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sexta-feira, 8 de abril de 2016

MST ou Polícia Militar: Quem Emboscou Quem no Paraná?

Na tarde desta quinta-feira (7), dois sem-terra morreram e seis ficaram feridos em confronto ocorrido no acampamento Dom Tomás Balduíno, em Quedas do Iguaçu, centro-sul paranaense.
Foto: Mídia NINJA

Mais não se sabe. No dia do jornalista, um aparente bloqueio de informações se abateu sobre o caso. As últimas notícias, extraídas de jornais locais, são das 21h e não trazem fatos novos para elucidar as circunstâncias reais da contenda.
Na ausência de relatos objetivos de testemunhas e imagens do ocorrido, uma rápida apuração de poltrona revela informações perturbadoras. Antes de expô-las, cabe uma passagem sobre os relatos de cada lado do episódio.
Acampamento Dom Tomás Balduíno, em Quedas do Iguaçu. Foto: Terra Sem Males

Confronto de narrativas

Duas versões, diametralmente opostas, estão em franco conflito.
De acordo com o MST, o acampamento teria sido emboscado por duas equipes da Polícia Militar acompanhadas de seguranças da empresa Arapuel, exportadora de pinus e eucaliptos com instalações nas áreas ocupadas.
Já a narrativa oficial, do Governo Beto Richa (PSDB), conta o que segue:
"Duas equipes da Polícia Militar foram vítimas de uma emboscada na tarde desta quinta-feira (7) na cidade de Quedas do Iguaçu, região centro-sul do Paraná, quando tentavam ajudar a combater um incêndio numa área conhecida como Fazendinha."
A nota continua: "Mas antes de chegar até o local da queimada, os policiais foram alvo de uma emboscada." Mais de 20 pessoas do MST teriam disparado deliberadamente contra as equipes da PM - na verdade, integrantes da Rondas Ostensivas Tático Móvel (ROTAM) -, que reagiram ao ataque.
A versão das forças de segurança do Estado soa inverossímil. É de se estranhar um destacamento policial de elite empenhar-se no combate a incêndios em áreas rurais. Ademais, apenas os sem-terra acumularam mortos e feridos. Mas, pelo bem da informação e ante a falta de relatos objetivos, não se pode descartar qualquer hipótese.
Acontece que há pistas, aqui e ali, que apontam para uma investida premeditada por parte da Polícia Militar articulada nos gabinetes do poder público.

Sinais de uma emboscada estatal

No dia 1º de abril, uma reunião no município de Quedas do Iguaçu, registrada no Facebook de Paulo Litro, deputado estadual pelo PSDB no Paraná, tratou do tema das ocupações. Estavam presentes, além de autoridades municipais, o secretário chefe da Casa Civil do Paraná, Valdir Rossoni (atentem para este nome), o secretário de Estado de Segurança Pública, Wagner Mesquita, o subcomandante da Política Militar do Paraná, Cel. Arildo Luiz Dias, o Delegado Geral da Polícia Civil, Júlio Reis e o delegado de Policiamento do Interior, Valmir Soccio. Promotores e representantes do Ministério Público Estadual também se fizeram presentes.
Em pauta, de acordo com a postagem de Paulo Litro, "a questão da segurança pública de Quedas do Iguaçu". O deputado afirma: "confio nos esforços do Governo do Estado para solucionar o problema". Paulo não diz qual é o problema a ser solucionado. Mas os compartilhamentos da publicação deixam claro.
O secretário Valdir Rossoni é deputado federal pelo PSDB e sua presença na reunião não é por acaso. Entre os doadores registrados da sua campanha, está a empresa Arapuel. A declaração oficial registrada no Tribunal Superior Eleitoral informa que R$ 50.000 foram repassados ao candidato pela exportadora de eucaliptos. Em nota, o MST acusa Rossoni de ter se comprometido com a empresa a insuflar a repressão nas áreas ocupadas.

Uma semana depois da reunião, dois corpos em Quedas do Iguaçu..

Outra busca revela: entre as plataformas de campanha de Paulo Litro à Assembleia em 2014 estava a resolução do conflito a favor da empresa. Em entrevista à Rádio Municipal FM registrada em vídeo no Youtube, o prefeito da cidade, Edson Hoffmann, cita a presença do então candidato em reunião com o presidente do legislativo estadual, o deputado Rossoni para debater o tema.
Outras notícias dão conta do posicionamento do Governo do Estado quanto ao impasse. Em novembro de 2015, Beto Richa recebeu uma comissão de representantes do município de Quedas do Iguaçu, liderada pelo prefeito, para reivindicar apoio à solução do conflito. "Nossa preocupação é proteger quem trabalha e gera empregos", afirmou Richa.
Em dezembro do mesmo ano, o juiz da 2ª Vara Federal de Cascavel, Leonardo Cacau Santos, declarou a área ocupada como de domínio da União, confirmando a tese defendida pelo Incra e pelo MST. A decisão judicial obrigaria a Araupel a pagar pelo uso da terra pública, além de adquirir outra área para o assentamento dos sem-terra.
A empresa não cumpriu as determinações e recorreu à Justiça Federal. O caso ainda não foi julgado.
Por fim, após a ocorrência desta quinta-feira, o comandante do 5º Comando Regional da Polícia Militar, tenente-coronel Wahington Lee Abe, deixou claro o posicionamento da corporação sobre o conflito agrário: "Só pedimos para os inocentes que se afastem desse movimento que se intitula movimentos sociais (...) pedimos aos inocentes, as pessoas desinformadas, que se afastem desses movimentos, vocês estão vendo que não faz parte da lei, a Polícia Militar não vai tolerar isso".
A declaração, uma clara ameaça ao MST, foi registrada pelo Jornal Expoente, de Quedas do Iguaçu. Em tempo, a mídia local e regional tem contribuído de forma contumaz para o sitiamento e criminalização do MST desde o início das ocupações em 2014, alimentando um clima de terror e ódio entre os habitantes. No Facebook, grupos reverberam a versão oficial e apoiam a atuação policial sem qualquer viés crítico.
Em nota divulgada no final da noite pela direção regional do MST, o movimento cobra punição aos envolvidos e a efetivação da reforma agrária, bem como o cumprimento da decisão judicial que deu nulidade aos títulos de propriedade da empresa.
Confira a íntegra da nota:

Nota da direção regional - MST

Conflito em Quedas do Iguaçu-PR
1. Mais uma vez explode o conflito em torno da Reforma Agrária no município de Quedas do Iguaçu, no momento em que conluiados os pistoleiros da Araupel e a PM do Paraná, atacaram frontalmente um grupo de sem terras, sem ao menos conversar, numa estrada da área grilada pela Araupel, com decisão judicial de nulidade dos títulos de propriedade;
2. Uma semana antes o atual secretário da casa civil e deputado federal, Valdir Rossoni, passou por Quedas do Iguaçu e comprometeu-se com a Araupel que reprimiria os sem terras até tirá-los da área grilada. Já há algumas semanas a PM faz bloqueio ostensivos, faz ameaças de todo o tipo aos trabalhadores assentados e acampados, humilhando e provocando nas abordagens realizadas nas estradas da região;
3. Os “recados” de ameaças de prisão e de morte contra os dirigentes e militantes chegaram incisivamente. Rossoni insuflou a PM que sentiu-se livre, inclusive para matar;
4. Rossoni quer ser Senador nas próximas eleições e já teria feito acerto de apoio econômico com a Araupel, que já lhe apoio com doação de dinheiro na campanha para deputado, e em troca do novo apoio reprimiria e despejaria os sem terras;
5. A única forma possível de resolver o conflito é punir os mandantes dos assassinatos e os assassinos, e o governo federal fazer a reforma agrária nesse latifúndio assassino, grileiro, e que a justiça já deu nulidade dos falsos títulos;
6. A Secretaria de Segurança Pública emitiu nota totalmente mentirosa, afirmando que os sem terras armaram emboscada para a polícia. Tal afirmação se desmente pelo resultado do massacre, onde dois trabalhadores sem terras foram assassinados e vários feridos, o que comprova a versão inversa dos fatos, a de que os sem terras é foram vítimas de emboscada.
Maldito o soldado que vira o fuzil contra o seu povo! (Bolívar)
Justiça e reforma agrária já!
Direção Regional do MST – Região Centro do Paraná
Laranjeiras do Sul, 07 de abril de 2016

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