RITA LISAUSKAS em seu blog no Estadão
A artesã Débora, grávida do terceiro filho, rifa uma das televisões de
casa para pagar parto humanizado
Quando a estudante de enfermagem Vanessa Pangaio, 33, engravidou de seu quarto filho, Raphael, 2 anos, decidiu que sua vontade de
ter um parto normal teria de ser finalmente respeitada. Depois de três cesáreas, “todas desnecessárias”, segundo ela, sabia que não seria
fácil. “Todos os médicos com quem me consultava diziam que como eu tinha sido submetida a três cesáreas, iria ter outra cesárea”, conta.
Vanessa decidiu então contratar uma equipe humanizada. O custo desses profissionais era de 7 mil reais. ”Fiquei desesperada porque
não tinha dinheiro e queria muito parir”, conta. Mesmo sem nenhum real guardado, com um convênio que não oferecia reembolso e que
contava com médicos que declaradamente apenas faziam cesárea, decidiu ir à luta. Com ajuda de mulheres de grupos de apoio ao parto
que fizeram doações de roupas usadas, organizou um bazar para arrecadar dinheiro. Também fez rifas com outras doações recebidas.
Vendeu todos os números e quando faltava pouco mais de mil reais para completar o valor total, recebeu uma doação em dinheiro, de
uma mulher que nem a conhecia pessoalmente, mas que sentiu-se tocada pela sua luta. “Receber uma quantia alta de uma pessoa que
nem era próxima me tocou muito”, lembra. O valor total para pagar a equipe que assistiria o nascimento de seu filho no hospital foi
alcançado apenas dias antes do parto. “Chorei muito quando consegui”, conta. “Todo esse processo, da arrecadação de dinheiro ao parto
do jeito que sonhei foi maravilhoso. Transformador”, conclui.
Maíra Matos: Em vez de chá de bebê, chá de parto. Foto: Mari Hart
A consultora comercial Maíra Matos, 30, abriu mão do tradicional chá de bebê para fazer um chá de parto. Em vez de fraldas, roupinhas
de bebê e itens de enxoval, pediu doações em dinheiro para os amigos mais próximos. ”Tinha um cofrinho na sala e cada um dava o que
podia”, conta. Os amigos assinavam em um macacãozinho de bebê que foi guardado como recordação do dia em que todos ajudaram.
Maíra arrecadou dois mil e quinhentos reais dos cinco mil e setecentos que precisava para pagar a equipe que assistiria seu parto
domiciliar. A diferença foi completada pelo décimo-terceiro salário e algumas economias feitas pela família. “O parto foi fantástico”,
lembra.
As mulheres estão optando cada vez mais por equipes particulares porque não confiam mais nem nos partos oferecidos pelo convênio,
nem nos feitos pelo SUS, o Sistema Único de Saúde. Em média, 82% dos partos assistidos por médicos do plano de saúde e 52% dos
feitos no sistema público são cirúrgicos. Desrespeito à lei do acompanhante e violência obstétrica são práticas comuns e que assustam e
afastam muitas mulheres que, por isso, decidem parir em casa, onde se sentem mais seguras, com a ajuda de médicos, enfermeiras
obstétricas ou obstetrizes.
Vanessa: Rifas e bazar fizeram com
que ela conseguisse pagar seu parto
normal
É o caso de Pamela de Mattos Siqueira, 23 anos. Seu primeiro filho nasceu de parto normal pelo SUS. “Foi um parto cheio de
intervenções”, lembra. Mesmo tendo convênio agora decidiu que terá sua filha, Morena, em casa. Ela precisa de 5 mil reais para pagar a
equipe contratada e está fazendo uma “vaquinha virtual” para arrecadar pelo menos parte do dinheiro. Vai tentar reembolso do resto
com o convênio, mas não sabe se irá conseguir.
Débora Roggia, 31, artesã, mãe de duas meninas, sentiu na pele o peso dessa pressão pelo parto cirúrgico. Ela só descobriu que não
precisava ter feito as duas cesáreas que trouxeram as filhas ao mundo quando engravidou do terceiro filho, que chega em outubro. “Eu
sempre quis parto normal, mas só depois que frequentei grupos de apoio vi que fui levada à cesariana baseada em mitos e poucas
evidências científicas”, afirma. Para fugir da terceira cirurgia, decidiu rifar uma das televisões de casa para contratar uma equipe
particular e ter seu parto respeitado. Se vender os 500 números disponíveis, conseguirá o valor integral para pagar a equipe
escolhida. “Essa é, infelizmente, a única forma de conseguir um parto respeitoso nos dias de hoje”.
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