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sábado, 8 de julho de 2017

Será que nunca vamos deixar de ser o país da 'ambulancioterapia'?


Além da falta de acesso, da desorganização e das falcatruas no mundo da saúde, uma situação que me dá muita tristeza é quando vejo bons programas do SUS serem interrompidos.

Foi o que aconteceu nesta segunda (3) quando soube do encerramento do TelessaúdeRS, um programa que buscava melhorar o atendimento básico no SUS via 0800.

Por meio dele, médicos e enfermeiros das UBS (Unidades Básicas de Saúde) de todo o país falavam diretamente com especialistas, tirando dúvidas e recebendo orientações.

Com isso, foi possível reduzir a necessidade de outras consultas e, consequentemente, diminuir as filas de espera do sempre sobrecarregado SUS.

O programa era financiado com verbas federal (via Secretaria de Atenção Básica do Ministério da Saúde) e estadual. O convênio com o governo federal terminou no início do ano e não foi renovado. O Rio Grande do Sul continua com os aportes, então, o telessaúde continuará atendendo apenas os profissionais de saúde gaúchos.

Nesta segunda (3), o Facebook do site do telessaúde tinha várias manifestações de pesar de muitos profissionais da saúde. "Tempos atrás ouvi de um médico estrangeiro, em atuação na atenção primária brasileira, a seguinte declaração: 'o telessaudeRS é a melhor coisa do Brasil'", disse uma médica.

Iniciado em 2013, o programa tinha sua sede dentro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Começou como projeto de pesquisa vinculado à Faculdade de Medicina e serviu como piloto para o Ministério da Saúde.

Até o ano passado, possuía cerca de 150 profissionais e fazia cerca de 2.000 teleconsultorias gratuitas por mês em todo o país. A cada três casos discutidos na teleconsultoria, em dois se evitava a ida a um especialista.

O profissional podia resolver, por exemplo, a dúvida sobre dosagem de insulina para um paciente sem que ele precisasse entrar em uma lista de espera.

Com isso, o paciente voltava para casa com o problema resolvido, não precisando, muitas vezes, se deslocar para outra cidade e ficar outras filas de espera.


Os médicos especialistas ficavam com casos que, realmente, não têm como ser resolvidos na atenção básica.
 É claro que as filas por especialistas não acabaram do dia para a noite, mas essa prática demonstrou que ser um caminho para se reduzir a espera e imprimir mais resolutividade à atenção primária.

O programa tem outra linha de ação, o RegulaSUS, em parceria com a Secretaria Estadual da Saúde do Estado. A lista de consultas com especialistas marcadas no interior para a capital é analisada e, dependendo do caso, o TelessaúdeRS-UFRGS liga para o médico que encaminhou o paciente e discute a situação.

Em janeiro de 2015, havia cerca de 171 mil consultas marcadas com especialistas na capital. Ano passado, o número caiu para 61 mil. Pesquisa realizada com médicos da rede mostrou índice de satisfação de 97% entre aqueles que utilizaram o serviço

E por que um programa com tantas qualidades, aplaudido no exterior e bem conceituado entre os que utilizaram, tem suas atividades suspensas? Vamos esperar o que o Ministério da Saúde tem a dizer sobre isso. Quem quiser se manifestar, pode também entrar em contato com a Ouvidoria do SUS/MS pelo telefone 136.

A prioridade número um de um sistema de saúde como o SUS é a organização e a qualificação da atenção primária. Mas o que se avizinha são retrocessos em todo o país, como esse do Telessaúde, além de um esvaziamento cada vez maior de equipes do ESF (Estratégia de Saúde da Família), um sucateamento das unidades de saúde e um desabastecimento de remédios.

Enquanto isso, nossos gestores em saúde ainda parecem mais preocupados em abrir pequenos hospitais não resolutivos (mas que ainda rendem votos) e comprar ambulâncias para despachar o paciente a um ambulatório ou hospital-referência mais próximo. A sensação que dá é que nunca vamos deixar de ser o país "ambulancioterapia".

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