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quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Depois de tantos anos de esforços para reduzir a mortalidade maternoinfantil e organizar o maior programa de vacinações gratuitas do mundo, estamos ladeira abaixo.

A mortalidade infantil cresce. Aumenta também a mortalidade materna


A desnutrição crônica deixa cicatrizes em diversos mecanismos biológicos ligados ao desenvolvimento

por Drauzio Varella na Carta Capital

Pela primeira vez, em 26 anos, a mortalidade infantil cresceu no ano de 2016 e, provavelmente, terá aumentado outra vez em 2017 (dados ainda indisponíveis).

A taxa de mortalidade infantil é calculada pelo número de mortes até 1 ano de idade em cada 1.000 nascidos vivos. Representa uma medida indireta do desenvolvimento de um país. Japão, Suécia, Noruega, Cingapura e Finlândia têm taxas abaixo de 3. Em Serra Leoa, Guiné-Bissau, Somália e Afeganistão elas são maiores que 100.

No Brasil de 1960, em cada 1.000 nascimentos, morriam no primeiro ano de vida 124 bebês. Em 2016, a taxa foi de 14, número 5% mais alto do que o do ano anterior. O aumento da mortalidade foi documentado em 20 estados.

Os dados parciais mostram que, em 2017, os números não serão melhores. Por exemplo, a taxa de desnutrição crônica nas crianças de até 5 anos foi de 13,1% ante 12,5% em 2015.

A desnutrição crônica deixa cicatrizes em diversos mecanismos biológicos ligados ao desenvolvimento. A sequela mais temível ocorre na formação de conexões entre os neurônios cerebrais, causando deficiências arquiteturais capazes de causar rebaixamento do QI.

Depois de ouvir vários especialistas, as jornalistas Cláudia Collucci e Marina Merlo atribuíram o declínio do índice ao desemprego, à queda da renda familiar, à epidemia de zika e ao corte de verbas na Saúde.

Para piorar, em 2016, houve aumento da mortalidade materna, índice que considera qualquer morte durante a gravidez, parto ou até 42 dias depois dele, desde que decorrente de causa relacionada ou agravada pela gestação.

A taxa de mortalidade materna (número de mortes para cada 100 mil nascidos vivos) já vinha mal: aumentou em 2013, caiu em 2015, para voltar a subir em 2016.

Enquanto nos países nórdicos, Itália e Japão as taxas não ultrapassam 4 mortes maternas para cada 100 mil nascidos vivos, no Norte do Brasil atingem 84, no Nordeste 78, no Sudeste 55 e no Sul 44.

Esses números são vergonhosos, porque estamos falando de mortes evitáveis em mais de 90% dos casos: hipertensão arterial, sangramentos uterinos, infecções e abortos provocados.

Não podemos esquecer que, em 21% dos partos realizados pelo SUS, a mãe tem de 11 a 20 anos, faixa etária em que aumenta a incidência de gestações de risco. Até o programa de imunizações brasileiro mostra uma piora dos índices nos últimos anos.

Embora as razões sejam múltiplas: descaso, ignorância, falta de motivação provocada pela queda na incidência das doenças que a vacinação previne, o desemprego e o empobrecimento geral da população nos últimos anos contribuem para afastar as famílias dos serviços de saúde.

Aumento da mortalidade materna, infantil e diminuição da adesão ao programa de vacinações são reflexos da nossa dificuldade crônica para organizar a atenção primária e financiar o SUS de modo razoável. Uma crise econômica grave como a atual torna esse quadro mais assustador.

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