O sistema de pagador único precisa ser debatido
Amy Goodman na Agência Carta Maior
Obama prometeu implementar uma reforma do sistema de saúde, mas descartou o sistema de pagador único, que reduz os custos administrativos e os lucros que as empresas privadas agregam à prestação de serviços de saúde. Defensores deste sistema são boicotados na mídia dos EUA.
O presidente Barack Obama prometeu implementar uma reforma do sistema de saúde, mas descartou a opção do sistema de pagador único. Um sistema de “pagador único” implica retirar do meio as companhias seguradoras privadas: o governo paga a cobertura mas a prestação dos serviços médicos segue sendo inteiramente privada. As pessoas seguiriam escolhendo o médico com quem desejassem se tratar e iriam ao hospital de sua preferência. Com um sistema de pagador único se reduzem os custos administrativos e se eliminam os lucros que as companhias seguradoras agregam à prestação de serviços de saúde. Contudo, as soluções do tipo das de pagador único quase não aparecem no debate.
A organização Justiça e Precisão na Informação (FAIR, em sua sigla em inglês), que promove a diversidade e a equidade da informação nos meios de comunicação, acaba de publicar um estudo que revela que das centenas de notícias sobre o tema publicadas nos principais jornais ou transmitidas pelas redes de televisão na semana anterior à reunião de saúde de Obama “só cinco dentre esses incluíram opiniões de defensores do sistema de pagador único – e nenhuma delas foi transmitida pela televisão”. A maioria das colunas de opinião que se referiam ao sistema de pagador único foram escritas por pessoas que lhes são contrárias.
O Congresso está estudando o projeto de lei de “Atenção médica ampliada e melhorada para todos”, introduzido pela resolução n. 676 da Câmara de Deputados, que foi proposta por John Conyers, democrata representante do estado de Michigan, com o respaldo de outros 64 legisladores. Porém, ainda que na na reunião do Congressional Black Caucus, que reúne os legisladores afroamericanos, Conyers tenha expressado a Obama seu interesse em participar da reunião da Casa Branca sobre a saúde, o convite tardou a chegar. O mesmo se passou com os demais defensores do sistema de cobertura de saúde de único pagador.
Conyers tinha solicitado ir acompanhado da Dra. Marcia Angell, a primeira mulher a ocupar o cargo de editora-chefe do New England Journal of Medicine, a revista médica de mais prestígio no país, e do Dr. Quentin Young. Young é talvez o defensor mais destacado do sistema de pagador único nos Estados Unidos. Foi o médico do Reverendo Martin Luther King Jr, quando ele vivia em Chicago. Com King as “consultas a domicílio, que normalmente me levavam 15 minutos, estendiam-se a 3 horas”, contou-me.
Mas Young chegou a conhecer ainda mais Barack Obama, mesmo que não tenha sido ele, mas seu sócio que era seu médico. Young foi vizinho, amigo e aliado durante décadas. “Obama apoiava o sistema de saúde de pagador único, fazia discursos em sua defesa”, disse-me.
No fim de semana passado, centenas de pessoas – entre as quais se encontrava o governador do Illinois e três deputados – se reuniram para prestar homenagem a este médico de 85 anos de idade. No entanto, qual foi a resposta da Casa Branca ao pedido de Conyers de incluir Young na reunião [sobre saúde]? Um rotundo “não”. Quem sabe porque Obama sabe em primeira mão o quão convincente e compromissado é Young.
Depois de muitos protestos finalmente Conyers foi convidado. Grupos ativistas, como a organização Médicos por um Programa Nacional de Saúde (PNHP, na sigla em inglês) expressaram sua indignação com o fato de que dentre os 120 participantes da reunião não havia nenhum outro defensor do sistema de pagador único. A Casa Branca finalmente cedeu e convidou o Dr. Oliver Fein, presidente da PNHP. Duas pessoas de um total de 120.
Excluídos do debate e silenciados pelos meios de comunicação, os defensores do sistema de pagador único estão se mobilizando. Russell Mokhiber, que edita e escreve para o Corporate Crime Reporter, decidiu que chegou a hora de atacar diretamente o problema da deterioração do nosso sistema de saúde. Estão se preparando para assistir à reunião nacional da American Health Insurance Plans, a Associação dos Planos de Seguro de Saúde dos Estados Unidos, onde se reunirão outros num ato de protesto em que queimarão suas faturas do plano de saúde. Mokhiber me disse: “As companhias seguradoras não podem ser parte do sistema de atenção à saúde dos estadunidenses. Como podemos vencer essa gente? Temos de dar início a uma confrontação direta”. Com o lançamento de uma nova organização, Single Payer Action , Mokhiber e outros defensores do sistema de pagador único prometem enfrentar os executivos da indústria de seguros de saúde, os grupos de pressão e diretamente os legisladores, tanto em Washington DC como em seus estados.
Está se formando uma massa crítica de respaldo ao sistema de pagador único. Desde o prêmio nobel de economia, Joseph Stiglitz – que me disse: que ainda que tenha sido contrário a aceitá-lo, terminou chegando à conclusão de que é a única alternativa possível – até os próprios provedores de assistência médica, que são testemunhos e vítimas diretas do fracasso do atual sistema. Geri Jenkins uma das 150 000 integrantes do recém formado Comitê Organizativo de Enfermeiras e Enfermeiros dos Estados Unidos me disse: “É a única proposta de reforma do sistema de atenção à saúde que pode funcionar... Hoje estamos pedindo um debate honesto e sério sobre políticas, porque no longo prazo vamos ganhar... as seguradoras de saúde vão cair com o peso de sua própria irrelevância”.
Agora o Dr. Young está convidado para uma reunião no Senado pelos “suspeitos de sempre” - as seguradoras de saúde, as grandes companhias farmacêuticas – e também alguns defensores da reforma do sistema de saúde. Perguntei a Young qual a sua opinião sobre as declarações da Casa Branca e do principal Senador vinculado ao assunto, Max Baucus, de que “o sistema de pagador único está fora do debate”. “É indignante”, me respondeu. “Estamos muito enojados”. Mas isso não os desalenta... (Mas o Dr. Young não se desanima). Pedi sua opinião sobre a proposta de mobilização que chama a população para queimar suas faturas de planos de saúde. “Creio que a coisa está de tal maneira que arde”, disse, rindo. “Quando vejo esses tipos de atos, que não partem de uma iniciativa nossa, me dou conta de que já se transformou num movimento”.
Amy Goodman é apresentadora de "Democracy Now!" um noticiário internacional diário, nos EUA, de uma hora de duração que emite para mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em 200 emissoras em Espanhol. Em 2008 foi distinguida com o "Right Livelihood Award" também conhecido como o "Premio Nobel Alternativo", outorgado no Parlamento Sueco em Dezembro.
Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna, publicada em 11 de março de 2009 no Democracy Now.
Tradução: Katarina Peixoto
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