Agressão doméstica ainda é desafio e motivo de debate neste Dia Internacional da Mulher
Violência contra 30% das brasileiras
O Brasil é apontado pela Organização Mundial da Saúde como um dos países que mais têm dificuldade de garantir os direitos da mulher, sendo comparado a nações do continente africano e asiático. Apenas países da Europa são classificados como seguros para a mulher. De acordo com o estudo, cerca de 30% das brasileiras já sofreram violência física. Outro dado alarmante apresentado pelo 180 da Secretaria Especial de Políticas Para as Mulheres é que 65% delas sofrem agressões diariamente. Na maior parte dos casos, o agressor é o cônjuge e a violência ocorre dentro de casa. (PC)
Esse foi o caso de Ana (nome fictício), hoje com 23 anos. Há quatro anos ela foi agredida pelo namorado após descobrir uma traição. Eles fariam uma viagem para a praia e ela estava organizando as malas. Pedro (nome fictício) saiu com o carro e foi visto por uma amiga de Ana com outra mulher. Ela cancelou a viagem e foi embora. O rapaz foi até a casa dela com um amigo, disse que queria conversar, mas a agrediu com um soco na boca. As cenas seguintes foram de horror. Ele a arrastou para dentro da casa, colocou-a embaixo do chuveiro e bateu com sua cabeça nos azulejos. Depois a levou para o quarto e deu chutes e socos no seu rim para que não pudesse gritar. Fazia tudo isso chorando. “Ele dizia que me amava e que iria me matar por amor. Minha única atitude era rezar, nem chorar mais eu conseguia”, conta Ana.
A agressão acabou quando os pais dela chegaram em casa. Ainda assim, Pedro mentia dizendo que a namorada tinha se machucado no carro. O pai dela foi relutante em fazer a denúncia, só passou a incentivar depois que a filha foi levada ao hospital e o médico constatou a gravidade da situação. No dia seguinte, enquanto fazia a denúncia na Delegacia da Mulher, Ana continuou recebendo ameaças de morte. Pedro só parou de procurá- la em junho do ano passado. Como a Lei Maria da Penha ainda não havia sido promulgada, ele teve apenas de prestar serviço comunitário e não teve maiores problemas com a Justiça porque era réu primário.
Pedro foi o primeiro namorado de Ana. “Foi e ainda é muito difícil, ele era meu primeiro amor. A gente constrói planos e demora para aceitar que tudo acabou.”
Depois da agressão, ela entrou em depressão e não conseguia mais sair de casa. A alternativa para a recuperação veio de amigos que sugeriram que ela começasse a fazer artes marciais. “Passei a frequentar aulas de boxe e muay thai. Sabia que isso não seria a solução, mas me ajudou a sentir mais segurança.” Ana nunca mais conseguiu ter um relacionamento fixo com alguém. “Quando começa a ficar sério, encontro defeitos na pessoa e fujo. O problema é que a agressão te traumatiza.”
Narrativas como a de Ana são ouvidas todos os dias pela promotora Claudia Cristina Rodrigues Martins. Apesar de o número de inquéritos ter saltado de 1.956 em 2007 para mais de 5.000 somente em 2008, Claudia diz que o porcentual de mulheres que denunciam a violência ainda é baixo. Pesquisa realizada pelo Ibope no ano passado mostrou que 42% dos entrevistados afirmam que as mulheres que sofrem violência não procuram ajuda. A promotora afirma que a dificuldade em denunciar ocorre porque o casal tem uma vida íntima, e a mulher se sente culpada.
Aplicação eficaz da lei esbarra no machismo
Especialistas em direito da mulher afirmam que a Lei Maria da Penha trouxe avanços para a questão da violência, mas ainda falta implementá-la de maneira mais eficaz. A execução da lei, segundo eles, esbarra principalmente na visão ainda machista do poder judiciário. “O Brasil passou muito tempo trabalhando a questão da violência somente na dimensão da segurança pública, com a construção de delegacias, ignorando a complexidade desse fato”, afirma Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão, organização não-governamental que trabalha com direitos femininos. “A recente lei trabalha com atendimento social, psicológico e orientação jurídica. Além de trabalhar com a prevenção e com homens agressores”.
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