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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Doria quer recuperar política fracassada de internação forçada de usuários de crack

“Há um brutal interesse econômico que sustenta esses programas”, afirma o psiquiatra Dartiu Xavier. Para ele, o modelo focado na abstinência é conhecido, caro e sabidamente ineficiente

por Luciano Velleda para a RBA 

A afirmação do prefeito João Doria (PSDB), na última terça-feira (7), de que irá retirar das ruas os usuários de crack que ficam na região da Luz, no centro de São Paulo, trouxe à tona a expectativa de um novo processo de internações involuntárias, prática já conhecida e sem resultados comprovados.

"Não vão ficar na rua. Eles receberão o tratamento clínico necessário, o atendimento social que devem ter", afirmou Doria, após participar de reunião do programa Redenção, que será posto em prática com os usuários de crack. "Ainda nesse primeiro semestre a ação será implementada, mas sempre com muito diálogo, de forma humanitária e, do ponto de vista medicinal, como recomendam as boas práticas não apenas que se realizam no Brasil, mas internacionalmente."

Para o psiquiatra Dartiu Xavier, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e referência no tema, as “boas práticas” citadas pelo prefeito não existem, nem no Brasil e tampouco no exterior. “É um retrocesso, um modelo conhecido e que já deu errado, um tratamento focado na abstinência, como se todo o problema da miséria humana fosse só causado pelas drogas”, afirma.

O professor da Unifesp enfatiza que a polarização entre os defensores do modelo de redução de danos e o da internação só existe por aqui. “Fora do Brasil não há polaridade. Um bom exemplo é o Canadá, onde o modelo é estatizado e ninguém lucra com ele. Então lá não há discussão, pois a internação é muito cara e sabidamente ineficiente.”

Dartiu Xavier é enfático ao destacar que a política das internações é sustentada por interesses econômicos e não científicos ou de saúde, considerando as evidências de pouca ou nenhuma eficácia desse modelo. Segundo o professor, tais interesses econômicos estão presentes inclusive no meio acadêmico, com nítido conflito ético em torno de pesquisadores e especialistas que são também donos de clínicas.

“Há um brutal interesse econômico que sustenta esses programas”, diz, se referindo aos recursos públicos dirigidos às comunidades terapêuticas, como acontece no programa Recomeço do governo do estado e está previsto se repetir no programa Redenção de João Doria. O professor da Unifesp pondera que os defensores das comunidades terapêuticas alegam que, sem elas, o Estado não teria condições de tratar os dependentes químicos, um argumento que, para ele, não é justificativa.

Em sentido oposto, Xavier Dartiu destaca que o programa De Braços Abertos, criado pelo ex-prefeito Fernando Haddad (PT) fundamentado no conceito de redução de danos, sem exigir abstinência dos beneficiários, é exatamente o que já deu certo em outros países. “Não foi nenhuma invenção do Haddad, apenas cópia de experiências bem sucedidas no exterior.”

Para o professor da Unifesp o discurso de Doria de que irá manter “as coisas boas” do De Braços Abertos equivaleria a um “Frankstein inviável, discurso político que não se sustenta”, diante da concepção oposta entre os dois modelos.

Dartiu Xavier comentou que muitas das pessoas que defendem o modelo da internação para tratar pessoas com uso abusivo de drogas, quando têm problema com seus próprios filhos, costumam procurá-lo, ainda que ele seja nacionalmente conhecido por defender o conceito de redução de danos há quase 30 anos. “Se defendem a internação, por que essas pessoas então me procuram para tratar dos seus filhos?”

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