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domingo, 11 de outubro de 2009

Trevisan: Violetas e Pavões

Autor paranaense lança antologia de histórias inéditas e mostra, a cada frase elíptica, por que é um dos gigantes da literatura brasileira

Irinêo Baptista Netto na GP

Desconfie de quem critica Dalton Trevisan dizendo que ele “faz sempre a mesma coisa”. Nos textos em que alguns enxergam repetição, outros veem as características de um escritor único na literatura brasileira (ao menos entre os vivos). Quem mais no país tem marcas tão pessoais que uma frase formada por dois sinais gráficos (“– ?”) basta para atestar sua autenticidade? Um legítimo dalton trevisan é inconfundível.

As elipses do contista curitibano, de 84 anos, levaram a “teoria do iceberg”, de Ernest Hemingway, a um extremo visitado por poucos. Para o autor americano de O Velho e o Mar, o importante num conto é apenas sugerido pela pequena parte vísivel dele – como a ponta de uma geleira.

Parte das 22 histórias inéditas de Violetas e Pavões, novo livro de Trevisan publicado pela Record, sua editora há mais de três décadas, são de uma brevidade atordoante. As frases não têm pontuação, são curtas – às vezes, muito curtas – e ocupam um parágrafo cada. É como se não tivessem fim nem começo: “tudo foi culpa da mulher/ ficando em casa nada acontecia/ bem na noite do cursinho dela; agora com a mania de aula/ antes cuidasse do maridinho na noite dessa desgraça”.

Quem vê a coloquialidade do texto “A Culpada”, ou de qualquer outro conto da antologia, pode achar simples transcrever para o papel o modo de falar de um ex-viciado em crack, ou de uma senhora mãe de um garoto perseguido pelo tráfico. A simplicidade é só aparente.

Outro que transcreve o modo de falar das ruas, o americano Ri­­chard Price, do romance Vida Va­­dia, explica que as pessoas não costumam completar frases, usam gírias demais e são muito repetitivas. Criar diálogos “fiéis” ao linguajar dos enjeitados tornaria o texto ilegível. É preciso criar mecanismos que consigam reproduzi-lo e, de quebra, fazer literatura.

É assim que funciona, em “Cachaça e Pamonha”, de Trevisan: “Tudo ia bem. Daí o meu assassino ganha condicional. E me rouba a única riqueza do pobre, que é você dormir em paz”.

Price tem amigos no submundo nova-iorquino e passa um bocado de tempo ao lado deles. Quanto ao paranaense, se pode apenas supor que tenha informantes, sejam eles jornais sangrentos ou vendedores de loteria.

Violetas e Pavões tem também contos que são aulas de anatomia feminina e falam de sexo – descrevendo inclusive cenas bem quentes – usando metáforas a maior parte do tempo e quase ne­­nhuma palavra chula. Pense no que pode significar “colmeia de vespas laboriosas”, “dunas movediças”, ou “cravo rosáceo violeta”...

As sacanagens descritas só se tornam pornográficas no último se­­gundo. A intensidade vivida pe­­los personagens é experimentada pelo leitor, que é preparado “em fo­­go brando”, numa referência a ou­­tra cena, até alcançar as frases em que ação é escancarada e as me­­tá­­foras, deixadas de lado.

Não faltam referências a Curitiba – os pavões do título estão no passeio público e o lendário Tiki-bar ainda existe na ficção – e a outros escritores. Trevisan usa, por exemplo, J.D. Salinger, o americano recluso que escreveu Apanhador no Campo de Centeio. O conto “Lábios Vermelhos de Paixão” cita a frase de Salinger sobre o som “de uma única mão que bate palmas”, dando a ela um significado sexual – e genial.

Serviço

Violetas e Pavões, de Dalton Trevisan. Record, 128 págs., R$ 32,90.

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