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terça-feira, 14 de outubro de 2014

Fechar clínicas é enxugar gelo. Só a ampliação do direito ao aborto resolve

no Blog do Sakamoto

Mais de 40 pessoas foram detidas, nesta terça (14), suspeitas de envolvimento com clínicas clandestinas de aborto, pela Polícia Civil do Rio de Janeiro. A quadrilha, que envolvia médicos (reais e falsos), policiais, advogados e militares, cobrava até R$ 7,5 mil por procedimento, de acordo com reportagem do UOL.
É fácil encontrar clínicas de aborto em qualquer grande cidade brasileira. Se você pertence à classe média alta paulistana, conhece ou tem alguma amiga que poderia apontar casas na Zona Oeste ou na Zona Sul. Lá a intervenção é controlada – o que não acontece em todas as clínicas.
De qualquer forma, clínica de aborto ilegal é uma droga. Não deveria existir. O direito ao aborto, que já é garantido em casos de estupro ou risco de vida para a mãe precisa ser estendido para todas as outras situações até determinado mês de gestação. Dessa forma, mulheres seriam atendidas em hospitais privados e públicos com toda a segurança e sem medo.

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Pois uma mulher que está desesperada para abortar, vai abortar.
A polícia constatou que as clínicas ilegais atendiam sempre “em locais sem quaisquer condições de higiene e salubridade, expondo a risco a integridade física e a saúde das pacientes''.
Isso quando não morrem durante o procedimento, como foi o caso de Jandyra dos Santos Cruz, cujo corpo, carbonizado, foi encontrado após ela ter saído para realizar um aborto em uma clínica clandestina no Rio.
Mas as clínicas, responsáveis ou açougueiras, não são a causa do sofrimento das mulheres. São uma consequência.
A sociedade deveria mirar sua atenção também às pessoas que garantem que clínicas clandestinas de aborto continuem tendo demanda, que são os políticos que se negam a discutir a ampliação do aborto legal. Eles ajudam a criar a procura por esse serviço clandestino que, caso contrário, seria realizado em outro ambiente.
Deputados e senadores que bradam indignados mediante a tentativa do trâmite de leis que ampliariam o direito ao aborto. Supostos representantes dos interesses de Deus na Terra ou de alguma concepção deturpada de moralidade invicta que afirmam lutar pelo direito de suas crenças continuarem a reger a vida de todos.
O Ministério Público Federal deveria corresponsabilizar os parlamentares contrários à mudança da lei por conta da morte de mulheres em clínicas clandestinas. Pois ao travar uma medida que contribuiria com a solução, eles ajudam na manutenção das condições que geram o problema. São parte dele.
Cada mulher que ficar estéril ou morrer em um procedimento “ilegal'' ou cada clínica descoberta devem ser acrescentadas na conta desses representantes políticos.
Não há alguém, em sã consciência, que seja a favor do aborto. “Puxa, que dia lindo! Estou tão feliz que vou fazer um aborto hoje! E depois, comprar morangos e creme.'' Aborto é ruim, é um ato traumático para o corpo e a cabeça da mulher, tomada após uma reflexão sobre uma gravidez indesejada ou de risco. Ninguém fica feliz ao fazê-lo, mas faz quando não vê outra saída.
Promover métodos contraceptivos são importantes, mas eles só excluem a necessidade do direito ao aborto na concepção fundamentalista de certos políticos que não entendem o caso nem como questão de saúde pública, nem como ponto central na autonomia da mulher sobre o próprio corpo.
Se o direito ao seu acesso fosse ampliado, não seriam formadas filas quilométricas na porta do SUS feito um drive thru de fast food de pessoas que foram vítimas de camisinhas estouradas. Aliás, essa ideia de jerico, de ver o aborto como método contraceptivo, aparece muito mais entre as justificativas daqueles que se opõem à ampliação dos direitos reprodutivos e sexuais do que entre os que são a favor.
É óbvio que um candidato ou candidata de olho nos votos de uma sociedade bastante conservadora não vai dizer o que pensa. Por isso, tenho cada vez mais certeza que eleições não são um momento bom para se discutir políticas públicas. Pelo contrário, como já disse aqui, eleições são momento de retrocesso de uma parcela dos direitos humanos.
Vamos continuar fechando clínicas ilegais. O que pode ser importante, mas é enxugar gelo.
Como não acredito em acerto de contas no juízo final, muito menos em uma ação dos eleitores desse pessoal, só me resta ter fé.

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