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quarta-feira, 1 de junho de 2016

STF fixa novos parâmetros para a judicialização da saúde

(Dica da Caroline Rocha)

No julgamento da medica cautelar da Ação Direita de Inconstitucionalidade 5501, em 19/05/2016, o Supremo Tribunal Federal – STF fixou novos parâmetros para a judicialização da saúde.

A Corte suspendeu os efeitos da Lei 13.269/2016 (que autorizava o uso da fosfoetanolamina sintética para pacientes diagnosticados com neoplasia maligna). Os principais fundamentos invocados pelo Supremo alteram consideravelmente o panorama da judicialização. Em resumo, estes foram os pontos que assentaram a decisão:

1) Não é mais possível o fornecimento judicial de medicamentos e tecnologias em saúde que estejam destituídos da comprovada segurança. Sobre isso, o Corte afirmou o seguinte: “ao dever de fornecer medicamento à população contrapõe-se a responsabilidade constitucional de zelar pela qualidade e segurança dos produtos em circulação no território nacional, ou seja, a atuação proibitiva do Poder Público, no sentido de impedir o acesso a determinadas substâncias”.[1]

2) Deve-se investigar de forma exauriente as melhores práticas de evidência científica. Ou, conforme consta da decisão: “a busca pela cura de enfermidades não pode se desvincular do correspondente cuidado com a qualidade das drogas distribuídas aos indivíduos mediante rigoroso crivo científico”.[2]

3) Não se pode fornecer medicamento sem a prévia análise dos órgãos sanitários de controle. Conforme afirmou o STF, não é “permitida a distribuição do remédio sem o controle prévio de viabilidade sanitária” e ainda “a aprovação do produto no órgão do Ministério da Saúde é condição para industrialização, comercialização e importação com fins comerciais (Lei 6.360/1976, art. 12). O registro é condição para o monitoramento da segurança, eficácia e qualidade terapêutica do produto, sem o qual a inadequação é presumida”.[3]

4) Não se inclui no conteúdo do direito à saúde previsto no art. 196 da Constituição a pretensão de recebimento de tecnologias destituídas de segurança, de eficácia e de qualidade terapêutica. Nas palavras da Corte: “A lei em debate [cuja eficácia foi suspensa] é casuística ao dispensar o registro do medicamento como requisito para sua comercialização, e esvazia, por via transversa, o conteúdo do direito fundamental à saúde.”[4]

5) Não cabe ao Poder Legislativo fixar normas casuísticas sem participação e autorização dos órgãos do Pode Executivo (Ministério da Saúde, Anvisa, etc), sob pena de violação ao art. 2ª da Constituição. Ou seja: “O Tribunal vislumbrou, na publicação do diploma impugnado, ofensa à separação de Poderes. Ocorre que incumbe ao Estado, de modo geral, o dever de zelar pela saúde da população. Entretanto, fora criado órgão técnico, autarquia vinculada ao Ministério da Saúde (Anvisa), à qual incumbe o dever de autorizar e controlar a distribuição de substâncias químicas segundo protocolos cientificamente validados. A atividade fiscalizatória (CF, art. 174) é realizada mediante atos administrativos concretos devidamente precedidos de estudos técnicos. Não cabe ao Congresso, portanto, viabilizar, por ato abstrato e genérico, a distribuição de qualquer medicamento.”[5]

6) Para a concessão de medicamentos e de outras tecnologias em saúde é indispensável a avaliação dos estudos clínicos e que estes demonstrem a eficácia, eficiência e efetividade do produto. Conforme assentou o STF: “é temerária a liberação da substância em discussão sem os estudos clínicos correspondentes, em razão da ausência, até o momento, de elementos técnicos assertivos da viabilidade do medicamento para o bem-estar do organismo humano.”[6]

É importante afirmar que os fundamentos da decisão do STF configuram ratio decidendi e não apenas obiter dictum, razão pela qual vinculam todos os juízes e Tribunais do Brasil, diante da sua eficácia vinculante, nos termos do art. 11, § 1º, da Lei 9868/99.

Vale dizer, trata-se de decisão de inaugura nova fase no enfrentamento do fenômeno da judicialização da saúde, em razão da superação do entendimento que admitia o fornecimento de medicamentos e tecnologias experimentais, sem registro na Anvisa ou destituídos das melhores práticas de evidência científica.

Espera-se, a partir deste julgamento do STF, maior controle nas demandas temerárias e maior racionalização das decisões judiciais sobre o tema, sempre com o fim de resguardar adequadamente o núcleo essencial do direito à saúde.


Notas e Referências:

[1] Informativo STF n. 826, de 16 a 20 de maio de 2016.
Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo.htm

[2] Informativo STF n. 826, de 16 a 20 de maio de 2016.
Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo.htm

[3] Informativo STF n. 826, de 16 a 20 de maio de 2016.
Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo.htm

[4] Informativo STF n. 826, de 16 a 20 de maio de 2016.
Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo.htm

[5] Informativo STF n. 826, de 16 a 20 de maio de 2016.
Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo.htm

[6] Informativo STF n. 826, de 16 a 20 de maio de 2016.
Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo.htm


*Clenio Jair Schulze é Juiz Federal. Foi Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça – CNJ (2013/2014). É Mestre e Doutorando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali. É co-autor do livro “Direito à saúde análise à luz da judicialização”.

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