Páginas

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Hospital Adauto Botelho pede socorro



recebi por email

Hospital Colônia Adauto Botelho (HCAB) do Estado do Paraná: manicômio ineficiente?


Único hospital psiquiátrico da Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Paraná (89 leitos disponíveis (habilitados 160 no CNES/DATASUS?), trata-se hoje de uma estrutura que tem sido cada vez mais priorizado com aporte de pessoal, equipamentos e recursos em geral, mas é bastante questionável o efeito disso em assistência à população do Estado. Considerando a ocupação desses leitos, a máxima taxa de ocupação, seg. o MS, a relação percentual entre o número de pacientes-dia, em determinado período, e o número de leitos-dia no mesmo período, não passaria de 50 %.

Atualmente conta com 280 funcionários, 76 terceirizados e 204 concursados. Na última gestão local criou-se 2 novos cargos: um de diretoria e um de apoio administrativo. O hospital recebeu recentemente um grande número de funcionários, exceto médicos. Quanto a estes últimos, os novos, que chegaram nos últimos anos, já saíram; e os médicos mais antigos estão se aposentando. Portanto o atendimento médico é uma fragilidade evidente.


Atualmente o HCAB conta com 4  unidades:  

Unidades
Público alvo
Leitos
Observações
Assistida
Pacientes crônicos e idosos
19
só atende uma população que vem diminuindo gradativamente.
1M
Pacientes masculinos com transtornos mentais
30
Aberta a internamentos.
2F
Pacientes femininas com transtornos mentais
30
Aberta a internamentos.
“Flor de Liz”
Álcool e drogas feminina
10
·     Nova, representa a “novidade” desta gestão;
·     Sempre com 5  a 7 leitos ocupados, não internando-se mais, pois suas vagas são reguladas pela Direção Geral do HCAB;
TOTAL

89
·   Habilitados 160 no CNES/DATASUS?

O hospital conta com cobertura de plantão médico de 24 horas, com duas escalas independentes: uma equipe diurna e outra noturna, que dão conta de internamentos e precisam cobrir, também, intercorrências nas unidades, mesmo no período diurno e durante a semana. Com a falta de médicos os psiquiatras responsáveis por cada unidade também fazem alguns plantões noturnos, e com isso complementam sua carga horária em atividades não dirigidas à assistência integral em suas respectivas unidades, pois tal modelo restringe sua permanência nas mesmas. A título de exemplo, um dos psiquiatras atende hoje, ao mesmo tempo, em 2 unidades, acumulando também um cargo diretivo no Centro Psiquiátrico Metropolitano (CPM) do Estado, comparecendo ao hospital somente 2 vezes por semana (mediante acordo com a direção local).

Portanto não há longitudinalidade no modelo assistencial do HCAB, se é que se pode falar em “modelo assistencial”, pois a gestão não cria condições para um trabalho multiprofissional efetivo, continuado e com elaboração de projetos terapêuticos, o que reafirma o antigo modelo manicomial advindo da tradição do hospital (houveram iniciativas de renovação assistencial no passado, com resignificação deste equipamento na RAPS paranaense, como a saudosa “casa de passagem”, mas atualmente não há movimentos nesse sentido).

A unidade “Flor de Liz”, de risível capacidade para um equipamento estadual e além disso baixíssima taxa de ocupação, tem a equipe numericamente mais completa do hospital e que hoje conta com regras especiais de trabalho: há nítida discriminação dos outros servidores do hospital, mais antigos, e também proibição para o acionamento dos técnicos dessa unidade para cobertura de intercorrências das demais unidades. A hipótese de tal “blindagem” da nova equipe parece estar relacionada a uma aparente insegurança da mesma nas ações assistenciais. É óbvio que ninguém concorda com a perpetuação de antigas práticas manicomiais, mas desprezar a experiência técnica e de vida de servidores que trabalharam tantos anos com álcool e drogas é, no mínimo, um erro, e tem gerado importante descontentamento interno.

É importante lembrar que unidade “Flor de Liz” foi a resposta governamental para a inexistência de assistência em álcool e drogas no hospital por 2 anos, após a extinção da histórica Unidade de Recuperação de Alcoolismo (URA), que ofertava 40 leitos, existia há mais de 30 anos e tinha boa reputação por todo o Estado do PR. A URA teve suas portas fechadas em dezembro de 2012 sem aviso prévio, sequer foi comunicada a equipe de enfermagem que lá atendia. Bom registrar que a URA tinha fila de espera para internamento, nunca havia leito vago, nem por falta de demanda e muito menos por despreparo da equipe.

Qualquer pessoa minimamente informada sobre saúde sabe que tal demanda (álcool e drogas) é grande e urgente. Quanto às mulheres, vimos como foi reduzido o acesso. No que se refere aos usuários masculinos, não há mais acesso organizado, e o hospital por vezes é obrigado a admiti-los na única unidade destinada a portadores de transtornos mentais não relacionados a substâncias, a 1M, até mesmo por ordem judicial. Mais um exemplo do “modelo assistencial”, ou do “projeto terapêutico” em vigor: combinação de usuários de diferentes transtornos.  

Outros fatos inexplicáveis que podem ser constatados atualmente no HCAB:
  • Foi realizada uma reforma elétrica de quase R$ 800.000,00, mas está incompleta, mesmo depois de entregue;
  • Uma unidade desativada foi transformada num depósito de misteriosos equipamentos (há notícias da existência de muitas máquinas de costura, autoclaves modernos etc, mas não há acesso livre aos servidores em geral e usuários, porque foi instalado um portão externo direto para aquele espaço, e o equipamento nem passa por dentro do hospital, sendo lá colocado em sigilo...);
  • Foram instaladas inúmeras câmeras de segurança nos corredores e pátio, a maioria delas o tempo todo ociosas;
  • Está sendo realizado um novo orçando de pintura para o hospital (a aparência externa tem recebido manutenções frequentes, mas é de se entrar nas unidades...);
  • Foi instalada uma academia da terceira idade no pátio do hospital, porém tem restrição de uso até para os trabalhadores, sendo liberada somente para os pacientes da nova unidade e com supervisão de Fisioterapeuta.

Mesmo sem o levantamento completo das variáveis envolvidas, o HCAB é provavelmente um hospital deficitário, e somente com o aumento de leitos e ocupação de 100% seria possível melhorar isso. Ora, baixas taxas de ocupação por si só apontam para deseconomia de escala. Segundo a Portaria 4.279/2010 do MS, economia de escala ocorre quando os custos médios de longo prazo diminuem, à medida que aumenta o volume das atividades (consultas, internações, procedimentos). No caso do Adauto, como ele concentra serviços para o Estado em um único local, isso deveria facilitar a racionalização de custos e otimização de resultados. Porém o mesmo tem reduzido suas internações, até mesmo em função da Política Nacional de Saúde Mental, que aponta para o cuidado em liberdade, e o investimento curiosamente pareceu aumentar, exceto no que se refere ao pessoal médico.

Também é provável que haja baixa produtividade, ineficiência e ineficiência técnica. Para tanto, deveriam ser solicitados à SESA-PR alguns dados e variáveis a fim de se poder calcular os indicadores hospitalares (BITTAR, 1996): parâmetros de custos (pacientes-dia, consultas) e consumo (recepção, farmácia, administração, nutrição, limpeza, etc); produção (nº de pacientes internados, nº pacientes-dia, média de permanência, faixa etária, procedimentos realizados na internação; nº de profissionais por categoria, nº de horas trabalhadas por eles, tipos de turnos e plantões; serviços de terceiros (manutenção, limpeza, vigilância, laboratórios e outros), incluindo área de atuação, quantificação e qualificacão dos profissionais, horas trabalhadas e tipo de contrato.

Resumindo, o HCAB, embora um equipamento ultrapassado no que se refere ao cuidado em saúde mental, inegavelmente integra a história da saúde do Paraná, e conta com muitos e bons profissionais. Hoje a política para o hospital não está alinhada com discussões e projetos referentes à agenda atual da saúde mental no Brasil e no mundo: vê-se que não conta com projeto terapêutico, e opera sob modelos assistencial e gerencial arcaicos e verticalizados. Mantém, portanto, o desenho manicomial, no entanto com baixa capacidade de resposta. Por que então tantos e tão incoerentes investimentos, em épocas de restrição orçamentária no Estado do PR?

A falta de democracia infelizmente não é de hoje. A implantação do Sistema de Informação no Adauto já havia sido feita sem o envolvimento dos usuários do sistema, desconsiderando suas necessidades e as características da instituição, e sem apoio da direção local (SCHWIDERSKI, 2011). Também nunca foi implantada a supervisão clínico-institucional em saúde mental. Hoje, na contra mão do que hoje se faz no SUS, definitivamente deixou de valorizar as equipes e os profissionais. Para se ter uma idéia, em 2013 a Direção Geral do HCAB inscreveu o hospital em um evento, para o qual elaborou um banner, no qual excluiu o serviço médico da carteira de serviços (há fotos do mesmo).

Por tudo o que foi aqui relatado, é de se perguntar o que pretende a SESA com o HCAB: manter esse modelo manicomial com autoritarismo, porém sem planejamento, com desperdícios financeiros e ineficiência? Ou haveria alguma intenção de modernizar o modelo assistencial na direção do multiprofissionalismo e do cuidado em liberdade, garantindo aos municípíos paranaenses assistência relevante em álcool e drogas?

Nenhum comentário:

Postar um comentário