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sábado, 16 de janeiro de 2016

Escolha sem compromisso: É preciso alguém que agregue o campo da saúde mental


Uma intensa mobilização reúne profissionais, familiares, usuários e estudantes do campo da saúde mental, em todos os estados do Brasil. As imagens do movimento são belas, porque mostram a união de milhares de brasileiros em torno de uma causa comum. Mas seus rostos não escondem a preocupação com os rumos da política de saúde mental depois que o ministro da Saúde, Marcelo Castro, anunciou o novo coordenador para a área. Por que se afligem tanto?

O ministro expressa seu “Compromisso com a saúde mental”, em artigo no GLOBO de 12/01, assegurando que vai manter as orientações desta política, definidas pela lei 10216/2001. Por isso, diz se surpreender com a fortíssima reação que sua indicação desencadeou.

Mas é fácil compreendê-la. Sua escolha contradiz o seu compromisso. O indicado é um psiquiatra que jamais se identificou com o processo que agora teria que dirigir. Não participou de Conferências Nacionais de Saúde Mental, não tem a menor familiaridade com a construção das redes e da intersetorialidade na saúde. A marca mais importante de sua biografia profissional é ter dirigido por vários anos o maior manicômio privado da América Latina, a famigerada Casa de Saúde Dr. Eiras-Paracambi, fechada após denúncias de violações de direitos humanos. Suas credenciais científicas e acadêmicas são opacas. Em seu currículo no CNPq não há sequer uma pesquisa realizada, um artigo ou livro escrito, um trabalho científico apresentado. Como poderia ser aceito como uma boa indicação?

O SUS enfrenta uma grave crise: de financiamento, de gestão, de competição desigual com a saúde suplementar, de afirmação política em um ambiente de baixa aprovação das políticas públicas. Enfrenta principalmente os desafios da governabilidade em meio ao turbilhão da crise política.

Reconhecido internacionalmente como uma política de Estado bem-sucedida, e afinado com as diretrizes internacionais da Organização Mundial da Saúde e da Organização Pan-Americana da Saúde, o processo brasileiro de transição do modelo manicomial para a saúde mental comunitária precisa ser aprofundado. São muitos os desafios: investir na qualificação dos Centros de Atenção Psicossocial, aumentar vagas em residências terapêuticas, ampliar leitos de saúde mental em hospitais gerais, intensificar a atenção de saúde mental nos centros de saúde da atenção básica e as ações de prevenção e tratamento para usuários de álcool e drogas, consolidar o cuidado para crianças e jovens, e transpor a barreira cognitiva que ainda separa no Brasil a visão psicossocial e a formação biomédica.

Em seu artigo, o ministro deixou clara a importância que atribui a uma característica fundamental do SUS, o estabelecimento regular de pactos, em colegiados representativos. É hora de fazer valer esse princípio. No difícil momento que atravessamos, é preciso escolher um nome que agregue o campo da saúde mental. Esperamos do ministro Marcelo Castro o gesto de grandeza necessário para reabrir o caminho luminoso do diálogo: a revisão imediata do nome para coordenador da saúde mental pública brasileira.


*Benilton Bezerra Jr. é professor do Instituto de Medicina Social da Uerj e Pedro

**Gabriel Delgado é professor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ

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