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sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Posição do MP-PR sobre dispensação da substância química fosfoetanolamina

Com nossos cumprimentos, cabe-nos expressar reflexão sobre a possibilidade de provocar o Sistema Único de Saúde para dispensação a pacientes em tratamento oncológico da substância química fosfoetanolamina, anunciada em meios de comunicação como supostamente eficaz para o tratamento de diversos tipos de câncer.
Até hoje a substância não é registrada na ANVISA como medicamento e está em fase experimental de pesquisa, somente como produto químico, na Universidade de São Paulo, ainda sem estudos sobre a ação em seres vivos, muito menos estudos clínicos controlados em humanos. Assim, para além de o produto não estar cadastrado como remédio, não foi analisado cientificamente ainda para esse fim e, portanto, não são conhecidas as consequências do seu uso. Ou seja, além de não haver evidências terapêuticas, não está quantificada sua segurança farmacológica e seus eventuais efeitos adversos.
Portanto, para além de ser vedado, em todas as esferas de gestão do SUS, dispensação, pagamento, ressarcimento ou reembolso de medicamento ou produto experimental ou de uso não autorizado pela ANVISA (art. 19-T, da Lei n. 8080/90) – o que já implicaria em empecilho jurídico para se buscar o emprego dessa substância no âmbito do sistema público de saúde – não há nenhuma segurança técnica, como dito, sobre os possíveis efeitos colaterais no seu uso por seres humanos.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, em sede de pedido de suspensão de decisão para entrega dessa substância a portadores de câncer, asseverou que “a substância pedida não é medicamento – já que assim não está registrada. Não se trata tampouco de droga regularmente comercializada, mas de um experimento da Universidade de São Paulo. (...) Por todos esses fatos, não seria recomendável a equiparação da situação de entrega da fosfoetanolamina à dispensação de medicamentos: não há, como sói acontecer nas demandas por remédios, uma possível falha do Estado ao não pôr à disposição dos pacientes determinado fármaco existente no mercado (…) Em contrapartida, não se podem ignorar os relatos de pacientes que apontam melhora no quadro clínico. Pondo-se de parte a questão médica, que se refere à avaliação da melhora, do ponto de vista jurídico há uma real contraposição de princípios fundamentais. De um lado, está a necessidade de resguardo da legalidade e da segurança dos procedimentos que tornam possível a comercialização no Brasil de medicamentos seguros. Por outro, há necessidade de proteção do direito à saúde. Por uma lógica de ponderação de princípios em que se sabe que nenhum valor prepondera de forma absoluta sobre os demais, tem-se que é a verificação do caso concreto a pedra de toque para que um princípio se imponha. Conquanto legalidade e saúde sejam ambos princípios igualmente fundamentais, na atual circunstância, o maior risco de perecimento é mesmo o da garantia à saúde. Por essa linha de raciocínio, que deve ter sido também a que conduziu a decisão do STF, é possível a liberação da entrega da substância”. (Autos sob n. 2194962-67.2015.8.26.0000, de suspensão de liminar, Relator José Renato Nalini, Órgão Especial do TJSP, publicado em 28.10.2015).
Nesse sentido, a liminar concedida pelo Ministro Edson Fachin, no STF, exclusivamente a uma paciente em estado terminal de câncer, foi baseada em laudo médico fundamentado, no sentido de mitigar os sintomas apresentados. E, nessa hipótese, a responsabilidade integral pelas consequências do uso da substância na paciente recaem ao médico subscritor. A especificidade desse caso concreto não espraia influência para todos os demais.
No Paraná, desconhece-se até o presente momento prescrições  médicas, de uso da fosfoetanolamina, em tratamento oncológicos, mas, ainda assim, há alguns  pacientes e/ou familiares aportando às Promotorias de Justiça (inclusive de Curitiba), demandando providências ministeriais, inclusive para a obtenção das prescrições médicas dessa substância.
Diante deste cenário, este Centro de Apoio Operacional solicitou formalmente manifestação técnica do Conselho Regional de Medicina, para externar manifestação acerca da propriedade das indicações médicas do uso dessa substância.
A posição oficial de tal órgão, externada no ofício n. 267/2015, subscrito pelo Presidente do CRM-PR, é a de que “… a fosfoetanolamina é uma substância que não foi testada clinicamente em pacientes, portanto, seus efeitos terapêuticos, riscos de uso e eventuais efeitos colaterais são desconhecidos. Assim sendo, não há no momento nenhuma evidência científica para seu uso em oncologia, até que indispensáveis protocolos de pesquisa venham a demonstrar sua indicação de efetividade”.
Por todos esses fundamentos, a manifestação do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública é no sentido de não ser desejável, por ora, qualquer intervenção ministerial para se tutelar os interesses de pacientes e/ou seus familiares para o uso dessa substância em tratamento oncológico. Não obstante, é de se compreender a pretensão subjetiva de pessoas interessadas em alcançar suposto benefício para sua saúde, principalmente quando abalada por grave moléstia, o que recomenda especial trato no acolhimento de tais indivíduos nas Promotorias de Justiça e nas respectivas orientações e esclarecimentos.
 Na oportunidade, ratificamos-lhe nossa manifestação da mais elevada consideração.



MARCO ANTONIO TEIXEIRA
FERNANDA NAGL GARCEZ
Procurador de Justiça
Promotora de Justiça

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