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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O Charlie Hebdo era racista?

“Nós não podemos admitir que o Charlie Hebdo desapareça”
Christiane Taubira ministra da Justiça da França


no Diário do Centro do Mundo


O mundo inteiro ganhou, em dois dias, milhões de especialistas instantâneos na história do Charlie Hebdo. Juntamente com o movimento “Je Suis Charlie”, veio a negação “Je Ne Suis Pas Charlie” (“Eu Não Sou Charlie”).

No meio deste grupo, surgiu uma onda apressando-se em justificar, de alguma maneira, o massacre dos cartunistas com base no clássico “quem mandou?”

Os artistas seriam racistas. Para provar, ilustrações do DH estão sendo compartilhadas. Duas delas estão circulando intensamente entre os campeões desta tese.

Uma mostra uma negra como uma macaca. A segunda, um negro com, perdoe meu francês, uma banana no rabo. Há outros desenhos, igualmente pinçados sem critério algum e sem contexto.

A negra é a ministra Christiane Taubira. Em 2013, ela foi chamada de macaca por uma política da direitista Frente Nacional. O Charlie Hebdo fez uma denúncia disso. A bandeirinha no canto esquerdo é uma referência à FN. Não é um endosso. Taubira ficou grata.

Pouco depois da tragédia, Taubira deu uma entrevista a uma rádio, em frente ao CH, dizendo que era preciso que os franceses se organizassem para que a próxima edição saísse. “Nós não podemos admitir que o Charlie Hebdo desapareça”, afirmou.

taubira - charlie



O homem da outra charge é o comediante francês Dieudonné, autor do gesto da “quenelle”, uma espécie de “banana”, imitado por jogadores de futebol como Anelka. Dieudonné é amigo e aliado de Jean Marie Le Pen, fundador da Frente Nacional, de extrema direita, fortemente antiimigração. O humorista tornou-se também revisionista do Holocausto.

A estranha necessidade de enxovalhar a reputação dos jornalistas nasce também da noção de que apenas vítimas perfeitas merecem justiça. O que não é o caso dos criadores do CH — um jornal feito para a polêmica, absolutamente anárquico, ultrajante e eventualmente de mau gosto.

Uma leitora francesa deixou um comentário aqui no DCM. Publico alguns trechos:

“Não sei se devo rir ou chorar. Sou francesa e quando estou lendo que ‘tratar como heróis cartunistas alinhados à visão imperial de seu país é e sempre será um erro’ ou ‘será que ao retratar sempre os árabes com bombas e espadas a revista não estava também estimulando o que existe de pior em seu público?’ só quero dizer que vocês nunca entenderam as criticas que fazia Charlie Hebdo…

Esse jornal, apoiando a visão imperialista da França na África? Apoiando essas políticas de exclusão dos jovens de origem árabe, que não encontram trabalho na França?

Mas isso é tudo o que Charlie Hebdo estava denunciando. As caricaturas desrespeitosas tinham o objetivo de denunciar todos esses fenômenos de extremismo religioso, como o terrorismo, que não tem nada a ver com os muçulmanos. (…)

Se vocês não percebem a sátira dos desenhos, ou se vocês não gostam, tudo bem. Mas, por favor, nesse clima duro que a França está atravessando, seria de bom tom não pegar atalhos e espalhar desinformação, ou pior, bobagens, sobre as mensagens políticas do jornal.”
dieudonné

Em 2013, Stephane Charbonnier, o Charb, falou das acusações de racismo. Charb foi um dos chacinados:
“O Charlie Hebdo está se sentindo decididamente doente. Porque uma mentira inacreditável está sendo dita: o Charlie Hebdo tornou-se um panfleto racista.
Estamos quase com vergonha de lembrar que o anti-racismo e uma paixão pela igualdade entre todas as pessoas são e continuam a ser os princípios fundadores do Charlie Hebdo.
(…)
Charlie Hebdo é filho de maio de 68, do espírito de liberdade e insolência. O Charlie Hebdo da década de 1970 ajudou a formar o espírito crítico de uma geração. Zombando dos poderes e dos poderosos. Por rir, às vezes escandalosamente, dos males do mundo. E sempre, sempre, sempre defendendo os valores universais do indivíduo.
Por que essa idéia ridícula se espalha como uma doença contagiosa? Somos islamofóbicos, afirmam aqueles que nos difamam. O que significa, em sua própria novilíngua, que somos racistas.
Quarenta anos atrás, era considerado obrigatório zombar da religião. Qualquer um que começou a perceber para onde o mundo estava indo não poderia deixar de criticar o grande poder dos maiores organismos clericais. Mas de acordo com algumas pessoas, na verdade, mais e mais pessoas, atualmente você tem que calar a boca.
O Charlie ainda dedica muitas de suas capas a ilustrações papistas. Mas a religião muçulmana, imposta a inúmeras pessoas em todo o planeta, deve ser de alguma forma poupada.
Por que diabos? Qual é a relação, a menos que seja apenas ideológica, entre o fato de ser árabe, por exemplo, e pertencer ao Islã? (…)
Nós nos recusamos a fugir de nossas responsabilidades. Mesmo que isso não seja tão fácil como em 1970, nós vamos continuar a rir dos padres, dos rabinos e dos imãs – quer isso os agrade ou não. Somos minoria nisso? Talvez, mas ainda assim estamos orgulhosos. E aqueles que pensam que o Charlie é racista deveriam, pelo menos, ter a coragem de dizer isso em alto e bom som. Nós saberemos como responder a eles.”
Abaixo você pode ver a foto de Christiane Taubira em sua visita à sede do Charlie depois do atentado. Parece alguém que foi “vítima de racismo”? Alguém diria que ela está mentindo? Há mais humanidade nesta imagem do que em 20 mil especialistas que surgiram em dois dias, prontos a linchar doze desenhistas executados covardemente por fanáticos religiosos.
A ministra Christiane Taubira chega ao local da chacina em Paris
A ministra Christiane Taubira chega ao local da chacina em Paris

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