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terça-feira, 31 de março de 2015

Redução da maioridade penal e a barbárie institucional

Blog do Cultura


Fortalece-se o campo político que pretende, por meio da institucionalidade, aprofundar as desigualdades sociais como saída da crise política do país.

por Fábio Nassif na Carta Maior


A aprovação da proposta de redução da idade penal pela CCJ da Câmara é simbólica para o entendimento da crise política do país e do enorme buraco que separa a institucionalidade brasileira das reais demandas da sociedade.

Mas quem dera fosse meramente simbólica. O passo dado por setores mais conservadores fortalece o campo político que pretende, por meio da institucionalidade, aprofundar as desigualdades sociais como saída da crise política do país.

É intrigante pensar do porquê, depois de tantos anos (pelo menos duas décadas) tentando fazer andar uma proposta bárbara como essa – e mesmo depois da comprovada falência do encarceramento em massa como resposta à insegurança -, é justamente nesta atual conjuntura que se consegue avançar nesta temática.

Os “senhores do poder” estão em plena disputa das bandeiras capazes de encontrar eco na sociedade, principalmente depois da demonstração de forças dadas nas ruas no dia 15 de março. O PMDB está no comando, de maneira autônoma, da Câmara e do Senado, e jogam pactuados com a direita tradicional para apresentar respostas à indignação difusa das manifestações verde-amarelas, aproveitando a auto-rendição completa do Planalto e trabalhando para preservar as instâncias institucionais que lhe cabem.

Já não sobra mais dúvida, pra quem ainda a tinha, de que a aliança do Partido dos Trabalhadores para chegar e se manter no poder é fator central no fortalecimento e crescimento desses setores conservadores. Soma-se a isso, é claro, a própria “falência múltipla dos órgãos” do PT como instrumento político capaz sequer de emplacar direitos sociais básicos antes defendidos.
Os mais experientes meliantes do parlamento brasileiro roubaram a governabilidade do PT, que, como recomendado nas cartilhas de segurança, entregou tudo sem reação.

Para se ter um exemplo – só mais um dentre tantos outros nestes 12 anos de governos petistas -, PSD, PRB, PR, que ajudaram a eleger Dilma, votaram favoráveis à admissibilidade da proposta. PMDB, PP, Pros e PDT, que também estavam na coligação com a petista, liberaram seus parlamentares para votar contra e a favor da proposta. O PT votou contra.

Se a base aliada do governo federal tivessem sido formada a partir de uma plataforma minimamente razoável, esta proposta não teria alguma chance de ser aprovada no plenário da Câmara, já que elegeram 304 deputados contra, por exemplo, os 127 que estavam na coligação com Aécio Neves. Mas como as alianças eleitorais se desmancharam já no dia 6 de outubro, este cálculo pouco vale pra medirmos se as propostas defendidas pelo PT são aprovadas ou não no parlamento.

E, digamos, as políticas de ajustes fiscais, tarifaços e retirada de direitos da classe trabalhadora aplicadas diretamente pelo PT e sua presidenta, dificultam a compreensão por parte da população sobre quem são os agentes do “retrocesso”. Não é uma confusão atual, mas talvez seja o momento onde as políticas “antissociais” do petismo estejam em maior evidência, sem campanhas de publicidade capazes de convencer a população do contrário.

Diante da baixíssima popularidade de Dilma e do encorajamento da direita em ocupar as ruas, resta aos setores mais conservadores se dedicarem a preservar o seu poder consolidado. Surfam na grande insatisfação das mais amplas camadas da sociedade para se gabaritarem. Entraram forte na concorrência com o Planalto de quem representa o verdadeiro retrocesso.

Não se sabe ainda o peso que ganhará nas ruas a proposta de impeachment da presidenta. Dia 12 teremos mais um teste. Mas já se tem certeza que as pautas mais reacionárias serão aceleradas pela via institucional. E que, pelo menos até agora, buscam direcionar a insatisfação à Dilma, que, por mais que esteja fazendo esforços de que é aliada no corte de direitos, ainda não conseguiu um acordo com as casas legislativas.

A reforma política já é tocada com celeridade pelo PMDB no sentido de preservar o financiamento privado, e, portanto, institucionalizar de vez a corrupção no regime político. Ou seja, não tem reforma progressiva nenhuma sob a batuta do PMDB e deste Congresso. O PL das terceirizações pode entrar na pauta e ser aprovado na semana que vem. E agora a proposta de redução da idade penal, para ficar somente em três exemplos.

Cenário aberto 

A proposta de redução da idade penal ainda vai seguir seus trâmites. Uma comissão analisará as emendas, o Plenário dá seu parecer, coloca em votação, encaminha pra CCJ do Senado onde poderá ser votada pelo seu Plenário. Precisará de pelo menos 308 votos em dois turnos para ser aprovado, sem possibilidade de veto da Presidência por se tratar de emenda à constituição.

Este trâmite indica que o debate sobre a maioridade penal tomará ainda mais corpo na sociedade. E é a partir desta urgência que a esquerda, independente do governo, deve ocupar as ruas com força.

Estamos diante de uma disputa sobre os rumos do país diante da crise. E o recorte deve se dar pelas pautas concretas que unificam os mais diversos setores que defendem a ampliação de direitos sociais; o repúdio ao ajuste fiscal, tarifaço e retirada de direitos; a realização de reformas populares e a radicalização da democracia brasileira.

A construção de uma alternativa política para o país não passa pelo resgate deste governo, mas pela defesa dos interesses da classe trabalhadora, esta sim, que está sangrando diante da barbárie institucional instalada.
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Fábio Nassif é jornalista.

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