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domingo, 29 de janeiro de 2017

O sumiço da Penicilina


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Diversos países sofreram com o desabastecimento do único medicamento capaz de tratar a sífilis congênita com eficácia

Fonte: Revista do Farmacêutico - AGO - SET - OUT / 2016 CRFSP (recebi por email de meu amigo Victor Luz)

Há quem diga que a sífilis é uma doença do passado, no entanto, ao contrário do que acontece no mundo, o Brasil tem enfrentado o aumento do número de casos. Em São Paulo, em seis anos, os índices aumentaram em 603%, de acordo com dados da Secretaria Estadual da Saúde. No fim de maio de 2015, os levantamentos nacionais já mostraram crescimento de 1.047% das notificações da doença entre grávidas e de 135% dos casos congênitos. 

O tratamento da doença seria barato e simples se não houvesse graves problemas na produção do único medicamento comprovadamente eficaz e existente há cerca de 70 anos: a penicilina. Em janeiro de 2016, um levantamento feito pelo Ministério da Saúde indicou que 60,7% dos estados brasileiros relataram falta de penicilina. A rede pública de saúde foi a maior afetada pelos baixos estoques da penicilina cristalina, utilizada para tratar sífilis congênita (transmitida da mãe infectada para o bebê) e da penicilina benzatina, comercialmente conhecida como Benzetacil®, que é o único medicamento que atravessa a barreira placentária e impede a transmissão da sífilis da gestante para o bebê. 

O desabastecimento foi global e a causa oficial, de acordo com o Ministério da Saúde, foi a falta de matéria-prima específica para a produção vinda da China. No entanto, um dos entraves apontados pelos pesquisadores é o baixo custo do medicamento, o que faz com que os laboratórios não invistam na produção do produto. A farmacêutica clínica Dra. Sandra Cristina Brassica, que atua na UTI Neonatal do Hospital Universitário da USP - Universidade de São Paulo (HU), teve grandes problemas durante o período em que a penicilina cristalina esteve em falta no mercado. “Otimizamos o uso dos frascos de benzilpenicilina potássica de uso intravenoso (penicilina cristalina) da melhor forma possível, priorizando-os para o atendimento dos neonatos com diagnóstico de neurossifilis. Fizemos vários empréstimos para a obtenção desse medicamento para garantir o tratamento a esses neonatos, o que nos tomou um tempo muito grande”. 

No Hospital Universitário, muitos recém-nascidos que possuíam acesso venoso e não necessitavam receber administrações de penicilina por via intramuscular, uma administração muito dolorosa, acabaram tendo de receber o medicamento por essa via. “Felizmente, não tivemos nenhuma reação local grave, como abcesso, nos pacientes que receberam administrações intramusculares. Além disso, devido à priorização do uso de benzilpenicilina potássica de uso intravenoso para os neonatos, muitos casos de pneumonias da comunidade em crianças foram tratados com antibiótico de espectro mais amplo, sem necessidade. A antibioticoterapia para tratamento de outras doenças, como leptospirose, também precisou ser substituída”, destaca a Dra. Sandra. 

A falta do medicamento fez com que o Ministério da Saúde, no final de 2015, recomendasse aos profissionais da rede pública, por meio de nota informativa, o uso exclusivo de penicilina G benzatina para gestantes com sífilis e da penicilina cristalina apenas para crianças com sífilis congênita nos hospitais. Como alternativas ao tratamento da sífilis primária, secundária, latente recente e tardia, foi indicada a doxiciclina (para não gestantes) e ceftriaxona (para gestantes e não gestantes). Para adultos com sífilis adquirida, pode ser utilizada a ceftriaxona ou doxaciclina; já para gestantes, na falta da penicilina, a única opção terapêutica é ceftriaxona. Em relação aos recém-nascidos, na falta total das penicilinas cristalina e procaína pode ser utilizado a ceftriaxona, com seguimento rigoroso para avaliar resposta terapêutica, de acordo com recomendações da pediatra Dra. Carmen Silvia Bruniera Domingues, da Coordenação das Ações para Eliminação da Transmissão Vertical do HIV e da Sífilis / Programa Estadual DST/Aids São Paulo. Segundo a Dra. Carmen Silvia, o abastecimento da penicilina benzatina já está normalizado no Brasil para os casos de sífilis adquirida e sífilis em gestantes. Em relação à penicilina cristalina, a aquisição pelos hospitais é feita diretamente com os fornecedores, e toda a rede já está avisada que o laboratório disponibilizou o produto no mercado. Já a dra. Sandra ressalta que há aproximadamente um mês o HU solicitou o empréstimo da penicilina a um hospital que ainda possuía o medicamento, já que há dois casos em tratamento.

Consequências

Caso a sífilis congênita seja tratada da forma adequada, a recuperação é completa. No entanto, se não tratada as consequências são sequelas ósseas, nos dentes ou neurológicas que não podem ser tratadasposteriormente, são irreversíveis, de acordo com a dra. Lilian Sadeck, vice-presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo. A médica ressaltou que, no Hospital das Clínicas, onde atua como neonatologista também foi feito um plano de contingência, com direcionamento da penicilina cristalina para crianças com suspeita ou com diagnóstico de sífilis congênita, deixando de utilizar em outros casos como sepse precoce.

Solução definitiva

Uma das propostas da Sociedade Brasileira de Infectologia para evitar que os hospitais fiquem descobertos seria utilizar os laboratórios farmacêuticos públicos para a produção de antibióticos de uso em doenças prevalentes e negligenciadas, para as quais sempre haverá demanda no âmbito do SUS e para as quais há poucas opções terapêuticas. Para a dra. Thais Guimarães, presidente da Sociedade Paulista de Infectologia, o medicamento é muito barato e o Brasil deveria ter a tecnologia e a matéria-prima para fabricação interna. Outro ponto é que nos últimos anos houve um relaxamento em relação à prevenção da sífilis, que pode ser evitada com o uso de preservativo nas relações sexuais.

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