:: A igreja condena a criança duas vezes: pelo estupro e pelo aborto. Essa é a igreja de Ratzinger, que volta à idade da inquisição ::
Semanalmente escrevo um artigo, em geral nos domingos à noite. Em boa parte das vezes, chego para escrever sem ter uma idéia clara em mente. Sento-me à frente do computador, penso e escrevo.
Esta semana foi diferente. Pensei sobre vários temas. Alguns já estão velhos, mas entendia que era necessário abordá-los, como, por exemplo, a violência perpetrada pelo Estado de Israel contra o povo palestino.
Em outro momento, pensei: vou falar da volta por cima de Renan Calheiros e Fernando Collor de Melo. Volta por cima de todos nós, brasileiros, bem entendido. Dizem que, numa conversa reservada, Sarney afirmou que Renan "gosta de ter um porrete nas mãos na hora de conversar com o Palácio do Planalto".
Creio que ele deve usar esse porrete contra todos. No caso, usou para ressuscitar Collor. Lembram que Renan foi líder do Collor quando este foi presidente da República? São amigos de longa data.
Em outro momento, ensaiei: vou escrever sobre a mulher, afinal o último domingo foi o dia internacional da mulher. Escreveria sobre a opressão, exploração, machismo e todo tipo de violência contra a mulher.
Mas quando chega quarta-feira (4/3) e Dom José Cardoso Sobrinho, bispo de Olinda e Recife, provavelmente com um rosário na mão, excomunga a equipe médica, as ONGs feministas e a mãe de uma criança de 9 anos violentada e posteriormente submetida a um aborto, caí de joelhos e perguntei a Deus: por que o bispo não excomungou o criminoso estuprador?
De porrete nas mãos, Renan e Collor dão lições de ética e moral no Senado da República. Dom José Cardoso, de rosário na mão, excomunga os que salvam vidas e perdoa um criminoso estuprador de crianças. Com esse ato, obriga-me a fazer uma pergunta: O que será que ele pensa dos padres pedófilos?
Até minha idosa mãe, cristã e católica fervorosa, não aceitou a posição do bispo. Censurando o bispo, ela disse o óbvio: "Mas a menina poderia morrer". Sim, poderia morrer. É uma criança de 9 anos, pesando não mais que 33 quilos, com 1,33 metros de altura. Nessa idade, ainda não tem os órgão formados, não estão prontos para suportar uma gravidez, muito menos de gêmeos.
Conforme informações veiculadas pela imprensa, o médico que a atendeu declarou, logo após o procedimento, que a menina estava "consciente, conversando e sempre brincando". Dom Cardoso, o senhor ouviu ou leu isso? A criança estava bem, conversando "e sempre brincando". Sim, brincando.
Já não é brincadeira o que vem fazendo a Arquidiocese de Olinda e Recife. A imprensa informou que o advogado Márcio Miranda, que a representa, entraria com denúncia de homicídio contra a mãe da criança. E quanto ao estuprador, senhor advogado, nenhuma condenação?
Nas trevas da ditadura militar havia poucas luzes. Uma delas com sua chama sempre acesa era a da Diocese de Olinda e Recife, representada por Dom Helder Câmara. Neste ano comemora-se inclusive o centenário de seu nascimento. Em uma ocasião, Dom Helder afirmou que "quando os problemas se tornam absurdos, os desafios se tornam apaixonantes".
É absurdo o que ocorreu, por mais de três anos, com essa criança. Ela foi estuprada e violentada —física e psicologicamente. Portanto, é dentro da lei (a legislação brasileira permite o aborto nesses casos), da compreensão e da paixão humana que o caso deve ser tratado.
Faltou a dom Cardoso a paixão, o amor e o perdão típicos do cristianismo. Pior, ao não excomungar o estuprador, dom Cardoso sustenta que o aborto é pior do que estupro. Esquece também o bispo que o Estado brasileiro é laico. Também esquece que nem todos professam o mesmo credo.
Com essa postura, a igreja condena a criança duas vezes: pelo estupro e pelo aborto. Essa é a igreja do cardeal Ratzinger, a igreja que volta à idade da inquisição. Que pena ver a igreja abandonar a opção preferencial pelos pobres e violentados.
Chegamos ao fim da semana com políticos de "rosário" nas mãos, jurando inocência e pregando a ética, e um bispo com "porrete", a massacrar os que não pensam como ele.
Dr. Rosinha, médico pediatra, deputado federal (PT-PR)
e vice-presidente do Parlamento do Mercosul.
www.drrosinha.com.br
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