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segunda-feira, 2 de junho de 2014

Seminário desativado vira condomínio para ex-moradores de rua em Curitiba

no UOL

Luxo e simplicidade convivem lado a lado na habitação coletiva de 38 ex-moradores de rua de Curitiba. Apesar dos quartos simples, da cozinha com mesas de plástico e dos corredores espartanos, permanece aberta durante todo o dia uma capela com bancos em madeira envernizada e cheia de vitrais.
Os ex-mendigos vivem hoje em um seminário católico que, após permanecer vários anos desativado, foi alugado pela FAS (Fundação de Ação Social) da Prefeitura de Curitiba para se tornar o primeiro Condomínio Social do Brasil.

A proposta da casa é ser um meio-termo entre o resgate dos albergues municipais e a recuperação completa dos atendidos, quando passam a ter condições de trabalhar e manter uma moradia própria.
O espaço foi pensado para ensinar os moradores a reconquistar a autonomia. Eles próprios são responsáveis por preparar suas refeições, lavar a roupa e limpar os quartos e áreas comuns. O seminário tem área de 2.000 m² e capacidade para 70 pessoas, em quartos com quatro camas cada um.
Somente é admitido no projeto quem já arrumou ou está em processo de arrumar emprego, seja formal ou informal. A convivência na casa também tem regras, como a proibição do uso de álcool e drogas. Quem fuma fica limitado a um "fumódromo" em área externa. Brigas e barulho são repreendidos. Desde o início da operação, em janeiro deste ano, oito moradores já foram expulsos por descumprimento das regras.
"É um modelo que busca preparar para a autonomia. Antes de recebê-los, fazemos uma entrevista para ver se já estão prontos para esta etapa", afirma Marilis Baumel, coordenadora da casa. "Se precisarem de médico, por exemplo, devem ir a uma unidade de saúde, como qualquer outro morador do bairro."
A prefeitura não divulga o valor do aluguel do imóvel, situado em uma área valorizada da cidade, mas afirma que a igreja concedeu um desconto de 50% em relação ao valor de mercado.
Para fazer a gestão do Condomínio Social e acompanhar os moradores, foram alocados 20 servidores da FAS, que se voluntariaram para o novo projeto. Ainda em caráter experimental, o projeto não teve o valor integral calculado. Seu orçamento está vinculado ao trabalho da FAS, que mantém outros seis abrigos com 545 vagas (sem incluir o novo projeto). Curitiba tem uma população de rua de 2.300 pessoas, segundo levantamento oficial.

Reencontro dos gêmeos

As histórias dos moradores do Condomínio Social se assemelham em vários pontos. Depois de uma ruptura na estrutura familiar, seja com os pais, no caso dos mais jovens, seja com o cônjuge, o recuperando entra numa espiral de autodestruição envolvendo álcool e drogas.
É o caso dos gêmeos Edilson e Émerson Ramires dos Santos, 36, desalojados após a morte da mãe. Eles passaram a viver de pequenos trabalhos no comércio e a morar em pensões do centro de Curitiba. Émerson conta ter tido um problema grave com drogas. Mudou-se, passou por casas de recuperação em outros Estados e voltou a Curitiba para reencontrar o irmão.
Ambos estavam vivendo na rua, em locais diferentes, até Edilson ser resgatado por uma equipe da FAS. Dias depois, a mesma equipe encontrou seu irmão. "A moça me disse: 'Vocês são família e têm de ficar juntos'. Então eu vim", lembra.
Émerson foi o primeiro a arrumar emprego, na cozinha de um restaurante em um shopping. No dia da visita da reportagem do UOL, Edilson comemorava a conquista de um trabalho na zeladoria de um condomínio. E fazia planos: "Agora quero juntar um dinheiro para poder alugar uma casa com meu irmão. A gente, junto, pode proteger um ao outro".
Jair Carlos Juliani, 51, foi para as ruas após o divórcio. Antes, viveu um processo de mergulho no alcoolismo que culminou na separação. Passou por vários lugares. Morou em um lugar que lavava carros, onde trabalhava como ajudante.
Quando o negócio fechou, recorreu a um albergue público. "O objetivo agora é caminhar com as próprias pernas e nunca mais voltar para lugar nenhum além da minha própria casa", diz ele, que trabalha como segurança em uma loja de roupas.

Seminário desativado

O imóvel, localizado no bairro Campina do Siqueira, pertence à Congregação dos Servos dos Pobres, surgida na Itália no século 19. Após o seminário ser desativado, no início dos anos 2000, o imóvel fechado passou a se tornar uma preocupação dos moradores do bairro de classe média alta, que temiam pela decrepitude do local.
Alguns empreendedores chegaram a iniciar negociações para alugar o prédio, porém a arquitetura específica impedia a montagem de um estabelecimento comercial. Quando a prefeitura sugeriu alugá-lo para trabalhos da FAS, o grupo religioso viu uma forma de realizar sua missão, ainda que de forma indireta.
O órgão municipal conversou com os vizinhos, que temiam distúrbios e barulho devido ao perfil dos atendidos, e explicou como seria a forma de trabalho. Hoje, o comércio local é um dos principais empregadores dos ex-moradores de rua, em supermercados, restaurantes, salões de cabeleireiros e estacionamentos.
Dentro da proposta do projeto, a Guarda Municipal não mantém equipe de segurança, diferentemente dos demais albergues públicos. "Quem faz a segurança da casa, e de todo o entorno, acaba sendo os próprios moradores", afirma a coordenadora.

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