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segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Buscar culpados pela Aids produz sofrimento e não ataca problema


"Passadas três décadas, voltamos ao início da epidemia da Aids com a busca de culpados, sem olharmos para as condições de vida que a maioria dos atingidos está exposta"

Rodrigo Pinheiro, presidente da Foaesp, sobre necessidade de ações adequadas de prevenção da Aids


A vulnerabilidade dos jovens gays rendeu diversos debates nos últimos tempos. Principalmente após a divulgação no último dia 1º, pelo Ministério da Saúde, de dados que revelam um crescimento nos últimos sete anos de 21,5% dos casos de Aids, entre jovens gays com idade de 15 a 24 anos.

Não faltam falsos profetas querendo apontar saídas para essa difícil realidade, cada vez mais localizada entre jovens negros, pobres e moradores de regiões periféricas.

Na busca de alternativas, não faltam soluções fáceis que tentam impor regras morais e controlar as pessoas em seus comportamentos, contrariando políticas de direitos humanos e reduzindo-as a vetores transmissores de doenças.

Num país como o nosso - onde a homofobia ganha ares de crescimento a ponto de levar o Brasil ao triste título de país que mais mata gays no mundo. Fica impossível para qualquer analista de boa vontade não admitir que o preconceito é um dos fatores principais nesse crescimento da Aids entre jovens.

Oprimidos por uma sociedade machista, seu livre exercício da sexualidade esbarra em maus tratos, negativas de oportunidade, olhares condenatórios e, não raro, em ações de violência e morte.

Para jovens que crescem nesse cenário, a Aids acaba sendo apenas mais um dos problemas que enfrentam. E a doença nem sempre é julgada como o mais assustador deles, mas somente mais um resultado da terrível condição de saúde e qualidade de vida deste público.

Se de um lado o governo não imprime iniciativa criativa no sentido de semear ações de prevenção, informação e acolhimento adequado, por outro, vemos ações fundamentalistas baseadas em questões morais limitadoras e localizadas.

Igual situação se viveu há mais de 30 anos, quando os primeiros casos apareceram nos serviços de saúde e na mídia e, tanto lá como cá, aproveitadores usaram o momento para pregações que mais promoviam exclusão do que algum tipo de cuidado.

Passadas três décadas voltamos ao início da epidemia da Aids com a busca de culpados, sem olharmos com atenção para as condições de vida que a maioria dos atingidos está exposta hoje.

A busca de culpados foi, ao longo da história, uma constante no enfrentamento de qualquer ação de saúde. Isso só levou a mais exclusão e a chagas sociais que, décadas depois, ainda produzem sofrimento.

Infelizmente, o que se vê hoje é o retorno deste pensamento que acusa o outro de ser o culpado por sua condição. Mesmo que de forma sutil, as ações do governo reforçam esse paradigma.

Ao divulgar a criação de "oportunidades de testagem" e ampliar as condições de "tratamento com medicamentos", são esquecidas as ações que promovem respeito e humanização dos serviços de saúde, ainda tão cheios de discriminação.

Dessa forma, também é negligenciada a aplicação de ações que visam formar novas gerações abertas à diversidade e em sintonia harmoniosa com ela.

Somente quando a promoção de políticas públicas for prioritária, integrando áreas e visando ações de médio e longo prazo para mudança de realidade, que teremos um real enfrentamento. Não podemos contar com apenas ações "seca gelo" que resultam em uma visão biomédica da pessoa que vive com Aids.

Enquanto isso, não nos calaremos. Vamos continuar denunciando essas estratégias equivocadas e gritando pelo laicismo do Estado, não apenas como preceito constitucional, mas também como prática cotidiana na área pública.

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