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quinta-feira, 16 de julho de 2015

Liberar o consumo de cerveja no Mineirão é uma boa ideia?



no blog Saúde do Meio


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Liberar o consumo de cerveja no Mineirão é uma “boa ideia”? Segundo o presidente da Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de crack e outras drogas da Assembleia Legislativa, o deputado Antônio Jorge, a liberação é um retrocesso e mostra o “poder de fogo” da indústria do álcool que movimenta nada menos do que 500 bilhões de dólares, no mundo, a cada ano.
Conversei com o deputado. Ele já foi secretário de Saúde de Minas Gerais e um defensor das políticas púbicas contra o abuso de drogas lícitas e ilícitas. Antônio Jorge alerta sobre os perigos do consumo abusivo de bebidas alcóolicas entre jovens  e faz duras críticas à publicidade que incentiva o consumo prematuro de bebidas alcóolicas por adolescentes. Homens e mulheres, segundo pesquisas divulgadas no “Ciclo de Debates Políticas sobre Drogas e a Juventude” da Assembleia Legislativa” começam a beber por volta dos 13 anos.
Confira a entrevista:

Audiência pública Comissão de saúde 16.03
Adriana Santos: Os defensores da liberação da bebida alcoólicas  argumentam que a medida atrairia um público maior aos estádios, favorecendo não só os torcedores que gostam de assistir às partidas acompanhados de cerveja, mas também os clubes de futebol. Na sua opinião, os interesses privados dos grandes clubes prejudicam o entendimento sobre os prejuízos do consumo de álcool em grandes eventos de massa?
Deputado Antonio Jorge – Em Minas, avançamos muito grande com a proibição da bebida alcoólica nos estádios. No entanto, a restrição que tivemos, de certa forma afrontada pela Fifa, foi uma interrupção. Acabou o momento da Copa e agora retroagimos ao debate.
Na semana passada, a Comissão de Combate ao Crack e a Outras Drogas, que eu presido, realizou na ALMG o “Ciclo de Debates Políticas sobre Drogas e a Juventude – Prevenção: O X da Questão”.    O professor Sérgio de Paula Ramos, ao proferir a palestra magna,  apresentou dados muito preocupantes obtidos em pesquisa realizada pela Escola Paulista de Medicina.  Perguntaram a jovens de 18 a 25 anos quando haviam começado a beber e eles responderam que, em média, aos 15,3 anos. Em seguida perguntaram o mesmo aos jovens de 14 a 17 anos, a geração seguinte, e a resposta foi 13,9.
Essa pesquisa confirma que no Brasil o álcool é a droga de entrada para os jovens. Pensando-se na saúde pública, nosso dever é criar leis e fiscalizar o cumprimento delas, com o objetivo de nesse caso reduzir o consumo de bebidas alcoólicas. É claro que o interesse da indústria do álcool é o inverso. Que cada um se pergunte de que lado quer ficar.
Adriana Santos: A cerveja pode celebrar a paz nos estádios?
Deputado Antonio Jorge – Seguramente o estádio é um espaço da grande paixão nacional que é o futebol. Por isso, acredito, não deveria ser utilizado como espaço para propagandear a indústria da cerveja, vinculando a bebida ao esporte. Lamento mais ainda que técnico e jogadores da Seleção, durante anos considerados os melhores do mundo, se apresentem como garotos propaganda de marcas de cerveja.
Adriana Santos: Os defensores da liberação do consumo de bebidas alcoólicas nos estádios alegam que não há dados que comprovem qualquer relação entre o consumo de bebidas e o aumento da violência. Eles têm razão?
Deputado Antonio Jorge – Há pesquisas da Organização Mundial de Saúde que desmentem essa afirmação. O uso nocivo do álcool resulta em 2,5 milhões de mortes a cada ano. Trezentos e vinte mil jovens, entre 15 e 29 anos, morrem de causas relacionadas ao álcool, o que corresponde a 9% de todas as mortes nessa faixa etária. O álcool é o 3º fator de risco para o desenvolvimento de doenças. O álcool está ligado a sérios problemas sociais e questões de desenvolvimento, incluindo violência, negligência, abusos infantis e absenteísmo no trabalho.
No Brasil,  sobre álcool e violência os dados são os seguintes: 36% dos suicidas têm alcoolemia positiva; 48% das pessoas que se envolveram em agressão física no último ano disseram-se sob efeito do álcool, fora as que estavam, mas não disseram; 56% das mulheres agredidas em casa reportaram que seu cônjuge, no momento da agressão, estava alcoolizado; em 76% dos processos criminais, o autor, a vítima ou ambos estavam alcoolizados; e 82% das vítimas fatais no trânsito estavam relacionadas ao álcool.
As pessoas têm o direito a uma vida familiar, comunitária e de trabalho, protegida de acidentes, violências e outras consequências negativas do consumo de álcool. Qualquer arcabouço legal ou política pública sobre álcool e drogas que tenha por objetivo essas medidas estará no caminho certo. Quando se diminui o consumo de álcool em uma dada comunidade, diminui-se, na mesma proporção, os índices de violência urbana.
Adriana Santos: O senhor faz severas criticas ao Conselho Nacional de Regulamentação Publicitária (Conar) e aos fabricantes de cerveja que patrocinam eventos esportivos e defende o fim desse tipo de propaganda, a exemplo do que foi feito com o cigarro. A proibição das propagandas é o principal caminho da prevenção contra o abuso de bebidas alcoólicas?
Deputado Antonio Jorge – Ninguém discute a proibição do álcool. As tentativas na história mostraram problemas graves, do ponto de vista do controle, do tráfico de bebidas alcoólicas. Mas o fato é que regular o acesso, restringir e disciplinar o uso, não estimular o exemplo, tudo isso está ao nosso alcance. Há algumas posturas municipais que podem contribuir. Há questões que nós, da Casa Legislativa de Minas, podemos contribuir. Infelizmente não podemos regular sobre tudo. A  regulação de propaganda, por exemplo, é atribuição do ente federal. Com o  nosso desenho federativo, com a autonomia das esferas de governo, os papéis das atribuições de legislar em cada esfera de governo ficaram limitados. O espaço para legislar da Assembleia – os temas que temos autoridade constitucional para legislar – é muito pequeno. Esse tema da regulação das propagandas somente cabe ao Congresso. Se a nossa Casa fizer uma propositura de lei regulando a propaganda da cerveja, seguramente, vai ser declarada inconstitucional no dia seguinte pela indústria, ainda que a Casa a aprovasse. É prerrogativa exclusiva do Congresso Nacional regular matérias dessa natureza. Regulou delegando ao Conaf, o que, em vários aspectos há  muita contradição. Temos atribuições restritas, mas temos, sim, espaço para atuar junto à sociedade e para legislar. A ALMG tem espaço, as câmaras municipais têm espaço para legislar sobre posturas. Em alguns estados americanos não se pode beber em mesas instaladas nas calçadasNão se pode beber em público. Mesmo em países de alto consumo de bebida alcoólica, como a Inglaterra, onde o consumo per capita de cerveja é muito alto, maior que o nosso, só se bebe internamente nos pubs, não em público, e até meia-noite. Portanto regular o uso, regular o acesso, é uma contribuição.
Adriana Santos: Em audiência pública na Câmara Municipal de Belo Horizonte sobre a venda de bebida alcoólica em estádios, o promotor de Justiça Fernando Abreu afirmou que a liberação representaria um retrocesso. “O consumo de álcool potencializa a violência e aumenta o número de ocorrências nos jogos. Toda e qualquer medida favorável à comercialização interna  é um retrocesso”. Na sua opinião, qual o motivo de tantos projetos em favor da liberação da cerveja nos estádios de futebol?
Deputado Antonio Jorge –  À pressão de grupos empresariais. A indústria do álcool opera US$ 500 bilhões por ano no mundo; a do tabaco, US$ 350 bilhões. Estamos falando aqui do comércio de drogas licitas, mas que matam e impactam fortemente no setor saúde. Estamos falando de saúde pública, de saúde coletiva. Alem disso, reafirmo que mais que considerar como um ponto de vendas, para a indústria da bebida alcóolica, o estádio e o futebol criam uma asssociação muito poderosa do ponto de vista publicitário. A atividade salutar do esporte favorece muito a indústria no que tange às suas estratégias de aumento do consumo junto a juventude.

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