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segunda-feira, 7 de março de 2016

Para avivar a memória de coxinhas empedernidos: INSTITUTO DE FH, iFHC, SE FEZ NUMA HISTÓRIA SÓRDIDO-TRAGICÔMICA


Última ceia: FH passa o chapéu para montar seu instituto – Depositou a dinheirama no banco de Daniel Dantas – Um salto: de status de classe média alta a status de banqueiro – “E o Joãozito? Por que fez aquilo?”


João Borges, o Joãozito, sempre amparou os negócios com sua simpatia e o sobrenome de 500 anos. Médio empresário, sócio de várias firmas, jogador de pôquer e cachelet, vive agarrado na orelha da sorte em mesas de carteado nos salões da plutocracia paulista. Nacional Club, entre milicos da reserva, numerários da Opus Dei e aristocratas desocupados; São Paulo Clube, no coração de Higienópolis em vetusto casarão da família Prado, comprado pelo banqueiro Gastão Vidigal, financiador da Oban, Operação Bandeirantes, máquina de desaparecer pessoas sob a ditadura militar, também financiador da TFP, Tradição, Família e Propriedade, cujo nome fala por si do que se trata; Clube Paulistano, Clube Pinheiros. Fugas para Punta del Este e Las Vegas.

Nisso iam ficando os caraminguás já escassos do empresário decadente.

Depois de perder uma diretoria do Banco Finasa, de Gastão Vidigal, Joãozito encontrou subsistência como espécie de dirigente nômade da elite paulistana. Na Sociedade Harmonia de Tênis, onde não é bem vinda gente de pele sequer morena, sem sobrenome importante, ou com sobrenome judaico ou árabe, João Borges será longevo presidente a cativar convivas nos restaurantes, nas quadras de tênis, nas saunas ou no carteado, mas por trás brindado com invectivas e desconfianças.

“A água mineral aqui é mais cara que no Plaza Athénée de Paris.”

Torna-se presidente do Automóvel Clube. Certa sócia, filha de um dos maiores latifundiários de São Paulo, que herdou do pai o título do clube, recorda:
“Lá não se entrava sem gravata. Juscelino, Jango, Jânio, Adhemar e Lacerda passaram por aqueles salões. Todos os talheres de prata. Os garçons conheciam nossas predileções.”

O Automóvel Clube é deslumbrante cripta no centro de São Paulo, ao lado da Votorantim e atrás do Theatro Municipal. Numa mesa o senador José Ermírio de Moraes devora seu filé Chateaubriand e bate papo com os garçons, que o adoram.

“A gente comia vendo o Viaduto do Chá e o Mappin. Mamãe mandava buscar pato assado para o jantar. Era uma extensão da nossa casa. Todos os sócios eram ricos. E vem o Joãozito em 2002 e diz que o clube está quebrado porque ninguém pagava mensalidade”, reclama aquela herdeira, aqui menos saudosa e mais revoltada.

Metade dos sócios chocados, metade dando gargalhadas.

“Mas o mentiroso nos roubou o clube”, opina.

O que narra a elegante senhora – que tem fazendas em muitos Estados, foi educada em colégio na Suíça e viaja em avião particular – é uma história sórdido-tragicômica.

Um jantar de gala para FHC passar o chapéu

Começo de novembro, 2002. Planalto Central. O crepúsculo é de um lilás melancólico, ao qual Jânio Quadros chegou a creditar sua renúncia. Fernando Henrique está a menos de dois meses de despedir-se do segundo e último mandato.

Uns oito jatinhos repousam nos hangares do terminal 2 do aeroporto Presidente Juscelino Kubitschek, em Brasília: David Suzano Feffer, Emílio Empreiteira Odebrecht, Jorge Grupo Gerdau, Katy Banco Icatu Almeida Braga, Lázaro Bradesco Brandão, Luiz Empreiteira Camargo Corrêa Nascimento, Márcio Bradesco Cypriano, Pedro Klabin Piva, Ricardo Grupo Espírito Santo do Espírito Santo, Sérgio Empreiteira Andrade Gutierrez e outros sentam-se à mesa para jantar no Palácio da Alvorada.

É noite de gala, como descreverá Gerson Camarotti na revista Época: jantar “regado a vinho francês Château Pavie” de US$ 150 a garrafa, assinado pela chef francesa Roberta Sudbrack – ravióli de aspargos, foie gras, perdiz com penne e alcachofra, rabanada de frutas vermelhas.

Quem selecionou e convidou os empresários foi velho amigo da família Cardoso, Jovelino Mineiro, que está à mesa, sócio dos filhos do presidente na fazenda de Buritis, Minas Gerais. 

Na conversa, Fernando Henrique diz que pretende ter uma base em Paris. “Nada mau!”, exclama. Boa parte dos maiores empresários brasileiros terminam a Era FHC em situação melhor do que quando começaram. E FHC aproveita para “passar o chapéu” a fim de angariar dinheiro para a ong iFHC, Instituto Fernando Henrique Cardoso. As doações foram tratadas tão sigilosamente, que vários dos presentes só ficam sabendo da facada agora, na hora do jantar. Já contribuíram com R$ 1 milhão e 200 mil para comprar a sede, um andar no Edifício Esplanada, com 1.600 metros quadrados, onde funcionava havia meio século o Automóvel Clube de São Paulo.

Os comensais, após rápida e desconfortável negociação, fecham negócio: 12 deles doarão R$ 7 milhões para um fundo que financiará palestras, cursos, viagens do futuro ex-presidente, e trará convidados estrangeiros.

Jovelino Mineiro sugere que cada um convide mais dois parceiros para dividir os gastos.

Na volta a São Paulo, a bordo do Citation VII do Bradesco, escapa do discretíssimo Lázaro Brandão o comentário:

“É inacreditável. Vê se ele precisa!”

Assim, a custas do filé do capitalismo brasileiro, FHC financiou seu instituto.

Na verdade, é escritório, depósito de documentos e presentes recebidos, mais fotos do Príncipe dos Sociólogos, que ele manuseia, uma por uma, motivo de piada entre assessores.

O iFHC encontraria na sede do Automóvel Clube o endereço para instalar-se; e, no endividado João Borges, a habilidade para driblar centenas de sócios que chiam, mas não irão à justiça contra o esbulho. FHC escolhe o Banco Opportunity, de Daniel Dantas, para administrar os milhões que arrancou dos magnatas naquela noite.

Joãozito, sem a concordância de um sócio sequer, acertou com FHC e sua corte o repasse da suntuosa sede. Da intermediação participou, também, o esperto Jovelino Mineiro.

Amigo desde 1994 conseguiu a suntuosa sede para o iFHC

Genro de Roberto Abreu Sodré, cacique da reacionária UDN e governador biônico de São Paulo sob a ditadura militar, Jovelino Mineiro não passa despercebido ao observador atento. A rispidez com que trata porteiros, garçons e pessoas humildes é diametralmente oposta ao espírito obsequioso que o norteia na convivência com ricos mais poderosos que ele.

“Quando esse cara casou com a filha do Sodré”, conta-me um informante, “ele era duro. Depois que ficou sócio do Fernando Henrique, se tornou muito mais rico do que a família da Carmo.”

A mulher de Jovelino, Carmo, não é apenas filha de ex-governador, ex-chanceler, pecuarista e cafeicultor. Seu avô materno foi João Mellão, banqueiro, fazendeiro, industrial, um dos homens mais ricos do Brasil.

Chegado aos Cardosos desde a eleição de 1994, foi numa fazenda herdada pela mulher de Jovelino Mineiro que FHC e família descansaram depois da campanha. Pressuroso, o anfitrião informou o lugar para Alberico Souza Cruz mandar um helicóptero da TV Globo sobrevoar a fazenda e captar imagens da família à beira da piscina.

Realizará sonhos. Compra a fazenda de Unaí, Minas Gerais, aquela que os sem-terra invadiram; e alia-se à aziaga Luciana Cardoso, funcionária-fantasma do gabinete do senador Heráclito Fortes, do DEM, filha querida e tesoureira do pai, sócia de Jovelino em fazenda de gado na região de Bauru, centro do Estado de São Paulo.

Jovelino foi quem encontrou o endereço que Fernando Henrique procurava, o Automóvel Clube, no edifício Esplanada, distante apenas dois quilômetros de seu apartamento em Higienópolis, na rua Rio de Janeiro – cobertura no Edifício Chopin, a 150 metros do antigo apartamento na rua Maranhão. FHC vivia em belo apartamento de classe média alta. Na Rio de Janeiro, passa a habitar cobertura de banqueiro. Apartamento com pedigree: o ex-proprietário é Edmund Safdié, ex-Banco Cidade.

Joseph Safra, sisudo patriarca da colônia judaica, dono do Banco Safra e admirador arrebatado de FHC, teria facilitado a nova moradia do amigo que tanto fez pela banca. Safra dá carona a FHC nas viagens internacionais. Oferece-lhe sua cabine com cama de casal e banheiro no Boeing 737 prefixo PR-BBS, de pintura discreta e interior nababesco.

João Borges, mergulhado em dívidas, com amigos poderosos, se derreteu diante de um presidente que o tratava pelo mesmo diminutivo que a paulistada do Harmonia: Joãozito. Jovelino Mineiro, a assessora de imprensa Ana Tavares e o secretário-geral da Presidência sob FHC, Eduardo Graeff, o cobriam de gentilezas. Flanava pelos ambientes sofisticados. Vida resolvida. Problemas financeiros? Broncas públicas? Coisa do passado.

Joãozito chegava ao núcleo do poder tucano. Na conservadora São Paulo, a menção ao Instituto Fernando Henrique Cardoso inibia o protesto público dos sócios. Em particular o chamavam de traidor. Não importava. Joãozito chegou a ir ao Automóvel Clube no papel de mestre de obras, discutir com pedreiros, eletricistas.

O iFHC ficou pronto. Na mesma proporção em que os sócios logrados passam a evitá-lo, os intermediários tucanos, antes gentis, nunca mais atendem um mero telefonema do ansioso Joãozito. Só o procuram os credores. Bem podia ter-se espelhado em Esopo, A Gralha e os Pavões.

A gralha, querendo se achar, cobriu o corpo com penas de pavão. Durante um tempo, os pavões a aceitaram e até a trataram como igual. Por fim, irritados, a atacaram a bicadas, lhe arrancaram as penas e a enxotaram, por pretender ser o que não era.

João Borges sucumbiu. Morreu do coração, dizem oficialmente. Mas no Harmonia, entre um Dry Martini e um Bloody Mary, velhotas se perguntam ainda hoje:

“E o Joãozito? Por que fez aquilo? Do que morreu Joãozito?”


*(O Príncipe da Privataria, capítulo 32)


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