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domingo, 29 de novembro de 2009

Qualidade de vida de irmão saudável é pior que a do doente

Por causa da atenção dedicada pelos pais a quem está com problemas de saúde, irmãos saudáveis podem apresentar carência afetiva, revolta, sentimentos de culpa e ciúmes

Jennifer Koppe na Gazeta do Povo

Toda a família adoece junto com o paciente com câncer. Quando o paciente é uma criança, o problema é ainda pior e os irmãos costumam ser os que mais sofrem com as mudanças de rotina impostas pela doença. A conclusão é de uma pesquisa realizada pelo Hos­­pital A.C. Camargo, de São Paulo, especializado em oncologia, que revela que crianças saudáveis têm pior qualidade de vida que os seus irmãos com câncer.


Participaram do estudo 100 crianças com idade entre 6 e 12 anos – 50 pacientes com câncer e 50 irmãos – que responderam a um questionário baseado em um instrumento de avaliação de qualidade de vida chamado AUQEI.

Entre as 50 crianças doentes, apenas 12 apresentaram pontuação de qualidade de vida abaixo do ponto de corte sugerido. Já em relação aos 50 irmãos, 35 apresentaram pontuação inferior ao ponto de corte, indicando qualidade de vida prejudicada.

De acordo com a coordenadora de pós-graduação em Enfermagem do Hospital A.C. Camargo, Andréa Kurashima, o problema é comum não só com famílias que precisam lidar com o câncer, mas também com aquelas que precisam enfrentar outras doenças crônicas como autismo, epilepsia, síndrome de Down e esquizofrenia. “Com uma doença tão grave como o câncer, é comum que, num primeiro mo­­mento, a atenção tanto da família quanto da equipe se volte para a criança ou adolescente doente. Por isso, é importante que os irmãos recebam, de acordo com a sua fase de desenvolvimento, informação sincera e verdadeira sobre a doença, sobre o estado do irmão e que elas também recebam acompanhamento psicológico”, explica.

Conflito

Segundo a orientadora do estudo, a doença do irmão faz com que as crianças saudáveis coloquem a vida delas em segundo plano e projetem os seus fatores de satisfação e insatisfação de acordo com a forma como observam o tratamento do irmão doente. Entre os casos observados pela autora da pesquisa, a aluna de Enfermagem Beatriz Marques da Cunha, estava o de um irmão que achava que tinha causado o câncer da irmã, pois, anos antes do diagnóstico, seu carrinho de fricção ba­­teu exatamente na perna onde o tumor apareceu. Outro irmão, to­­da vez que se machucava, pedia para ser levado ao hospital para também receber tratamento e atenção. Segundo os pesquisadores, as crianças saudáveis apresentam, com frequência, problemas na escola, carência afetiva, introspecção, revolta, raiva, sentimentos de culpa em relação à doença e, principalmente, ciúmes.

Como explica a psicóloga do Hospital Pequeno Príncipe Marisley Paludo, medo, vergonha e preocupação também são sentimentos que afligem as crianças, em especial as menores. “As mais novas fantasiam muito sobre o que está acontecendo com o irmão no hospital. Isso porque, depois da internação, quase sempre os pacientes voltam para casa debilitados, magros, sem cabelos, o que causa muito estranhamento por parte delas. Outras apresentam comportamentos regressivos, voltam a fazer xixi na cama, por exemplo, para chamar a atenção dos pais”, conta a especialista. “As crianças que moram em outras cidades, e acabam ficando semanas longe dos pais, sofrem ainda mais por causa da distância. Em muitos casos, essas crianças precisam de tratamento clínico para superar essa fase”, completa.

Superação

A pequena Talita Harumy Fuji­­mori, de 7 anos, passou mais de um mês morando com a tia em Paranavaí, após a irmã Taína, 15, ser diagnosticada com um linfoma e vir a Curitiba receber tratamento no Hospital Pequeno Príncipe. “Nunca tínhamos nos separado antes. Ela ficou muito doentinha, com febre, dor de barriga. Minha irmã teve de levá-la ao médico várias vezes”, conta a mãe Francisca, 42.

Ela conta que na primeira vez que a família voltou para casa, Talita não falava com ninguém e se assustou muito com a aparência da irmã mais velha. “Foi uma fase muito difícil. Nos consultamos com a psicóloga do hospital que recomendou que um de nós voltasse para ficar com ela. O meu marido agora fica com ela em Paranavaí e eu e a Taína voltamos a cada 15 ou 20 dias”, conta.

Hoje o problema foi superado, graças a muito diálogo e carinho da família. Talita tornou-se uma das maiores companheiras da irmã. “Antes da doença, brigávamos o tempo todo, agora estamos nos dando muito melhor. Além disso, ela só come o que eu posso comer. Aprendeu a comer frutas, verduras e a beber água de coco e deixou de comer frituras e doces só para me apoiar”, conta Taína, que continua em tratamento.

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