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segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

"Parada do Orgulho Louco" faz turma do establishment espernear no RS

Parada do Orgulho Louco divide profissionais de saúde


Evento reuniu cerca de 4 mil pessoas em Alegrete na última sexta-feira e gerou comoção entre profissionais de saúde. Sete grupos da área lançaram ontem nota de repúdio e prometem buscar na Justiça responsabilização pelo ato

Parada do Orgulho Louco divide profissionais de saúde Paulo André Dutra/DivulgaçãoFoto: Paulo André Dutra / Divulgação
Uma manifestação com a presença de pacientes de doenças psíquicas, realizada na sexta-feira, revelou uma cisão entre os profissionais da área da saúde mental no Rio Grande do Sul. Ocorrida em Alegrete, com participação de 4 mil pessoas, a 5ª Parada do Orgulho Louco tinha como objetivo anunciado celebrar o tratamento em liberdade dos doentes, em lugar de sua internação em manicômicos.
No fim de semana, depois de receber informações sobre o evento, dirigentes de sete entidades da área médica decidiram redigir uma nota conjunta para condenar a iniciativa. O texto, publicado ontem, não perde tempo com delicadezas. Afirma ser “revoltante e degradante ver a irresponsabilidade” de pessoas que deveriam proteger o paciente e que se valem “da ingenuidade de um doente mental para vesti-lo de palhaço e levá-lo a desfilar pelas ruas”.

A nota ainda alude a “políticos oportunistas”, que pisoteiam o sofrimento das famílias, e promete buscar na Justiça a responsabilização pelo ato.

– A nota é violenta porque essa atitude de desrespeito ao doente mental é violenta.  É uma exposição pública do doente mental da forma mais patética, fantasiando de palhaço alguém que está ali colaborando ingenuamente, sem entender as consequências disso. Além do desrespeito, há um desconhecimento da doença, porque não existe motivo nenhum para ter orgulho – afirma Carlos Alberto Salgado, presidente da Associação de Psiquiatria do RS, um dos signatários do documento.
Texto causa desconforto entre profissionais
A nota é firmada ainda por Sindicato Médico (Simers), Conselho Regional de Medicina (Cremers), Associação Médica (Amrigs), Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Associação Brasileira dos Usuários do Sistema de Saúde (Abrasus) e Sociedade de Apoio ao Doente Mental (Sadom). A manifestação causou desconforto em instituições como o Fórum Gaúcho de Saúde Mental, a comissão de saúde mental do Conselho Estadual de Saúde e o Conselho Regional de Psicologia (CRP).
– É uma nota bastante desrespeitosa com os próprios usuários dos serviços de saúde, porque os coloca no lugar de sujeitos incapazes. Nós apoiamos a parada porque inaugura um novo momento na luta contra a supremacia dos manicômicos como única possibilidade de tratamento. Hoje, vivemos um avanço de outras formas de cuidado, sem afastar o paciente do convício social. O movimento manifesta orgulho dessa história. Não nega o sofrimento que as pessoas passam, mas diz: podemos conviver com isso. É um momento afirmativo, como os que as pessoas que vivem com HIV fazem, como quem passou por um tratamento de câncer faz – diz Alexandra 
Ximendes, conselheira do CRP.

Evento durou três dias em Alegrete
Promovido pela prefeitura de Alegrete, com apoio da Câmara Municipal e de uma série de entidades, o evento durou três dias e teve debates, oficinas, atividades culturais e manifestações públicas. Segundo os organizadores, não havia doentes vestidos de palhaço, mas, sim, com cartolas, em uma alusão a José Joaquim de Campos Leão, dramaturgo gaúcho tomado por louco no século 19.
Paulo Michelon, paciente dos serviços de saúde mental e integrante do Fórum Gaúcho de Saúde Mental, sentiu-se desrespeitado pela nota. Para ele, o documento revela preconceito com os doentes.
– Todos nós que estamos pelo tratamento em liberdade somos contrários a essa nota. Eles afirmam que é revoltante ver usuários passeando na rua, dizem que estão sendo manipulados. Não são manipulados. Têm todas as condições de se manifestar enquanto pessoas. Para nós, o revoltante é quando um médico enclausura alguém contra a vontade dentro de um hospício. Não queremos mostrar que temos orgulho de ser loucos, mas mostrar para a sociedade que o usuário que antes ficava trancafiado é capaz de viver em sociedade e de ter alegria.
Polêmica evidencia mudança na política
Na edição de 2014, a Parada do Orgulho Louco de Alegrete foi prestigiada pela presença da então secretária estadual da Saúde, Sandra Fagundes. Neste ano, com o Palácio Piratini sob nova gestão, o vento virou. A atual política é contrária ao evento.
Luiz Carlos Ilafont Coronel, atual coordenador de saúde mental do Estado e ex-diretor do Hospital São Pedro, não esconde sua antipatia pela iniciativa.

– Somos totalmente contrários a tudo que for exposição indevida, tudo que for manipulação das pessoas doentes para fins políticos e ideológicos, para promoção pessoal. Quem fala pelo doente mental é o curador ou o Estado. Sendo generoso, eu diria que foi no mínimo temerário o que fizeram. Caso se comprove que não havia autorização dos responsáveis, então seria uma infração, um crime que deve ser averiguado e punido – afirma.
A posição de Coronel é criticada por Sandra Leon, coordenadora da comissão de saúde mental do Conselho Estadual de Saúde. Para ela, a oposição ao evento faz parte de uma mobilização contra a Reforma Psiquiátrica.
– Ele é publicamente contra a reforma, sempre foi. O cuidado do paciente em liberdade, com autonomia e protagonismo, não faz parte do que ele acredita. Ele tenta potencializar as unidades segregadoras, os manicômios, criar mais leitos em manicômios. É um olhar retrógrado e contrário à lei da reforma psiquiátrica. O Conselho, como orgão fiscalizador da saúde no Estado, não vai deixar isso acontecer – diz Sandra.
Leia, na íntegra, a nota de repúdio escrita pelas sete entidades da área de saúde
“Diante das cenas lamentáveis veiculadas sobre a “Parada do Orgulho Louco”, as entidades abaixo assinadas manifestam:

1. É revoltante e degradante ver a irresponsabilidade e falta de sensibilidade daqueles, cuja missão seria justamente cuidar e proteger o enfermo, expondo-o publicamente. 
2. Nada justifica valer-se da ingenuidade de um doente mental para vesti-lo de palhaço e levá-lo a desfilar pelas ruas.
3. É vergonhoso que políticos oportunistas tentem alcançar os holofotes pisando no sofrimento das famílias.
4. Já estão sendo analisados instrumentos jurídicos para responsabilizar os envolvidos civil e criminalmente.
5. Recente auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE) revelou que a ex-secretária da Saúde do Governo Tarso Genro e atual superintendente do GHC usou o transporte do serviço aeromédico de urgência para participar da mesma Parada, em 2014. O gasto foi de R$ 18.300, verba que falta à assistência.

Porto Alegre, 26 de outubro de 2015.

- Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (SIMERS)

– Conselho Regional de Medicina(CREMERS)
– Associação Médica do Rio Grande do Sul (AMRIGS)
– Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)
– Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS)
– Sociedade de Apoio ao Doente Mental (SADOM)
– Associação Brasileira em Defesa dos Usuários de Sistemas de Saúde (ABRASUS)”.

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