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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Estudo sobre aids é questionado


Agencia Estado

SÃO PAULO - A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) detectou, pela segunda vez em um prazo de quatro anos, irregularidades em estudos do laboratório Abbott que envolviam usuários do medicamento Kaletra. O remédio é destinado a portadores do HIV, vírus causador da aids. A pesquisa ocorreu sem o aval da Conep, que tem a função de verificar se estudos clínicos com seres humanos são seguros para os pacientes. Segundo resolução de 1996 do Conselho Nacional de Saúde, todas as pesquisas feitas no Brasil com a cooperação estrangeira devem passar pela comissão. A Abbott é uma multinacional.

"O trabalho (submetido à Conep em 2002) foi devolvido por falta de documentos e não foi reapresentado, então concluímos que teriam desistido", disse a presidente da Conep, Gyselle Tannous. Mas, no ano passado, após apuração do Departamento de Auditoria do SUS (Denasus) e questionamentos do Ministério Público Federal, a comissão descobriu que o estudo havia continuado, sem aval. As apurações revelaram que o trabalho da Abbott envolvia dez centros no País, entre eles o Hospital Universitário Graffree Guinle, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), onde foi verificada in loco a irregularidade.

O Kaletra é uma droga de primeira linha, utilizada como opção inicial. Em 2005, a Conep já havia suspendido outro estudo da Abbott com o medicamento, alegando que a empresa também não o teria submetido à avaliação.

Naquele mesmo ano de 2005, o Denasus saiu a campo para apurar in loco denúncia anônima de que ocorria no hospital Graffree Guinle um estudo clínico clandestino, que não visava a acrescentar conhecimento científico, mas apenas estimular o uso de uma nova droga e garantir boa remuneração aos médicos participantes. Um médico do local confirmou ao Denasus a existência do estudo e disse que a unidade teria recebido R$ 163,5 mil para executá-lo, via uma associação. O profissional disse também que não teria contrato formal e que o trabalho não previa que a farmacêutica fornecesse remédios. Até a data da auditoria, 152 pacientes tinham sido incluídos na pesquisa do hospital. 

A equipe de auditoria do SUS, que classificou a denúncia como "procedente", apontou que os gastos do Ministério da Saúde com o fornecimento da droga ao hospital aumentaram ao longo do estudo, saltando de R$ 78,12 mil para R$ 1 milhão em 2005. E encaminhou, em 2007, questionamentos ao departamento de aids e hepatites do ministério. A área de aids, apesar de classificar a evolução de gastos com o remédio como normal - alegando que o Kaletra substituiu outras drogas como escolha inicial do tratamento -, criticou o uso de remédios comprados pelo SUS. Naquela época, o departamento de aids considerava que o trabalho havia sido aprovado pela Conep.

O caso seguiu então do Denasus para o Ministério Público Federal, que no ano passado resolveu verificar se a pesquisa era regular e consultou a Conep. Questionada, a comissão revelou então que o trabalho não tinha aval. "Estamos avaliando as providências cabíveis", disse o procurador Daniel Prazeres. Já a Conep pretende fazer uma inspeção do comitê de ética do hospital. "Queremos saber como ele se comportou", afirma a presidente da Conep.

COMENTÁRIO: Esta postagem deveria ser lida a todos os membros do MP e do Judiciário. É muito didática no sentido de desnudar as relações comerciais de laboratórios com profissionais de saúde (neste caso inclusive dentro de um hospital público). 

Os laboratórios, em sua estratégia de mercado, fazem de tudo para inflar as vendas de seus produtos. Desbravaram a via das "ações judiciais", intituiram 'lobies' para colocar medicamentos e produtos na rotina (e na tabela) do SUS e cooptam profissionais de saúde desde os bancos da academia.

Neste verdadeiro "vale-tudo", cabe até mesmo ignorar restrições de ordem bioética da Conep

Tudo dentro do mais puro e daninho espírito do "livre-mercado-que-se-auto-regula".

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