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sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O médico e a formação profissional

“Tem sido tudo o homem neste planeta. Tem adotado na sua longa trajetória pela Terra as mais variadas profissões. Tem sido médico, advogado, músico, professor, pintor etc. O de que mais se tem esquecido é de ser profissional da mais elementar profissão: a profissão de homem, simples e humanamente homem”. A frase, escrita pelo professor Milton Carneiro em 1934, serve como ponto de partida para uma reflexão sobre a formação médica.

Não há profissional de quem se deva exigir maior moralidade do que o médico. A edificação da moralidade de cada um é, também, o melhor caminho de fazer surgir o “eu” interior. Receber determinada informação apenas nos dá conhecimento do assunto. Para que sejamos educados, é preciso que tenhamos oportunidade de interiorizar a informação e incorporá-la aos princípios que já temos para que, assim, possamos utilizá-la em nossa prática profissional. Os princípios são incorporados no lar, com a família, com as pessoas que nos rodeiam, com aquisição de cultura, com exemplos, com vivência.

Toda a fase de formação profissional, etapa de aprendizado das competências e habilidades, deve incluir a educação sobre o exercício profissional, desde antes do início dos estágios práticos.

Ao completarmos a formação, fazemos um juramento, que significa nossa adesão e comprometimento com a categoria profissional onde formalmente ingressamos. Isto caracteriza o aspecto moral da ética profissional, esta adesão voluntária a um conjunto de regras estabelecidas como sendo as mais adequadas para o seu exercício.

É preciso salientar que há uma série de atitudes que não estão descritas nos códigos de todas as profissões, mas que são comuns a todas as atividades que uma pessoa pode exercer.

A humildade intelectual é um traço indispensável no caráter do médico. Não devemos nos envergonhar de corrigir os erros e mudar de opinião, pois não devemos nos envergonhar de raciocinar e aprender. Aprender é o que faremos o resto de nossas vidas. Aprenderemos a boa técnica, aprenderemos as relações humanas. Seremos competentes quando utilizarmos a ciência com ética, respeitando as particularidades de cada individuo.

A aceitação do profissional no ambiente onde deseja trabalhar depende de sua postura e de seu comprometimento com as pessoas. A inclusão, o respeito e, principalmente, o prestígio por parte dos colegas e da comunidade são conquistas que só chegam por meio do tempo. E, mais do que competência, é necessária muita sensibilidade.

Caridade e amor ao próximo são qualidades inerentes às boas pessoas e, por conseguinte, ao bom médico. São virtudes inatas. Somos aquinhoados com maiores ou menores porções delas, mas é certo que estes valores também podem ser aprendidos e aprimorados. O amor do qual se espera estar o bom médico investido deve ser autêntico e espontâneo. Deve privilegiar o próximo com ações que expressem solidariedade e generosidade.

A profissão que escolhemos é baseada em relacionamento. Vamos nos relacionar com pacientes e familiares, com outros profissionais médicos e profissionais com outros saberes. A medicina tem acumulado conhecimentos, produzindo inovações e afastando, sempre mais, o ser humano da doença, distanciando-o da morte. Vamos trabalhar com pessoas. É com pessoas que iremos aprender. Ao respeitarmos as pessoas devemos preservar sua dignidade e proteger sua fragilidade.

Isto requer estudo e treinamento. O fortalecimento da pessoa que somos deve ser diário; precisamos nos conscientizar de nossa cidadania. Devemos contribuir com o saber adquirido para que a sociedade seja construída com sólidos alicerces para manutenção da justiça, da paz e da vida. Afinal, o alvo de toda atenção do médico é a saúde do ser humano e seu bem-estar

Ao buscarmos o aprimoramento podemos nos defrontar com o erro. Ao aprendermos com nossos erros, alcançamos a sabedoria. O encontro com a sabedoria é um caminho que deve ser percorrido com paciência e perseverança. Quem deseja percorrer um caminho longo tem que aprender que a primeira lição é superar as decepções do início.

O profissional que queremos formar é o profissional que a sociedade precisa. Seus valores, comportamento, postura e comprometimento devem ser debatidos também no contexto social. Precisamos refletir sobre os valores atuais da sociedade e qual o perfil profissional necessário para atender suas necessidades.

Miguel Ibraim Abboud Hanna Sobrinho é presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná e professor do Departamento de Clínica Médica da UFPR.

Comentário: Não me surpreendi ao ler o artigo do Dr Miguel. Como sempre, foi elegante, ponderado e preciso em suas opiniões. Diante da exploração sensacionalista do episódio dos Baderneiros de Londrina (insisto no apelido), cabe uma reflexão mais profunda: que tipo de profissional estamos formando em nossas escolas?
Paulo Freire insistia em que não deve haver separação entre o Homem e o Profissional. A essência deve ser a mesma. E, mais do que a essência, o COMPROMISSO.
Os "meninos" de Londrina foram infelizes, inoportunos, inadequados, preconceituosos (e outros adjetivos mais) em sua "travessura" inaceitável.
A resposta da Reitoria da UEL foi dura e imediata.
Esperemos que seja dura e imediata a inadiável reflexão que se exige da comunidade acadêmica da UEL sobre as SUAS proprias responsabilidades no episódio.

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