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sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Argentina julga pela primeira vez médicos responsáveis pelo roubo de bebês durante a ditadura

A justiça argentina colocou pela primeira vez no banco dos réus médicos e profissionais de saúde que praticaram partos clandestinos de presas políticas e que foram cúmplices do roubo de bebês durante a ditadura (1976-1983).



no La República.com.uy (dica da Nádia Floriani)


"É um julgamento muito importante porque julga a cumplicidade de médicos e parteiras que foram diretamente responsáveis ​​por estes crimes contra a humanidade", disse à AFP Francisco Madariaga, 36, roubado no nascimento e entregado a um casal que o registrou como seu próprio filho e com quem viveu antes de recuperar sua identidade em 2010.

Francisco nasceu durante o cativeiro de sua mãe na maternidade clandestina que funcionou no hospital militar do destacamento de Campo de Mayo, na capital da Argentina.

Seu nascimento foi assistido por Luisa Yolanda Arroche, obstetra hoje com 86 anos que, a poucos metros dele, ouviu as acusações contra ela por ter falsificado a certidão de nascimento e facilitado a sua apropriação.

Arroche, que não quis dar declarações, é acusada neste caso juntamente com os médicos Raul Martin e Norberto Bianco, octogenários como ela.

Durante o julgamento serão ouvidos os seus argumentos embora, em julgamentos anteriores, médicos convocados a depor alegaram desconhecimento, terem sido forçados ou motivos de saúde para atender as mulheres em trabalho de parto.

"Sendo conhecedores do ali se sucedia, prestaram uma colaboração essencial para a supressão da identidade" de crianças, diz a acusação lida pelo procurador no tribunal.

Os três estão sendo julgados juntamente com o ex-comandante Santiago Omar Riveros, encarregado do Campo de Mayo e o ex-ditador Reynaldo Benito Bignone, ambos já condenados por outros crimes contra a humanidade.

"Neste julgamento, vamos poder saber o que eles fizeram com as nossas mães no dia depois que nascemos, nós sabemos que haverá condenação e triunfo da justiça, porque somos a prova viva do crime", disse Francisco que pode se reencontrar com seu pai, Abel Madariaga, que participa da acusação junto com a Associação das Avós da Plaza de Mayo.

O elo perdido


Alan Yud, advogado das Avós, disse à AFP que no enredo escuro de roubo de bebês durante a ditadura, faltava que a Justiça se pronunciasse sobre médicos e parteiras envolvidos.

"Até o momento, se haviam julgado os organizadores do plano de roubo sistemático de bebês e aqueles que haviam se apropriado dessas crianças, mas eles (médicos e parteiras) foram um elo vital para que tudo pudesse ser levado a cabo", disse Jud.

A mãe de Francisco, Silvia Quintela, foi sequestrada aos 24 anos em Buenos Aires grávida de sete meses e depois de ser torturada na prisão secreta "El Campito" no Campo de Mayo, ela deu à luz no setor de Epidemiologia do hospital do destacamento.

Ali se estima que dezenas de crianças nasceram de mães que tiveram os olhos vendados e ficaram algemadas às suas camas enquanto davam a luz sob guarda armada.

Silvia ainda está desaparecida, assim como oito outras mulheres que deram à luz naquele lugar e cujos casos foram investigados neste julgamento onde 40 testemunhas serão ouvidas.

Yud explicou que "apenas nove casos estão sendo julgados, mas aconteceram muitos mais, com ao menos doze profissionais de saúde envolvidos apenas no Campo de Mayo".

"Sua participação não foi forçada e ajudaram a construir verdadeiras maternidades clandestinas", disse ele.

Buscando "um pouco de paz"


De acordo com estimativas de organizações de defesa dos direitos humanos cerca de 500 bebês foram roubados ao nascer sob o cativeiro de suas mães e dado a apropriadores que os registraram como filhos próprios.

115 deles recuperaram sua identidade. Um dos últimos foi Guido Montoya Carlotto, o neto da presidente e fundadora das Avós, Estela de Carlotto, encontrado em Agosto passado.

"Este julgamento não cura, mas é reparador, é um passo para ter um pouco de paz", disse com voz trêmula Laura Catalina de Santis Ovando, nascida no Campo de Mayo e roubada ao nascimento.

Sua mãe, Miriam Ovando foi sequestrada em outubro de 1976, com 17 anos, grávida de seis meses e continua desaparecida.

"Aqui estão pessoas que estiveram em contato com a minha mãe quando eu nasci, a viram, a tocaram, têm responsabilidade direta" disse Laura, que recuperou sua identidade em 2008 graças à busca das Avós da Plaza de Mayo.

Como Francisco, Laura disse que acompanhará todas as audiências, mesmo que o juri vá "reabrir feridas".

"Minha história é dolorosa, mas a impunidade agrava ainda mais o que aconteceu", diz ela convencida de que "embora pareça paradoxal, a sentença vai trazer alegria."

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