Páginas

domingo, 9 de agosto de 2015

Um duelo sobre aborto no Senado

no Blog Território de Maíra


“Não me venham com esse nhênhênhê de laicidade do Estado que isso é maracutaia”. Com essa frase, o padre Paulo Ricardo encerrou sua participação na audiência pública da Comissão de Direitos Humanos do Senado, realizada hoje (06/08) e cujo tema era a legalização do aborto até a 12asemana de gestação. Foi aplaudido por parte significativa da plateia, composta por religiosos e fiéis.

No evento, o terceiro sobre o assunto realizado na Casa esse ano, outros três debatedores falaram contra a interrupção voluntária da gravidez e quatro convidadas se pronunciaram a favor. David Kyle, cineasta dos Estados Unidos que dirigiu o filme “Blood Money”, afirmou que o aborto seguro não existiria porque “até pequenas cirurgias têm riscos”. Sua fala foi rebatida pela professora da Universidade de Brasília (UnB), Débora Diniz, para quem “uma afirmação ingênua de que todo procedimento de saúde carrega risco colocaria em risco o próprio processo evolutivo da humanidade”. E completou: “o aborto ilegal é que é o risco, não o uso de medicamentos nem o aborto realizado em situações seguras”. A pesquisadora afirmou ainda que “uma em cada cinco mulheres realizou pelo menos um aborto até os 40 anos”, dados recolhidos por ela e publicados na Pesquisa Nacional sobre Aborto no Brasil, premiada no exterior.

Contrária à prática, Viviane Petrinelli, do Instituto de Políticas Governamentais, argumentou que a legalização do aborto diminuiria a população economicamente ativa, o que prejudicaria o desenvolvimento do país. Além disso, refletiu que, em tempos de ajuste fiscal, caso fosse aprovada, geraria um novo item de despesas para o Sistema Único de Saúde (SUS). O debate foi motivado por uma proposta de ideia legislativa com mais de 20 mil assinaturas que prevê a regulamentação da interrupção voluntária de gravidez até a 12ª semana de gestação.

Vereadora em Maceió, Heloisa Helena (PSOL/AL), ex-senadora, ressaltou que, para ela, o problema central é justamente o debate sobre o prazo, iniciado no século XIII pela Igreja Católica: “a vida intrauterina não pode ser deixada de lado diante de 9 meses de vida de uma mulher adulta”.

As falas favoráveis, por sua vez, focaram-se na vida – ou melhor, no risco de morte – das mulheres adultas que engravidam e decidem por um aborto ilegal. Filósofa e professora da Pós Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Márcia Tiburi, disse que, ao não legalizarmos o procedimento, “aborta-se as mulheres para que elas não abortem”. Tiburi pediu uma reflexão generosa, sem julgamentos morais, mas após ouvir outras manifestações, concluiu que o nível do debate era lastimável e que a maioria dos parlamentares não estava preparada para ele. “Gostaria que a gente pudesse avançar no num debate mais cuidadoso, mais delicado”.

Um dos deputados que se pronunciou foi o pastor Marco Feliciano (PSC/SP), que lembrou que ele era fruto de um aborto malsucedido. “Minha mãe tinha no fundo de nossa casa uma clínica clandestina de aborto” – argumento, aliás, que se não fosse a já conhecida posição de Feliciano, poderia corroborar com a afirmação das feministas de que as interrupções voluntárias de gravidez ocorrem e continuarão ocorrendo com ou sem lei a respeito.

O último a tomar a palavra no plenário antes da rodada de encerramento dos palestrantes foi Jean Wyllys (PSOL/RJ), que trouxe o dado de que o aborto ilegal é a primeira causa de morte materna entre as mulheres negras e pobres. “Não é uma questão religiosa, é saúde pública”. Foi ovacionado pela parte do auditório que não havia aplaudido o padre Paulo Ricardo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário