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domingo, 7 de dezembro de 2008

Carta Capital: A história de Cirillo

Leandro Fortes

Os funcionários do Supremo Tribunal Federal assistiram a uma manifestação de fúria do presidente da casa, Gilmar Mendes. A tarde da terça-feira 2 mal havia começado e as agências de notícias e os sites na internet começavam a noticiar a decisão do juiz Fausto De Sanctis, que condenou o banqueiro Daniel Dantas a dez anos de prisão. Não foi a condenação em si a provocar a ira de Mendes, mesmo se sabendo que o ministro transformou o caso Dantas em uma diatribe pelos direitos individuais contra o aterrador “Estado policial”. O ponto era a menção, na sentença do magistrado de primeira instância, de uma informação até então desconhecida por ele e pelo distinto público. “Agora pego esse cara”, afirmou, segundo relatos narrados à CartaCapital. O cara é De Sanctis.

À informação. Na página 281 da sentença há o registro de que, entre 4 de junho e 7 de julho, Hugo Chicaroni, condenado a sete anos de prisão por tentar corromper o delegado federal Victor Hugo Ferreira, ligou nove vezes para o telefone do coronel da reserva do Exército Sérgio de Souza Cirillo. A dupla pertencia aos quadros da mesma empresa, o Instituto Sagres, especializada, de acordo com o próprio site, em política e gestão estratégica aplicada. É de Chicaroni a jurisprudência, firmada em conversa gravada pela PF, de que Dantas usufrui de “facilidades” nos tribunais superiores do Brasil. Cirillo havia sido contratado por Mendes, 23 dias depois de deflagrada a Operação Satiagraha, para montar um núcleo de inteligência no STF. A investigação rastreou a troca de telefonemas a pedido da defesa de Chicaroni, que solicitou a quebra do sigilo à Justiça.

Ao tomar conhecimento do fato, Mendes declarou-se “surpreso” e solicitou uma investigação ao Ministério Público para saber se o coronel tem relações com Dantas. Cirillo disse à CartaCapital que nas nove vezes em que falou com Chicaroni tratou da impressão de cartões de visita do colega de trabalho. “Ele foi quem mais distribuiu cartões do Sagres, agora isso nos preocupa”, reflete Cirillo.

A entrada do coronel nesta história torna o episódio da Satiagraha, deflagrada em 8 de julho, e seus desdobramentos ainda mais intricados. Cirillo é um personagem capaz de colocar o presidente STF em uma saia-justa. O militar pode confirmar que foi no gabinete da presidência do tribunal que um repórter da revista Veja teve acesso a um relatório sigiloso do setor de inteligência sobre a possibilidade de ter havido escuta ambiental na Alta Corte. Apesar de inconclusivo, o tal relatório motivou uma reportagem de capa da revista, virou tema de debate nacional e serviu como elemento da tese do “Estado policial”, mais tarde reforçada pelo vazamento de um diálogo entre Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).

Sabe-se, até o momento, que a Polícia Federal não encontrou nenhum vestígio da existência do tal grampo, mas o episódio provocou uma leve crise institucional. Mendes atribuiu o grampo até hoje não comprovado à Agência Brasileira de Inteligência e chamou o presidente Lula “às falas”. O Planalto, sob pressão, afastou o delegado Paulo Lacerda da direção da Abin.

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