Retratos do Brasil
Foto: Isabela Lyrio/UnB Agência
O cartaz que faz às vezes de parede revela que aquela não é uma favela qualquer. Nele está escrito: Brasil de Ciências, V Colóquio de Comunicação de Cultura. “Peguei isso na universidade”, diz o proprietário, um dos quase cem moradores de um endereço miserável que impressiona mais pelo simbolismo da vizinhança do que pelo carestia do lugar.
São seis dezenas de barracas espremidas entre três templos do saber da capital do Brasil: a Universidade de Brasília, a faculdade Iesb e a escola Paulo Freire. “Não sei o que é Ciência. Não conheço as letras”, envergonha-se Andressa de Morais, 8 anos de idade, matriculada na primeira série de um colégio público.
Andressa carrega para a aula apenas um lápis, uma borracha e uma imensa vontade de aprender. “Daí vou poder ler as placas para minha mãe e para minha avó. Elas são analfabetas”, explica a garota que de manhã trabalha sem idade para a labuta, a tarde estuda sem uniforme e a noite dorme sem colchão.
“A gente dorme no papelão e vai ao banheiro ali do outro lado da rua, no mato”, lamenta a mãe da menina, Adriana Morais Luna, três filhos, três pais diferentes. “Nenhum assumiu”, lamenta a mulher que mora sozinha com as crianças. Só a mais velha está na escola. Os outros dois menores, um de 6 e uma de dois, passam o dia com a mãe e com a avó.
Todos sobrevivem de catar garrafa pet. O caminhão recolhe uma vez por mês. “Dá R$40. Vou me virando”, diz a avó, dona Luzilene de Morais, 44 anos, oito filhos. A viração de dona Luzilene e sua família inclui as crianças. “Trabalho só de manhã. Cato garrafa para ajudar a minha mãe. Não acho bom viver assim. Tenho medo”, confessa Andressa.
Seu medo maior é SOS, um abrigo governamental. “Eles já vieram aqui várias vezes e levaram a gente. Lá tem um monte de menino que bate na gente e faz maldade. Maldade é coisa ruim. É estuprar, pegar, maltratar. Minha mãe não maltrata”, explica Andressa.
Ela já sabe escrever o nome. “Mas não completo. Quando crescer vou ser diretora de escola. Acho que vai ser o maior presente para minha mãe”, sonha a garota.
PS: A propósito, hoje é aniversário de 25 anos da mãe de Andressa. “Eu não quero presente. Queria só que alguém olhasse para gente. Desse um emprego, alguma coisa. Mas hoje até para varrer rua tem que ter estudo. Essas escolas aqui do lado não são para mim. São para quem já sabe tudo”, desaba a aniversariante.
A história de Andressa é a terceira de uma série de reportagens sobre crianças condenadas desde o berço a viver ao lado. Ao lado do campus. Ao lado dos palácios. Nunca dentro deles. Também a cada 15 dias professores da Universidade de Brasília escrevem no Blog de Noblat sobre educação, meio ambiente, segurança pública, saúde e política externa.
Ana Beatriz Magno é repórter, mãe de dois filhos, cobre temas relacionados à infância e ganhou importantes prêmios jornalísticos – Embratel, Rei da Espanha, Herzog, Libero Badaró. Em dezembro de 2008, ela conquistou com o fotógrafo José Varella o Premio Esso de Reportagem pelo trabalho Brinquedos dos Anjos. Bia é secretária-executiva de comunicação da Universidade de Brasília.
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