantes. Pesquisa recente realizada pelo Ministério da Saúde, por meio do Instituto Nacional de Câncer (Inca), indica que 18,8% da população acima de 18 anos é fumante (22,7% dos homens e 16% das mulheres). São quase 31 milhões, afora os adolescentes, para os quais teoricamente a venda é proibida. Só que na prática, compram em qualquer bar de esquina.

“O ideal é que o preço médio do maço de cigarros no Brasil chegue a custar entre 8 e10 reais e os impostos sejam mistos, com tributação nominal (valor fixo) acrescido do valor advalorem (percentual), além de progressivos”, conjectura Vera Luiza. “Aí, sim, reduziria de forma drástica o consumo, afetando principalmente crianças, adolescentes e pessoas de baixa renda, além de melhorar a arrecadação do governo.”

A OMS estima que um aumento de 70% no preço poderia prevenir 25% das mortes relacionadas ao tabagismo em todo o mundo. Só no Brasil causa 200 mil óbitos por ano, segundo o Ministério da Saúde. Equivale a quatro vezes o número de vítimas de homicídio. Por isso, os especialistas defendem o aumento contínuo dos preços do cigarro.

Pelo menos durante o anúncio das medidas para estimular a economia brasileira, na semana passada, o ministro Guido Mantega sinalizou nesse sentido: "Estamos caminhando no sentido de desestimular o consumo do cigarro”.

“Uma vez que os males do cigarro impactam nos gastos presentes e futuros do SUS [Sistema Único de Saúde], é justo que eles sejam cobertos pelos fumantes”, considera Iglesias. “E uma forma é por meio do aumento de tributos.”

A propósito: nos Estados Unidos, desde 1º de abril, os fumantes estão pagando bem mais caro por todos os produtos derivados do tabaco. O imposto federal sobre um maço de cigarro aumentou para mais de US$ 1; até então eram cobrados US$ 0,39. A renda será usada para financiar a cobertura médica de crianças sem plano de saúde.

ALÍVIO PARA BOLSO, BENEFÍCIO PARA TODA A SAÚDE
Quem fuma cigarro popular gastará, a partir de 1º de maio, cerca de 90 reais por mês, caso consuma um maço diário. Já quem prefere o produto mais caro, desembolsará até 200 reais. No ano, equivalem à queima de, respectivamente, R$1.080,00 e R$2.400,00. Que tal começar a pensar seriamente em dar outra finalidade a esse dinheiro?

“Ah, mas eu sou sem-vergonha, não tenho força de vontade... Já tentei outras vezes e...”

Calma. “Apesar da crença popular dizer que é falta de vergonha, fumar é uma doença, ou seja, uma dependência física e psíquica da nicotina, a substância que dá sensação de prazer no cigarro”, ensina a médica pneumologista e sanitarista Vera Luíza. “A pessoa muitas vezes não consegue parar sozinha; precisa de ajuda.”

O fato de você ter tentado outras vezes, não significa que não vá conseguir desta vez. Parar não é fácil, mas é possível. Milhões de pessoas param. Se acha que não vai conseguir sozinho (a), procure um serviço ou um profissional de saúde – pode ser médico, psicólogo, assistente social ou enfermeiro -- que atue na área. Existem alguns medicamentos que podem ajudar a lidar melhor com a dependência e a síndrome de abstinência. O importante é que esse profissional caminhe com você ao longo do processo de parar de fumar, para lhe dar suporte nos momentos difíceis.

“Como tudo na vida, parar de fumar tem um preço. É como qualquer outra decisão importante na vida”, incentiva Vera Luíza. “O importante é caminhar para essa decisão, que vai te garantir uma vida mais longa e de melhor qualidade.”


* Cotação do dólar comercial no dia 3 de abril de 2009: R$ 2,206.

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