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quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

A subversão dos alunos que ocuparam suas escolas

Luis Nassif na Coluna Econômica


A reportagem da TV Folha era excepcional (http://migre.me/shJtt). Sem orientação, os vídeo-repórteres saíram a campo e visitaram escolas ocupadas por estudantes - em protesto contra a reestruturação da rede escolar do estado de São Paulo sem consulta aos alunos. 

A primeira cena é de uma sala de aula malcuidada, mostrando banheiros com privadas sem assento, torneiras sem pias, escolas sem laboratório de informática e a quadra de esportes fechada há quatro anos. 

Sem a presença de diretores relapsos, a rapaziada varre o chão, escova os degraus, e fala de boca cheia: a MINHA escola. 

A jovem estudante diz que o governo alega que vai usar a escola para fazer Fatecs, Etecs e creches. E ela é taxativa: “A gente sabe que é mentira porque a escola está caindo aos pedaços”. E as imagens confirmam. 

A moçada vai desconstruindo o discurso público. “Eles disseram que a escola só tinha duzentos alunos. Conseguimos provar que era muito mais que isso”. Outra mocinha diz que eles não explicaram o que pretendem com a reorganização. Já cortaram 30% das verbas da nossa escola este ano, que já não tem”.  

Os espíritos mais sensíveis, aqueles que nasceram para ensinar ou para professar a cidadania, de certo repararam no significado daquela “NOSSA escola”.

Enquanto descasca cenouras, preparando a merenda na cozinha da escola, Rafaela, aluna da EE Cefam, fala do orgulho da “minha escola” ser considerada a melhor de Diadema. Outros alunos enaltecem o fato de que vários alunos da escola já passaram na USP. E demonstram a indignação com o fim da SUA escola.

Larissa, Giovana, Mariana, João Constantino, Vanessa, Mateus, em menos de dez minutos dão uma aula inesquecível de cidadania. Sem parar de varrer o chão, Larissa conta que a rapaziada organizou tudo, definiu o que cada um iria fazer. A ela coube limpar o chão. 

Os alunos trouxeram cobertores, colchões, arrumaram as cadeiras, já “que estava tudo bagunçado”, fazendo questão de se auto definirem como “tudo gente boa, tranquila, sem baderna”. “A gente está deixando a escola melhor do que quando a gente estuda nela”, diz uma das meninas. “Até papel higiênico no banheiro nós trouxemos, porque nunca tinha”.

Outros alunos abriram uma porta que vivia fechada a e descobriram um vestiário repleto de lixo, mas com material em bom estado que era para ter sido entregues aos alunos e, por algum motivo, não foi.

Decidiram esvaziar o vestiário, limparam, conseguiram tomar banho e deixaram pronto “para quando terminar a ocupação, o pessoal usar”. Um dos alunos já sabia o que fazer quando terminasse a ocupação: ir até a diretoria, mostrar tudo o que descobriram que poderiam estar sendo usados pelos alunos, e exigir seu uso.

Por conta de um acidente de percurso, o Secretário da Educação viu-se frente a uma explosão de cidadania, de alunos apropriando-se – no melhor sentido sociológico – da SUA escola. 

Houvesse o mínimo de sensibilidade pedagógica, fosse efetivamente um mestre, o exemplo daqueles meninos seria levado para todas as escolas do estado. O Secretário convocaria uma comissão deles para conversar não apenas sobre a reestruturação da rede, mas sobre como perpetuar aquele sentimento de civismo, de pertencimento que faz os alunos guardarem sua escola no peito, como quem acarinha o objeto mais querido, e tratarem de limpá-la dos desmazelos a que foram relegadas por um modelo escolar relapso. 

Depois, o Secretário trataria de instituir conselhos com participação da rapaziada, de seus pais, colocá-los para supervisionar as compras, o material, a qualidade dos professores. Estimularia uma competição virtuosa para definir a melhor escola.

Mas aquele vídeo da TV Folha encerrava ameaças terríveis ao establishment. Afinal, poderia despertar sonhos indizíveis, de alunos tratando as escolas como se fossem SUAS, e não esmolas de um poder público decrépito e estreito. E se a opinião pública descobrisse que participação é a maneira mais objetiva de melhorar a educação? E esse sonho se estendesse para outros espaços públicos? Seria o pesadelo tanto para Brasília quanto para São Paulo.

Os 09:50 do vídeo conseguiram demonstrar algo que os burocratas da educação jamais sonharam colocar em prática: a pedagogia da participação, a cidadania praticada por quem sabe da importância efetiva da escola: seus alunos.

Imediatamente o velho reagiu. Enquanto o governador visitava as direções dos jornais, o vídeo foi tirado do ar, vândalos trataram de ocupar uma escola e quebrar tudo. Imediatamente após se retirarem, sem serem incomodados nem reconhecidos, chegou a perícia da PM, não as viaturas incumbidas da segurança. E, com a perícia as reportagens oficiais tratando de ligar a quebradeira aos alunos.

Só faltou os vândalos chegarem de moto e máscara negra, o uniforme que usam quando tratavam de executar jovens negros de periferia.

A quilômetros dali, nos salões do Palácio Bandeirantes, da Secretaria de Educação, julgavam que o estratagema destruiria os jovens sonhos daqueles jovens cidadãos.

Engano! Experiências de cidadania, aulas de cidadania como as que foram ministradas pela rapaziada, não são como essas construções de cimento sem vida, ou como discursos vazios de uma política sem alma.

São experiências de vida.

O novo está nascendo ali, apesar da truculência desmedida do velho.

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