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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Distribuição gratuita de remédios corre risco com fechamento de farmácias por Doria

Para professor de Medicina da USP, proposta pode dificultar o acesso aos medicamentos e a adesão ao tratamento, além de fragmentar políticas do SUS e trazer prejuízos aos cofres públicos

por Cida de Oliveira, da RBA
ARQUIVO/EBC
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Um dos principais questionamentos é sobre o controle e fiscalização das drogarias participantes: entrega ou venda de medicamentos?
São Paulo – A proposta do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), de desativar as farmácias existentes nas unidades básicas de saúde (UBSs) na capital e firmar parcerias com grandes redes comerciais do setor pode dificultar – em vez de facilitar – o acesso da população aos medicamentos gratuitos distribuídos pelo SUS. Com isso, a adesão ao tratamento seria fragilizada, colocando em risco o restabelecimento da saúde das pessoas que dependem da assistência farmacêutica. O alerta é do professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Fernando Aith, que coordena o Centro de Pesquisa de Direito Sanitário na mesma instituição.
"A gestão vende o projeto como se fosse uma medida para ampliaria o acesso – o que nesse caso poderia até ser bem vindo. As poucas informações disponíveis, porém, suscitam muitas dúvidas quanto ao controle e fiscalização da prestação de serviços por essas redes comerciais. Além disso, uma desativação das farmácias próprias, nas UBSs, fragmentaria a abordagem à saúde que acompanha o itinerário terapêutico do paciente", afirma Aith.
Inserida no âmbito do SUS, a assistência farmacêutica é dever do estado e direito da população, tendo assim de ser prestada em farmácias do sistema público. "É onde o cidadão é atendido. Tirar do sistema de saúde a execução da distribuição de medicamentos pode levar à disfuncionalidade, à desarticulação do atendimento. Por isso é algo que tem de ser pensado com parcimônia. Será benéfico ou prejudicial ao sistema público? Afinal, o setor privado visa lucro", destaca.
O problema, segundo destaca o professor, não está está no modelo dessas farmácias públicas, e sim na falta do medicamento. "Para corrigi-lo, a gestão municipal tem de comprar os remédios e fazê-los chegar ao posto de saúde, que está perto da casa dos usuários, do mesmo modo que deverá fazer para que o medicamento esteja na prateleira da rede privada."
Aith avalia como "demagógica" a proposta do prefeito e do secretário municipal da Saúde, Wilson Pollara, que até agora tem se reunido com empresários do setor sem no entanto esclarecer à população aspectos básicos do projeto. Entre eles, quais serão os critérios para escolha das farmácias participantes, como se dará o ressarcimento, a que preço e, principalmente, como será o controle sobre o armazenamento e nesses estabelecimentos em que há medicamento sendo vendidos e doados. "Há muito ruído ainda nessa proposta", diz o professor.
À reportagem  da RBA, a Secretaria Municipal da Saúde, por meio da assessoria de imprensa, informa apenas que a proposta ainda está em estudo. 
"Sem esses detalhes não consigo calcular o benefício público e nem quantificar os eventuais prejuízos que o SUS poderá ter com isso. Por enquanto é mais um discurso político, demagógico, do que uma proposta de política pública."
Segundo Aith, a introdução de uma nova modalidade de assistência farmacêutica – a distribuição gratuita de medicamento do SUS em drogarias comerciais requer regulamentação por decretos e portarias, detalhando como esse medicamento custeado pelo SUS passará por estabelecimentos privados antes de chegar às mãos da população. "Por enquanto, é cedo para dizer se o projeto desrespeita algum princípio da administração".

Doação

O coordenador Centro de Pesquisa de Direito Sanitário da Faculdade de Medicina da USP questiona também a doação de medicamentos por 12 laboratórios, conforme o prefeito João Doria anunciou semana passada.
"Em doação não há contrapartida. A única condição é o aceite de quem recebeu o que está sendo doado. Se há a expectativa de contrapartida não é doação, é negócio. E se é um negócio, precisa respeitar a lei, com a realização de licitação e seleção pública, em processos transparentes. Não pode ser assim", destaca.
"Doação é doação. Se houver contrapartida pública vai ter de ser muito bem explicação da impessoalidade, da melhor proposta e do interesse público que não me parece estar bem justificado. E doação do que, pra que?"
Para Fernando Aith, João Doria e Wilson Pollara dão um tratamento empresarial ao setor publico. "É como se fosse uma empresa privada. E é a cara do Doria fazer isso. Mas não é. Por isso, algumas dessas medidas vão começar a sofrer revezes", diz.
"Tudo me parece medida populista, demagógica, para fazer barulho e publicidade mas nem preocupação com aspectos práticos e eficiência da politica pública e a sua continuidade, que é o que importa."

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