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quarta-feira, 11 de maio de 2016

Ainda há juízes no Brasil?

texto da professora de Direito Constitucional da UFPR, Eneida Desiree Salgado
(roubartilhado do FB do James Alberti)


E cai a presidenta, apesar de seus 54 milhões de votos. 

Apesar da ausência de tipificação de crime de responsabilidade. Apesar da interpretação do TCU ser retroativa. Apesar da falta de consistência jurídica da denúncia, da inaptidão do relatório, das falhas procedimentais, da ofensa à ampla defesa, dos votos viciados na admissibilidade. 

O autoproclamado guardião da Constituição ficou de impávido colosso quando interessava, mas atuou fortemente para impedir a posse de ministro, para prender senador, para “suspender” mandato de deputado, para antecipar voto na imprensa, tudo, é bom que se frise, sem respaldo constitucional. 

Enquanto a sala de justiça decide quando fecha os olhos e quando entra em campo, os demais poderes atuam como se não houvesse Constituição e como se não houvesse amanhã. 

Tem perseguição a professor, tem proibição para debate político em universidade, tem liminar contra assembleia de centro acadêmico, tem condução coercitiva de testemunha televisionada, tem condenação com base em desenvolvimento doutrinário. 

As entidades de classe e as elites econômicas bradam contra a corrupção, mas não atuam para afastar governadores que pedalaram, desviaram recursos de merenda, massacraram professores e alunos, em uma atuação seletiva capaz de fazer corar o mais patife dos mortais. 

Quanto custou à presidenta ser uma outsider, abrir os arquivos da ditadura, desvelar os supersalários, promover a emancipação social, incluir vozes oprimidas, ser mulher neste campo machista e misógino! 

Não que tenha sido o governo dos meus sonhos – longe disso. Mas fez avanços sociais inegáveis e que agora correm o risco de retrocesso pela ascensão dos derrotados nas quatro últimas eleições presidenciais. 

E, claro, pululam juristas afirmando não se tratar de golpe (e até houve retirada dos anais da Câmara da palavra, nosso governador fazendo escola!) pois o impeachment está previsto na Constituição. 

Também está o estado de sítio e não me parece que seria constitucionalmente adequado dizer que ele pode ser acionado a qualquer tempo e sob qualquer pretexto, sem que se possa fazer controle disso. Aliás, teve até jurista defendo preclusão de nulidade, sem o menor constrangimento. 

Hoje alguns falarão em golpe, outros em vitória do movimento democrático, em ruptura institucional, em hiato democrático, em suspiro autoritário, em revolução redentora. 

Desconfio que alguns juristas que hoje defendem o “movimento” daqui a algum tempo irão subscrever uma carta aos brasileiros quando ele passar de envergonhado a escancarado. Espero, sinceramente, que não lhes alcance o direito ao esquecimento e que o futuro lhes cobre esse desprezo à soberania popular e seus malabarismos jurídicos. 

Quanto à mim, não me resigno à força constituinte do fato consumado. Continuo acreditando na Constituição e na sua força normativa e que o povo brasileiro não foge à luta. 

Que não se imagine que o usurpador irá trazer a paz e a concórdia. Falta-lhe legitimidade para governar, falta-lhe votos para comandar o país. Disso não esqueceremos. Tampouco esqueceremos de nossas ferramentas jurídicas. 

Espero que ainda haja juízes no Brasil.

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