Sempre que entramos em agosto, há estranhos pressentimentos. É mês preferido pelos demônios históricos, tanto no Sul, quanto no Norte do mundo. Agosto, antes de Augusto, era apenas o sextilis, o sexto mês no calendário de então, e se seguia ao quintilis, a que César, em sua própria homenagem, dera o nome de Julius. Otaviano, que o sucedeu com o nome de César Augusto, não fez por menos: deu seu nome de imperador ao mês seguinte.
Se há, de acordo com o bardo, coisas entre o céu e a terra acima do entendimento de nossa vã filosofia, a ocorrência de crises políticas dramáticas em agosto é uma delas. Poderíamos buscar na História dezenas de exemplos, mas não há espaço senão para os mais recentes. A Primeira Guerra Mundial começou com a entrada da Alemanha no conflito entre a Áustria e a Sérvia, em 1º de agosto de 1914. Na última noite de agosto de 1939, Hitler decidiu invadir a Polônia na madrugada seguinte, iniciando a Segunda Guerra Mundial, a mais sangrenta de todas conhecidas. Ontem, 6 de agosto, fez 64 anos que Hiroxima foi arrasada pela bomba atômica norte-americana.
Em 5 de agosto de 1954, em episódio ainda não de todo desvendado, um major da Força Aérea foi assassinado quando protegia o jornalista Carlos Lacerda. Depois de décadas, a verdade começou a aflorar, com as revelações do assassino confesso de Vaz (Mataram o presidente, memórias do pistoleiro que mudou a História do Brasil), de Alcino Nascimento, e pelas investigações realizadas pelos jornalistas Ronaldo Conde de Aguiar, Palmério Dória e Hamilton de Almeida Filho e pelo historiador Joel Rufino dos Santos (A vitória na derrota – A morte de Getúlio Vargas). Alcino Nascimento fora incumbido de seguir Lacerda e registrar os seus passos. Surpreendido pelo major, que procurou imobilizá-lo, sacou sua arma e o matou, com dois tiros no peito. Um terceiro tiro atingira o major nas costas, ninguém sabe de que arma: o corpo não foi necropsiado, nem o revólver que Lacerda portava examinado pela polícia. Os grandes jornais e os militares não queriam a verdade, queriam a cabeça de Getúlio que, 19 dias mais tarde, disparou um tiro contra o coração.
Em 1961, também em agosto, o presidente Jânio Quadros, sob o fogo cerrado do mesmo Lacerda, aproveitou o dia 25, Dia do Soldado, em homenagem a Caxias, para tentar golpe de Estado, frustrado pelas circunstâncias. Mais uma vez estivemos à beira de conflito sangrento. Felizmente, o bom senso acabou prevalecendo, e a habilidade de Tancredo conseguiu, com o efêmero sistema parlamentarista, amenizar a crise. Em março de 1964, os mesmos interesses assaltaram o Estado, com a ditadura que durou mais de duas décadas.
O senador José Sarney está diante de decisão que, qualquer que venha a ser, não o ajudará. Ele cometeu o erro de ouvir as sereias, que o levaram a candidatar-se à presidência do Senado, e se encontra agora no estreito de Messina, sujeito a jogar a embarcação contra os rochedos de Charybdes, em uma das margens, ou ser devorado pelo monstro quimérico de Scyllas, na outra. O problema maior das crises políticas é que elas oferecem oportunidades para os ousados, que insistem em agravá-las, a fim de movê-las em favor de seus próprios projetos. Mas – tal como nas guerras – se sabemos como elas se iniciam, nunca é possível prever como acabam. Dizia Nabuco que, sem os exaltados, é impossível fazer revoluções (ou dar golpes de Estado, podemos acrescentar), mas com eles não se pode governar. Quando se turvam as águas, é possível pescar bagres ariscos, mas é também provável que as serpentes aquáticas se espantem e, saltando à superfície, ataquem o pescador.
No plano externo, começam a esmaecer as ilusões com o presidente Obama. Seu principal assessor de segurança nacional, general Jim Jones, reafirmou, no Brasil, que seu país não recuará do projeto de ocupar as bases militares na Colômbia. Ao mesmo tempo, a senhora Hillary Clinton anuncia a disposição de intervir no Chifre da África, contra a Eritreia, em favor do governo da Somália. Com o declínio da popularidade do presidente norte-americano, essas notícias mostram que a manivela do projetor do filme da História está sendo movida para trás. Ele foi eleito para sair das guerras, diminuir suas bases militares no mundo, resolver a crise econômica e recuperar o prestígio dos Estados Unidos, mas o establishment se articula para o transformar no terceiro Bush. Que setembro nos salve deste agosto.
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