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quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Acesso a Água e Saneamento x Desnutrição: Uma análise dos indicadores do Índice de Progresso Social para a América Latina

André Cezar Medici no Monitor de Saúde


Introdução


Os problemas de acesso a água, seja por causa dos fatores climáticos ou pela degradação ambiental provocada pela ação do homem, seja por causa da má administração dos recursos hídricos, poderão ser determinantes na deterioração das condições sociais da população mundial mais vulnerável e no aumento da desnutrição. Primeiramente porque o acesso a água é determinante na produção agrícola e na disponibilidade de alimentos, especialmente para os pequenos produtores e lavouras de subsistência. Em segundo lugar, porque a falta de água, ou o acesso a água de má qualidade e a falta de saneamento básico, aumenta a incidência de enfermidades transmissíveis que podem causar diarréia e prejudicar os nives de nutrição infantil, estando associada a questões como o baixo peso ao nascer. 

É por este motivo que as preocupações com a sustentabilidade ambiental, com a eficiência no uso de recursos hidrícos e com os temas nutricionais e de saúde continuarão a ser relevantes no alcance dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), de acordo com a agenda mundial definida no mês de outrubro de 2015. Ela leva a necessidade inexorável de revisão das agendas nacionais de como os recursos hídricos deverão ser gerenciados não só para a sustentabilidade ambiental (tais como decidir sobre os níveis adequados de cobertura florestal), mas também como elemento fundamental para a redução da pobreza e melhoria das condições de saúde e nutrição, especialmente nos países em desenvolvimento, como o Brasil.

O foco deste artigo é o impacto das condições de acesso à agua e saneamento na nutrição e saúde na América Latina e Caribe. Poucos estudos tem enfatizado o impacto das condições de saneamento nestes temas. Demonstrar algumas evidências sobre o assunto poderá aumentar a consciência e a mudar a gestão das políticas de acesso a água, saneamento e seus processos de gestão.

Dados Utilizados


Utilizaremos a base de dados acessada para o cálculo do Índice de Progresso Social – IPS (1) de 2015 (2). Este índice, que começou a ser calculado em 2014, mede de forma relativa o desempenho de diversos países considerando uma bateria de 52 indicadores ordenados segundo alguns princípios básicos: (a) são considerados somente indicadoressociais e ambientais, dado que não se quer medir o progresso social diretamente através de indicadores econômicos. (b) Os indicadores refletem resultados e não insumos ou indicadores intermediários. Nesse sentido, se o objetivo é medir saúde e bem estar, não se precisa saber quanto se gastou ou quanto se utilizou de recursos para alcançar os valores que estão refletidos no índice. (c) Os indicadores tem que ser holísticos e relevantes para todos os países, e não somente para países em desenvolvimento; (d) os indicadores tem que ser o reflexo da necessidade de ação – do governo ou da sociedade civil - para resolver os problemas levantados, focalizando em áreas que exigem imediata implementação de políticas.

Estes princípios básicos estão na base do conceito de Progresso Social que caracteriza o IPS, entendido como “a capacidade da sociedade em alcanlar as necessidades humanas básicas de seus cidadãos, estabelecendo os fundamentos que permitem a comunidade e aos cidadãos melhorar e sustentar a qualidade de vida, criando condições para que todos alcancem seu potencial pleno” (3).

O IPS, como índice relativo, varia de 0 a 100, onde 100 representa a posição do país em melhor situação no indicador considerado e 0 o país que se encontra em pior situação. O índice considera tres componentes: Necessidades Humanas Básicas, Fundamentos do Bem Estar e Oportunidades. Cada um desses tres componentes é composto por quatro dimensões:

a) No componente necessidades humanas básicas foram consideradas as dimensões nutrição e atenção médica básica, agua e saneamento, habitação e segurança pessoal.

b) No componente fundamentos do bem estar, se incluem acesso ao conhecimento, acesso a informação e comunicações, saúde e bem estar e sustentabilidade ambiental.

c) No componente oportunidades, se incluem as dimensões direitos individuais, liberdade individual e de escolha, tolerância e inclusão social e acesso a educação avançada.

Neste conjunto de 12 dimensões se distribuem os 52 indicadores que compõe o IPS, como se pode observar na tabela 1 abaixo.


Foram considerados sempre os últimos dados internacionais disponíveis para cada um destes 52 indicadores. Em 2015, foi analisado o IPS, seus componentes e indicadores em 133 países (dos quais 21 latino-americanos) dividindo os países em seis categorias de progresso social: (i) países com muito alto progresso social (IPS acima de 86,4); (ii) países com progresso social alto (IPS entre 77,4 e 86,4); (iii) países com progresso social médio alto (IPSentre 67,1 e 77,4); (iv) países com progresso social médio baixo (IPS entre 55,3 e 67,1); (v) países com progresso social baixo (IPS entre 43,3 e 55,3) e (vi) países com progresso social muito baixo (IPS abaixo de 43,3). A tabela 2 abaixo mostra o IPS para os países da América Latina e Caribe e sua renda per-capita.

Tabela 2 - Índice de Progresso Social nos Países da América Latina (IPS-2015)

De acordo com esta classificação nenhum país da América Latina e Caribe, com dados conhecidos, tem progresso social muito alto. Os países latino americanos tiveram os seguintes scores: a) progresso social alto (Uruguai, Chile e Costa Rica); (b) progresso social médio alto (Argentina, Panamá, Brasil, Jamaica, Colombia, Equador, México e Paraguai); (c) Progresso Social Médio Baixo (El Salvador, Venezuela, Bolivia, República Dominicana, Nicaragua, Guatemala, Honduras, Cuba, Guiana). Nenhum país da Região foi também classificado como tendo progresso social baixo ou muito baixo, o que caracteriza a Região como tendo progresso social médio ou ligeiramente alto.

Progressos nos níveis de desnutrição nos países da América Latina e Caribe

De acordo com as estatísticas da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação), as taxas de prevalência de desnutrição para a Região da América Latina e Caribe se reduziram de 15,3% (1990-92) para 6,1% (2012-2014) com efeitos na redução do número de desnutridos de 68,5 para 37,0 milhões de pessoas, no mesmo período respectivamente (4). Este progreso, no entanto, não foi homogêneo entre países e sub-regiões. Para exemplificar, por exemplo, nos países do Caribe, as taxas de prevalência de desnutrição, que já eram elevadas no início dos anos noventa, se reduziram pouco (de 27% para 20,1%), enquanto que na América Latina, a redução foi bem mais significativa: de 14,4% para 5,1%, respectivamente.


Estes dados mostram que, ainda que tenha ocorrido uma redução expressiva e que as metas regionais associada s ao indicador para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) tenham sido alcançadas (ver gráfico correspondente), a desnutrição ainda é um problema que afeta a milhões de países na América Latina e Caribe e que, portanto, deveria continuar na agenda futura dos Objtivos de Desenvolvimento Sustentável na Região.

Correlações entre Nutrição e Atenção Médica Básica x Água e Saneamento

A tabela 3 mostra as correlações entre os indicadores de duas dimensões do IPS 2015 (Água e Saneamento e Nutrição e Atenção Médica Básica) para o conjunto de 24 países da América Latina e Caribe onde os indicadores estavam disponíveis. Os coeficientes de regressão foram classificados em células de tres cores, indicando variáveis de alta correlação ( verde, quando o coeficiente de regressão é superior a 0,85); de média correlação (amarelo, com coeficientes de regressão entre 0,7 e 0,85) e de baixa correlação (vermelho, quando os coeficientes de regressão são inferiores a 0,7). 

Tabela 3: Coeficientes de Regressão do Cruzamento de Duas Dimenões do IPS-2015 (Nutrição e Atenção Médica x Água e Saneamento) para 24 países da América Latina e Caribe

Os dados mostram que, ao nível agregado, existe uma forte correlação entre as duas dimensões consideradas (nutrição e atenção médica x água e saneamento), o que leva a deduzir que a melhoria das condições de abastecimento de água e saneamento básico poderá melhorar as condições de saúde e nutrição na Região.

No entanto, se verifica, ao correlacionar os indicadores individuais que compõe estas dimensões, que as maores correlações se encontram associadas a dimensão água e saneamento e aos indicadores de desnutrição e profundidade do déficit alimentar. Destaca-se também que pode existir um efeito aditivo quando se consideram os três indicadores da dimensão água e saneamento nos indicadores de desnutrição e déficit alimentar.

Vejamos, por exemplo, a relação entre a dimensão agregada água e saneamento do IPS e o indicador de desnutrição, como pode ser visto no gráfico que se segue. Se verifica um coeficiente de regressão de 0,93. O gráfico também posiciona alguns países para mostrar as diferenças existentes em relação a distintos contextos.

Considerações Finais


No mês de março de 2016 ocorrerá em Lima a IV Conferencia Latino-Americana de Saneamento. Será um momento privilegiado para discutir como se poderá melhorar a cobertura do saneamento na Região e também os efeitos sobre a nutrição, saúde e outros indicadores sociais que poderão melhorar com o estabelecimento de políticas que permitam melhorar o acesso ao saneamento básico e a água de boa qualidade na Região.

Em meados da presente década, a Organização Pan Americana da Saúde mencionava que a falta de água potável e de saneamento constituia a segunda causa indireta de morbi-mortalidade para as crianças com menos de 5 anos de idade na Região Latino-Americana, sendo o maior componente de carga de enfermidade associada ao ambiente (5). Mas a maior ironia associada a este processo, residia no fato de que cerca de 31% dos recursos hídricos do mundo concentram-se na Região, sendo a ALC a região mundial com maior disponibilidade de água doce per-capita do mundo. No entanto, a irregularidade, a má gestão e a falta de uma cultura de preservação dos recursos hídricos fazem com que os serviços não cheguem a quem precisa, aumentando os riscos associados a saúde e a desnutrição. A situação se torna ainda mais drástica com os problemas que se associam à mudança climática que tem castigado fortemente a Região nos últimos anos.

Notas

(1) O Índice de Progresso Social (Social Progress Index - SPI) é uma iniciativa da Social Progress Imperative, uma organização não governamental americana, sem fins de lucro, coordenada por Brizio Biondi-Morra, administrador e empresário com vasta experiência em temas de estratégia e gestão de negócios em empresas internacionais na América Latina. O índice foi desenvolvido por um grupo sob a liderança intelectual dos professores Michael Porter e Scott Stern, mas contou com a participação de mais de uma centena de especialistas e instituições diferenciadas, incluindo os premios nóbel em economia Amartya Sen e Joseph Stiglitz. O esforço global no desenvolvimento do SPI foi financeiramente apoiado por instituições e empresas como Avina, Cisco, Deloitte, Rockfeller Foundation, Skoll Foundation, além de várias empresas e governos de países diversos, especialmente da América Latina. A metodologia e a descrição do SPI poderá ser encontrada na página 

(2) Porter, M., Stern, S & Green (2015), M, Social Progress Index 2015, Ed. Social Progress Imperative, Washington DC, March 2015.

(3) “Social Progress is the capacity of a society to meet the basic human needs of its citizens, establish the building blocks that allow citizens and communities to enhance and sustain the quality of their lives, and create the conditions for all individuals to reach their full potential.”, in Porter, Stern and Green (2015), Social Progress Index 2015, p 14.

(4) Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), The State of Food Insecurity in the World 2014, Rome, 2014. Link http://www.fao.org/3/a-i4030e.pdf

(5) Organización Panamericana de la Salud, Agua y Saneamiento: En Búsqueda de Nuevos Paradigmas para las Américas, Ed. OPS, 2012, Washington DC.

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