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quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Sensacional! - Uma proposta alternativa à PEC 55 (ex-PEC 241)

POR OTAVIANO HELENE no Correio da Cidadania

A Proposta de Emenda Constitucional 55, ora em tramitação no Senado, tem como objetivo, segundo seus defensores, “reestabelecer a confiança na sustentabilidade dos gastos e da dívida pública”.

A “solução” apontada pelo governo para “reestabelecer a confiança” é congelar, em termos reais, os gastos públicos federais durante 20 anos, considerando como indicador inflacionário o IPCA do IBGE. Como nos últimos 20 anos, quando o PIB quase dobrou em termos reais e a renda per capita aumentou, também em termos reais, por um fator próximo a uma vez e meia, nos próximos 20, provavelmente, acontecerão coisas próximas a isso. Assim, corrigir os gastos apenas pela inflação implica em reduzi-los em relação ao PIB e em termos per capita.

Quais as consequências disso na prática? Vamos ver alguns exemplos com números. Em 1996, o orçamento do Ministério da Saúde foi de 15 bilhões de reais; atualizado apenas pela inflação, de 260% desde então, ele estaria perto de R$ 55 bilhões, menos da metade do que é hoje, cerca de 120 bilhões. As consequências seriam óbvias: menos médicos, salários menores, limitações de exames, atendimento precário, menor quantidade de postos de saúde, filas maiores e mais demoradas etc.

O MEC, por sua vez, caso tivesse seu orçamento corrigido apenas pela inflação desde 1996, teria disponível, hoje, cerca de R$ 25 bilhões, uma pequena fração do que foi em 2015, perto de 100 bilhões de reais: portanto, nada de Reuni; salários muito menores para os trabalhadores da educação; nada de complemento federal ao Fundeb; menos alunos, menos professores ou uma combinação dessas duas coisas.

Outros números podem dar uma ideia complementar do que é corrigir valores apenas pela inflação por duas décadas. Caso isso tivesse sido feito com o salário mínimo, este seria, hoje, de 400 reais. Usando a mesma sistemática para os orçamentos das secretarias de educação, estes seriam da ordem da metade do que são hoje e, portanto, os salários dos professores seriam ainda menores.

Crescimento do PIB não significa apenas mais do mesmo: significa, também, incorporar na vida do país novas coisas, as quais se tornam necessárias para as pessoas e para o funcionamento das várias atividades da sociedade. Por exemplo, computadores domésticos, telefones celulares, fotocopiadoras em escolas, tomografias e serviços como os do SAMU são algumas coisas que não existiam há vinte anos ou cujo uso e necessidade cresceram muito.

Essas coisas só foram incorporadas na vida das pessoas e das instituições na medida em que a renda das primeiras acompanhou o crescimento da renda per capita do país e os orçamentos públicos acompanharam pelo menos a variação do PIB. Caso estas duas coisas não tivessem acontecido – e rendas e orçamentos públicos tivessem acompanhado apenas a inflação –, escolas não teriam fotocopiadoras ou computadores, usuários do SUS não teriam acesso a exames ou cirurgias complexos, o piso da aposentadoria seria da ordem de R$ 400 e o teto, a metade do que é hoje.

Assim, a Proposta de Emenda Constitucional apresentada pelo governo federal, ao congelar as aplicações e os investimentos, que ele chama de gastos, fará com que tudo aquilo que depende de financiamento público fique cada vez mais distante do que a realidade econômica permite e exige.

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Será que, diferentemente do que o governo quer nos convencer, há outras possibilidades para acertar as contas públicas? A resposta é sim. A escolha feita pelo governo federal foi, claramente, política. A proposta a seguir, de uma PEC alternativa, ilustra outra possível solução (com algum nível de humor).

Art. 1 – A partir de já, a sonegação, que se apropria de cerca de 10% do PIB, alguma coisa perto dos 500 ou 600 bilhões de reais a cada ano, será reduzida, até desaparecer em um prazo de 20 anos.

Parágrafo único – Os praticantes da sonegação ficarão impedidos de usar bens e serviços públicos que tenham sido construídos ou sejam mantidos com recursos públicos, como, por exemplo, as universidades, o atendimento pelos bombeiros ou pelo SAMU. Sonegadores não poderão usar ruas, estradas, viadutos e aeroportos e ficarão proibidos de tirar passaportes e carteira de motorista e de apelar para o Poder Judiciário.

Art. 2 – A alíquota máxima de imposto de renda deverá ser duplicada, para se aproximar daquela praticada nos Estados Unidos da América, país tão idolatrado pela elite nacional (cerca de 40% federal e 13% estadual).

Art. 3 – A participação no lucro e os dividendos serão tributados da mesma forma que são tributadas as rendas dos trabalhadores.

Art. 4 – As alíquotas máximas dos impostos sobre doação e herança serão igualadas àquelas dos países capitalistas, inclusive os EUA, atingindo 40% para valores que excederem cem vezes a renda per capita nacional.

Art. 5 – O imposto sobre grandes fortunas terá uma alíquota máxima comparável àquelas encontradas nos países capitalistas organizados, que podem atingir cerca de 1% anual para patrimônios que excedam a cem ou duzentas vezes a renda per capita nacional.

Art. 6 – A partir de 2017, os gastos correntes com o pagamento da parte real da dívida pública não poderão exceder os valores do ano anterior corrigidos pela inflação.

A opção do governo foi outra

Uma opção como a ilustrada acima não apenas resolveria os problemas de caixa que o governo (sem votos) alega ter como geraria recursos suficientes para que fossem atingidos os 10% do PIB para a educação pública, para que os recursos da saúde pública fossem duplicados, para que os programas de inclusão social atingissem mais pessoas e para que os bolsões de atraso e pobreza desaparecessem em poucas décadas.

Mas a opção do governo federal foi jogar a conta para os aposentados e os pensionistas, os estudantes e professores, os usuários do SUS, os pobres, os moradores das regiões mais atrasadas do país etc. Ao fazer isso, ele preserva os sonegadores e mantém nossas alíquotas de impostos em valores que inviabilizariam qualquer país capitalista, seja ele rico ou pobre, industrializado ou não, mostrado de que lado está e quem são seus amigos e apoiadores.


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