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terça-feira, 1 de novembro de 2016

Os pobres pagarão a conta da crise, deveria dizer o ministro da Fazenda

por Leonardo Sakamoto em seu blog

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ataca novamente. Ele defendeu, nesta segunda (31), em entrevista à Voz do Brasil, a imposição de um limite para o crescimento do gastos públicos – o que deve afetar áreas como educação e saúde a partir de 2018 e pelos próximos 20 anos. Veja o que ele disse:
''Só seria necessário [aumento de impostos] se as DESPESAS continuassem a crescer DESCONTROLADAMENTE. No momento em que o governo CORTA NA CARNE, elimina a necessidade de AUMENTAR IMPOSTOS''.
Não, ele não gritou. Fui eu quem colocou as palavras em caixa alta (em maiúsculas).
A linguagem é um troço engraçado, né? As palavras que escolhemos usar ou deixar de usar, consciente ou inconscientemente, explicam o lugar em que estamos na sociedade.

Por exemplo, peguemos os termos que destaquei na fala do ministro. Elas são pertinentes do ponto de vista do governo de Michel Temer e de uma parcela dos empresários e da sociedade civil que acreditam que o povão deve pagar a conta da crise econômica sozinho.
Agora, vamos trocar o ponto de vista:
''Só seria necessário [aumento de impostos] se OS INVESTIMENTOS EM EDUCAÇÃO E SAÚDE continuassem a crescer PARA REDUZIR NOSSA PROFUNDA DESIGUALDADE SOCIAL. No momento em que o governo CORTA NA CARNE APENAS DOS MAIS POBRES, elimina a necessidade de AUMENTAR IMPOSTOS DOS MAIS RICOS''.
Daí você escolhe em quem acreditar. Mas, quando seus filhos e netos estiverem pagando para usar a escola e o hospital públicos, não venha com mimimi.
O país vive uma grave crise econômica, social e política que começou no governo de Dilma Rousseff. Mas não é arrancando apenas de quem mais depende do Estado que o problema será resolvido. Ao contrário do que Meirelles disse na entrevista, a Proposta de Emenda Constitucional 55/2016 (esse é o número no Senado Federal; ela já foi aprovada na Câmara dos Deputados sob o número 241/2016) vai impactar sim as áreas da educação e da saúde – das quais dependem as classes mais humildes.
O ministro falou na TV que o país gasta mais do que arrecada, o que é verdade. Mas não discutiu o porquê. Nem quais devem ser as prioridades do Estado e o que deve ser cortado.
O aumento da destinação de recursos em gastos públicos, como educação e saúde, tem ocorrido acima da inflação nas últimas décadas – em parte para responder às demandas sociais presentes na Constituição de 1988 e, consequentemente, tentar reduzir o imenso abismo social do país. Se o reajuste tivesse sido apenas pela inflação, anualmente teríamos um reajuste de custos e o tamanho da oferta de serviços não cresceria, permanecendo tudo como estava.
Se a qualidade do serviço público segue, mesmo assim, insuficiente para a garantia da dignidade da população, imagine quando novos investimentos para além da inflação forem cortados.
Educação e saúde, até hoje, eram atreladas a uma porcentagem do orçamento (o montante da saúde, em nível federal, cresce baseado na variação do PIB, e o da educação, deve ser de, pelo menos, 18% da receita). Como o governo está propondo um teto para a evolução das despesas públicas baseado na variação da inflação (ou seja, sem crescimento real), precisará restringir, a partir de 2018, o que é gasto nessas áreas pois não poderá cortar de outros lados protegidos, como o salário e verba de custeio de deputados federais, senadores, ministros e presidente.
Ninguém nega que o déficit público precisa ser equacionado e que soluções amargas devem ser propostas e discutidas. E todos terão que dar sua contribuição. Mas Michel Temer e Henrique Meirelles demonstram um carinho grande com o andar de cima ao propor uma medida que limitará gastos que mexem diretamente com a qualidade de vida dos mais pobres e evitam aplicar remédios amargos entre os mais ricos.
Por exemplo, como venho sempre defendendo aqui, a volta da taxação de dividendos recebidos de empresas e uma alteração decente na tabela do Imposto de Renda (criando novas alíquotas para cobrar mais de quem ganha mais e isentando a maior parte da classe média). Isso sem falar na regulamentação de um imposto sobre grandes fortunas e um aumento na taxação de grandes heranças (seguindo o modelo norte-americano ou europeu).
Enquanto isso, uma reforma tributária que leve à justiça social sumiu. Ninguém sabe, ninguém viu.

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