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quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Vidas em Jogo - artigo Alexandre Padilha*

reproduzido na página da Maria Fro no Facebook (publicado originalmente na FSP - só para assinantes)

Senhor presidente eleito Jair Bolsonaro, a eleição acabou. Reconhecemos e desejamos sorte ao seu governo. Ele impactará a vida de todos, sobretudo dos que mais sofrem, concordem ou não com suas crenças.

O senhor, quando deputado, votou contra o Mais Médicos e o questionou no STF; logo, todos estavam ansiosos sobre o que iria fazer. Eleito, nenhuma proposta formal foi apresentada. Ao contrário, manteve o discurso de deputado, como na tribuna no dia 8 de agosto de 2013, quando desqualificou a formação dos médicos e criticou o direito de eles trazerem as famílias, pela lei do Mais Médicos.

Desde então, o programa foi aprovado pelo Congresso Nacional, pelo STF, pelo TCU, pela OMS e, posteriormente, pelo governo Temer, que o senhor ajudou a assumir e sustentar.

Após reiteradas agressões aos seus médicos e nenhuma proposta concreta, Cuba retirou-se. Imaginemos se fosse o Brasil: um país sob bloqueio com profissionais em missões internacionais em cerca de 70 países. Um presidente eleito reitera desqualificação aos nossos profissionais. O que pediriam a nossa sociedade, imprensa, universidades e familiares? Para a imensa maioria dos países, palavras valem na política externa.

Nestes cinco anos, mais de 20 mil médicos cubanos especialistas em medicina da família atenderam os brasileiros. Só vieram depois que editais sucessivos não preencheram áreas mais vulneráveis.

Pesquisas de universidades e da OMS atestam: ampliaram o atendimento, reduziram a mortalidade infantil e a internação por doenças crônicas. Hoje, apenas eles estão em mais de 1.700 cidades e 75% das áreas indígenas. Aos que ainda questionam a qualidade desses médicos especialistas, apenas uma curiosidade: quantos deles estão nas listas de erro médico em todo o país?

Ah, e a remuneração polêmica? Ela é dividida em quatro partes: a) ao médico no país, b) à previdência do médico e sua família, c) ao Sistema de Saúde Cubano d) para custear missões como combater o ebola na África. Não é igual à dos demais médicos do programa, assim como não é igual o emprego permanente dos cubanos com empresa no seu país, em cooperação pela Opas, enquanto os demais são bolsistas temporários do governo brasileiro. Acabou a bolsa, estão sem remuneração e previdência. Tampouco é igual o Imposto de Renda na Europa e Israel, com saúde e educação públicas, comparado ao do Brasil.

Tal polêmica foi criada mais com a preocupação de criticar Cuba do que com os custos de não atender 60 milhões de brasileiros.

Em ação estruturante do Mais Médicos, a partir de 2019, parte da residência médica brasileira seria em unidades básicas. Isso ampliaria a formação dos nossos especialistas e superaria a dependência dos cubanos. Infelizmente, o governo Temer congelou esta e outras estruturantes, como o debate de uma carreira interfederativa para os profissionais do SUS. Aviso, vamos retomá-las.
E agora, senhor presidente eleito? O senhor teria a humildade de renegociar com Cuba uma transição, como pedem prefeitos? Vai autorizar, como permite o Mais Médicos, que estados e municípios façam convênio com a Opas, ressarcindo-os?

Nós temos excelentes brasileiros especialistas em medicina da família, mas, somados, não chegam a 8.500. Perderemos em quantidade e qualidade.

Senhor presidente eleito, suas declarações já quase significaram perdas no comércio exterior. Agora impactam a saúde dos mais vulneráveis. 

É melhor já ir se acostumando: o senhor é presidente eleito, não mais animador de redes.

*Alexandre Padilha - deputado federal eleito por São Paulo,  foi ministro da Saúde

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