Gazeta do Povo
Impedir que 4 milhões de pessoas venham a morrer em acidentes de trânsito nos próximos dez anos. Este é o objetivo da ONU ao declarar o período de 2011 a 2020 como a primeira “Década de Ação pela Segurança no Trânsito”. A intenção é alertar os governos nacionais para o problema e levá-los a se comprometer com uma meta de redução global das mortes no trânsito. O número é ousado, mas uma receita com cinco itens básicos pode garantir o sucesso da empreitada.
A diminuição de 50% até 2020 implica uma taxa de redução de 6,7% a cada ano. No final da década, seriam 3,95 milhões de vidas poupadas da violência no trânsito. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 1,3 milhão de pessoas morrem no trânsito a cada ano. Acidentes são a segunda maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos.
O objetivo é viável, garantem especialistas da área. Países como o Japão e a Espanha conseguiram reduzir drasticamente o número de mortes no trânsito ao adotarem um modelo que envolve a articulação de diversos setores da sociedade. Esse modelo, defendido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), pode ser sintetizado em cinco pontos: a criação de uma agência governamental para tratar especificamente da violência no trânsito; adoção de padrões rigorosos de segurança dos veículos; investimento em infraestrutura; mudança de comportamento da população; e um melhor atendimento após o acidente. Essas propostas estão sendo discutidas no seminário Viver Seguro no Trânsito, que começou ontem em Curitiba.
O Brasil começa essa luta na lanterna. Segundo a OMS, 91% das mortes no trânsito acontecem em países de baixa e média renda. Nesses países, vivem 85% da população mundial, mas estão apenas 48% dos veículos. Dos dez países com as mais altas taxas de mortalidade no trânsito, nove estão nesse grupo. Entre eles China, Índia, Rússia e Brasil. Aqui, 19 pessoas morrem no trânsito por ano para cada 100 mil habitantes, segundo o Ministério da Saúde. Acidentes de trânsito são a segunda maior causa de morte não natural, atrás de homicídios. Em 2008, foram 36,7 mil óbitos no país.
Além do custo humano, os acidentes representam um prejuízo de R$ 28,2 bilhões por ano, segundo estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). Para especialistas, os países mais pobres estão passando por uma situação que os ricos enfrentaram na década de 60: uma explosão no número de veículos desacompanhada das medidas que poderiam conter um crescimento proporcional nos acidentes. “O Brasil não precisava passar por isso tendo em vista a experiência de outros países, que levaram um tempo para adaptar sua legislação, intensificar a fiscalização e investir em educação para o trânsito. Feito isso, as taxas começaram a cair”, receita o presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos, Ailton Brasiliense.
Prevenção
Leis rigorosas, aplicadas e difundidas são o caminho para mudar o comportamento da população no trânsito, avalia. Esse é o principal objetivo do projeto R10, que a OMS irá propor aos 10 países de média e baixa renda com trânsito mais violento. A ideia é disponibilizar o conhecimento técnico da organização para que os governos articulem campanhas de prevenção, como um primeiro passo para a adoção do modelo completo da OMS. A proposta será apresentada aos ministérios da Saúde e dos Trans portes até o fim dessa semana.
A parceria chega em um momento oportuno, quando o Ministério da Saúde está preocupado com o aumento dos acidentes em cidades pequenas. Nos últimos 20 anos, a taxa de mortalidade em cidades com mais de 500 mil habitantes caiu de 27 para 21, enquanto nas com me nos de 100 mil, subiu de 17 para 21 para cada 100 mil habitantes. O cenário é reflexo do aumento da frota no interior. O governo brasileiro ainda não se comprometeu com uma meta, mas o diretor de Análise de Situação do Ministério da Saúde, Otaliba Libânio, crê que uma redução de 50% até 2020 é viável. “Nosso objetivo será aumentar o efeito da lei seca. Vimos que ela tem um impacto profundo, se levada a sério”, adianta.
Exemplos não faltam. O Japão foi de uma taxa de 22 mortes no trânsito para cada 100 mil habitantes, nos anos 60, para 5 mortes, 20 anos depois. A Espanha conseguiu controlar uma escalada vertiginosa das mortes em acidentes nos anos 90 depois que transformou sua Direção-Geral de Tráfego (DGT) de um mero emissor de licenças em um órgão para o combate à violência no trânsito. O DGT é famoso por suas campanhas agressivas e derrubou para menos da metade o número de mortos – de 9 mil para 3,5 mil.
Observatório
Além de discutir propostas para o combate à violência no trânsito, o seminário Viver Seguro no Trânsito deve terminar com a criação do Observatório de Trânsito do Paraná, iniciativa que envolve ONGs, entidades do setor de automóveis e seguros e órgão públicos. O observatório irá produzir estudos e análises de experiências bem sucedidas para subsidiar a criação de políticas públicas nos municípios do estado.
Memorial para lembrar as vítimas
Foi inaugurado ontem no Parque Barigui, em Curitiba, o Memorial das Vítimas de Trânsito. O monumento – formado por cinco morros, um pequeno lago com peixes, emoldurado por pedras, uma cascata artificial e uma placa – foi construído pela Confederação Nacional das Seguradoras e pela Federação Nacional dos Corretores de Seguros e doado ao município. O memorial tem a intenção de homenagear todas as pessoas que morrem nas ruas de Curitiba a cada ano.
Receita
Segundo a Organização Mundial da Saúde, há cinco passos básicos para reduzir a mortalidade no trânsito em qualquer lugar no mundo. Como eles podem salvar 4 milhões de vidas em dez anos, vale a pena ver quais são:
1 - Criação de uma agência governamental única para tratar especificamente da violência no trânsito. Centralizar as ações melhora a gestão, segundo a OMS.
2 - Adoção de padrões rigorosos de segurança dos veículos, que devem ser fiscalizados também rigorosamente pelos governos.
3 - Investimento em infraestrutura, tanto de vias de trânsito quanto de hospitais.
4 - Mudança de comportamento da população (redução de velocidade; fim da mistura álcool e direção; eliminação da falta de capacete; uso do cinto de segurança; uso de equipamentos de segurança para crianças).
5 - Melhor atendimento de socorro após o acidente, para evitar que erros compliquem os traumas causados pela colisão.
Meta modesta pode atrapalhar
O cubano radicado no Brasil Diego Gonzales será a ponta de lança da OMS no combate à mortalidade no trânsito no Brasil. Coordenador da Unidade Técnica de Desenvolvimento Sustentável e Saúde Ambiental da Organização Pan-Americana da Saúde, entidade filiada à OMS, ele reconhece as dificuldades características dos países com média e baixa renda para lidar com a questão, mas é perseverante: “se você colocar metas modestas, o esforço é menor também”.
Veja a seguir trechos da entrevista exclusiva concedida a Gazeta do Povo:
Por que a mortalidade dos acidentes é tão maior nos países em desenvolvimento?
Se nós observarmos essa estatística, podemos nos dar conta de que não é nesses países que se concentra a maior porcentagem de carros. Lamentavelmente os países de baixa e média renda não têm bons programas de vigilância dos acidentes de trânsito. É nisso que temos que trabalhar. Há algumas diferenças entre eles e os países mais desenvolvidos, que têm programas de vigilância e de controle, não só de acidentes de trânsito, mas de todas as doenças. Nesses países, se tem trabalhado muito a explosão veicular com bons programas de vigilância e fiscalização. Eu acho que por isso temos que trabalhar esses cinco fatores de risco: velocidade, álcool, falta de capacete, do cinto de segurança e de equipamentos de segurança para crianças. Provavelmente nesses países esses fatores de risco se manifestam menos do que nos países menos desenvolvidos. Mas temos também os outros pontos do modelo, que não dizem respeito ao comportamento. É uma somatória de tudo. A infraestrutura, por exemplo, é bastante decisiva. É preciso um trabalho de adequação rua a rua para torná-las seguras.
Reduzir a mortalidade pela metade em dez anos é uma meta bem ousada. É possível?
Eu acho que a visão tem que ser ambiciosa. Se você coloca metas modestas, o esforço é menor também. Vamos acompanhar, no decorrer do tempo, para ver como isso se comporta. Ainda não temos nenhum precedente nos países em que atuamos. Mas estamos trabalhando para poder apresentá-los.
Qual é o principal programa da OMS para atingir este objetivo?
São necessárias ações drásticas, ambiciosas, com poder de realmente diminuir as mortes até o ano de 2020. O R10 é um projeto importante, mas não diria que é o carro-chefe. O carro-chefe será o trabalho que será feito em cada país, envolvendo todas as instituições, tanto nacionais como regionais. O R10 é um projeto no qual vamos trabalhar com uma aliança de colaboradores internacionais e os governos para, inicialmente, combater três fatores dos cinco fatores de risco para acidentes. Ainda vamos definir como será no Brasil. Os outros países serão observadores, para ver quais são os frutos, quais são os êxitos do projeto e, se for o caso, adotá-los.
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