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segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Judicialização não é melhor o caminho para garantir direito à saúde ["O reforço das iniquidades pelo Poder Judiciário”]

Palestra da doutora em Bioética e mestre em Direitos e Garantias Fundamentais, Elda Azevedo Bussinguer, mostrou dados curiosos sobre a crescente demanda judicial por saúde no Brasil

via CRM-PR


A judicialização da saúde no Brasil foi tema de debate em uma das mesas do Congresso Brasileiro de Bioética, realizado de 16 a 18 de setembro em Curitiba. A doutora em Bioética e mestre em Direitos e Garantias Fundamentais, Elda Azevedo Bussinguer, apresentou dados curiosos sobre esse fenômeno no país.

Sua apresentação, com o título “Judicialização da saúde no Brasil e o reforço das iniquidades pelo Poder Judiciário”, mostrou que no imaginário social a saúde é um direito que só se alcança na justiça, atestando a falência do poder público na gestão da saúde pública no país. “Transferimos para o judiciário e para o Ministério Público esperanças e expectativas de alcançar um patamar civilizatório de saúde”, afirmou.

Judicialização é negativa ou positiva?


Na visão da palestrante, a judicialização se tornou um fenômeno negativo para a garantia da saúde como um direito constitucional de forma integral, universal e igualitário. “Acredito que a judicialização não é o caminho para a garantia da saúde como direito. Tal como se apresenta hoje, apenas promove mais desigualdade do que igualdade, mais iniquidade do que equidade e injustiça do que justiça”, pontuou.

A judicialização, de acordo com Elda Bussinguer, “promove a desorganização do sistema; privilegia uma política de saúde de caráter individual e não coletivo; transfere para quem não tem a competência técnica o poder de definir prioridades em saúde; quebra a lógica da participação social em saúde; gera impacto nas finanças públicas; e quebra as políticas já instituídas”.

Porém, também há pontos positivos. Para Elda, a judicialização forçou o legislativo e executivo a melhor estruturar o SUS; impulsionou a criação do programa nacional de medicamentos para HIV/AIDS; impulsionou a lei que determina o prazo de 60 dias para o início do tratamento de neoplasias; permitiu a revisão da lista de medicamentos essenciais, ampliando de 550 para 810 itens; permitiu a atualização dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDT; tornou mais ágil o processo de incorporação de novas tecnologias ao SUS [Lei 12.401/2011]; determinou a realização de consultas públicas nos processos de incorporação, exclusão e alteração de tecnologias, permitindo a participação da comunidade.

Números


De forma geral, as ações se referem a acesso a medicamentos e procedimentos médicos, vagas em hospitais públicos, e ações movidas por usuários de planos de saúde. Nos tribunais estaduais, há mais de 300 mil ações em curso (dado de 2014). No âmbito dos tribunais federais, há mais de 60 mil ações em andamento.

No Rio Grande do Sul, um dos precursores da judicialização, são gastos R$ 316 milhões por ano com medicamento. Desse valor, 64% (R$ 192 milhões) são acionados por via judicial. “Assim podemos questionar quem está de fato administrando a saúde. Estamos vivendo uma lógica administrativa ou a lógica do judiciário?”, questionou Elda. Com R$ 316 milhões é possível construir 128 unidades básicas de saúde, sendo que 90% dos problemas da população se resolvem na atenção básica.

No Paraná, os gastos com demandas judiciais na saúde saltaram de aproximadamente R$ 741 mil em 2003 para 85 milhões em 2013. Ainda, quando um medicamento é adquirido por via judicial, acaba saindo muito mais caro do que se fosse comprado pela administração pública.

Lobby da indústria


Números de uma pesquisa em São Paulo revelam uma relação curiosa entre as demandas judiciais em saúde e seus proponentes. Em 2.927 ações foram encontrados 565 advogados. Entretanto, 35% dessas ações foram movidas por apenas seis advogados. Ainda, 66% dos processos solicitavam um único medicamento e essa mesma porcentagem marca o número de solicitações realizadas por um único médico. “É perceptível uma estreita relação entre o advogado, o médico e o fabricante do medicamento”, apontou.

Elda afirmou que a efetivação do direito à saúde na perspectiva da universalidade, da integralidade e da equidade jamais será alcançada pela via jurisdicional. “A judicialização é uma falsa ilusão de garantia que muito mais nos torna desiguais do que iguais, que muito mais exclui do que inclui e que aumenta a lógica da saúde como um bem de consumo e não a saúde como um direito de cidadania”, afirmou.

Nas ações não se encontra pedidos de consultas pré-natal, encontra-se solicitação de medicamentos de alto custo, exames sofisticados e internações hospitalares. “O judiciário hoje tem sua agenda pautada pela indústria e os juízes estão atuando como despachantes baratos da indústria. É preciso repensar essas práticas, compreender e aceitar a lógica da interdisciplinaridade”.

Possíveis caminhos


Em sua conclusão, Elda apresentou pontos que poderiam ser uma alternativa a essa avalanche da judicialização da saúde. Para ela, é preciso identificar os 40% de demandas que não deveriam existir e estabelecer planos de como evitá-las; questionar judicialmente decisões judiciais não fundamentadas devidamente; resolver o problema dos 25 medicamentos que representam 70% dos processos judiciais; incorporar técnicas de mediação; identificar os profissionais da rede que prescrevem fora do que está padronizado e fazer trabalho específico com eles; assumir os núcleos de assessoria técnica do judiciário; traçar perfil das demandas judiciais; e analisar demandas judiciais artificiais.

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