Marcelo Gigliotti, Jornal do Brasil
RIO - A distribuição do antiviral oseltamivir (Tamiflu) contra a gripe suína tem sido cercada de controvérsia. Para alguns especialistas, o remédio deveria estar liberado para venda em farmácias e mais facilmente acessível à população nas unidades de saúde. Porém, para conseguir o medicamento, o paciente tem que seguir alguns ritos considerados burocráticos pelos críticos. Já para outros especialistas, o controle na liberação do antiviral é positivo e visa a preservar os estoques, evita a corrida às farmácias e promove uma distribuição mais equânime e gratuita entre a população.
Um dos infectologistas mais críticos da política do Ministério da Saúde, o médico da UFRJ Edimilson Migowski chegou a afirmar que o elevado número de mortes no país – oficialmente 192 – se deve, em grande parte, a problemas nas distribuição do antiviral:
– A letalidade da gripe no Brasil é muito superior à da Inglaterra, onde aconteceram quase 100 mil casos e poucas pessoas morreram. O Chile também distribui a medicação livremente e o índice de mortes é mais baixo que no Brasil.
Por outro lado, o especialista em infectologista da USP Eliseu Alves Waldman diz que o Ministério da Saúde está certo na política de fazer a distribuição dos medicamentos por meio das redes públicas estaduais e municipais.
– Temos que garantir que os estoques sejam usados com critério. É possível, porém, que não tenhamos conseguido muita rapidez na distribuição do medicamento em alguns casos. Mas, pelo menos em São Paulo, onde acompanho de perto o processo, há um esforço de descentralizar e facilitar a distribuição – diz.
Errar para mais
O presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Carlos Starling fica no meio do caminho entre Migowski e Waldman.
– O controle foi positivo para não provocar uma corrida às farmácias. Mas há o efeito colateral de o indivíduo não ter acesso ao remédio e vir a ter complicações – comenta o médico mineiro.
Ele se refere ao fato de que o antiviral deve ser tomado em até 48 após surgirem os primeiros sintomas da doença.
– Uma política restritiva demais pode provocar problemas. Por isso, às vezes é preferível errar para mais. Ou seja, facilitar ao máximo o acesso ao antiviral – diz Starling.
De acordo com Starling, uma das razões da restrição ao acesso pode ser o baixo volume, no seu entender, dos estoques de antiviral disponíveis no Brasil.
– Talvez, por isso, o Ministério venha liberando o remédio em conta-gotas – ilustra.
David Uip, diretor-geral do Hospital Emílio Ribas de São Paulo, diz que a política de distribuição está adequada.
– Hoje qualquer médico da rede pública e privada receita o medicamento por meio de um prontuário simples, com ficha disponível na internet. Em São Paulo, estamos com mais de 200 postos com o medicamento, basta uma receita para recebê-lo gratuitamente. Acho que a política está adequada. Imagine se fosse o contrário: com uma receita seria possível comprar na farmácia. E quem não tem condição de comprar? Então, acredito que estão democratizadas a indicação e a disponibilização do remédio – diz Uip.
O presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, Jorge Darze, diz que há muita burocracia para o paciente conseguir o antiviral no Rio de Janeiro, onde o medicamento tem que ser recolhido em quartéis do Corpo de Bombeiros. Antes disso, o paciente tem que obter a receita com médico público ou privado. E o profissional deve preencher um formulário especial para liberação do remédio. Segundo ele, quartéis não são os melhores locais para distribuição de remédios.
– O antiviral deveria estar disponível nos hospitais particulares e públicos, além de postos de saúde e UPAs. No quartel, o cidadão tem que se identificar, vejo nisso uma militarização da saúde – comenta.
Outro aspecto criticado por Darze é o fato de os médicos terem que preencher formulários especiais, além das receitas.
– Isto não está previsto na regulamentação das receitas médicas. É totalmente fora dos padrões.
Segundo ele, o médico pode se sentir intimidado e não receitar o antiviral.
– Um dos itens do formulário diz que o médico deve se responsibilizar pelo acompanhamento do paciente. Mas, se ele é um plantonista, como vai acompanhar um caso do começo ao fim? Como ele vai se responsabilizar? Isto foi feito para intimidar os médicos.
A questão da distribuição dos antivirais foi parar na Justiça. O defensor público da União André Ordacgy, entrou com uma ação contra a União, além do estado e da prefeitura do Rio de Janeiro para que o antiviral estivesse disponível em toda a rede pública e privada e ainda nas farmácias.
– E mais, ele deve estar disponível não só para casos graves, mas para os que os médicos julgarem necessários. A liberação não significa que se vá prescindir da receita. O que não pode é o governo ter estocado todo o medicamento. Isto é um controle total sobre a sociedade – argumenta.
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