A situação é quase sempre a mesma: o período de chuvas mais intensas traz consigo os primeiros casos de dengue no país. Não demora muito, a doença sai do esquecimento e volta às manchetes dos jornais. Vai haver nova epidemia?; as autoridades estarão preparadas para enfrentá-la?; que investimentos foram feitos para orientar a população e prevenir a doença?, indagam repórteres e formadores de opinião. Rapidamente, um fluxo desordenado de informações entra no ar, consequência da nem sempre harmoniosa relação entre imprensa, especialistas e poder público — especialmente, quando o assunto é dengue.
Os questionamentos acerca da responsabilidade pelo problema, as recomendações preventivas, os boletins epidemiológicos, bem como as cenas de hospitais lotados e os registros de morte são vozes de um conflito informativo que nem sempre ajuda a população a se proteger da contaminação com o vírus transmitido pelo Aedes aegypti. Muita informação que gera pouca comunicação.
Os questionamentos acerca da responsabilidade pelo problema, as recomendações preventivas, os boletins epidemiológicos, bem como as cenas de hospitais lotados e os registros de morte são vozes de um conflito informativo que nem sempre ajuda a população a se proteger da contaminação com o vírus transmitido pelo Aedes aegypti. Muita informação que gera pouca comunicação.
Informativos nem sempre ajudam a população a se proteger da contaminação pelo o vírus transmitido pelo mosquito Aedes aegypti |
Diante desse embate midiático, Radis ouviu gestores, especialistas e jornalistas, que analisaram o atual quadro da dengue no país, opinaram sobre possíveis caminhos que levem à sintonia entre informação e prevenção e deram dicas de como a comunicação pode favorecer o combate à dengue e, por conseguinte, contribuir para a manutenção da saúde.
O quadro atual
Para analisar 2010, é preciso voltar ao início de novembro de 2009, quando o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, lançou, em Recife, a Caravana contra a Dengue, campanha que percorreu 10 mil quilômetros em nove estados com ações de conscientização e mobilização. A escolha da capital pernambucana deveu-se ao fato de o estado ter reduzido em 86% o número de casos, em comparação a 2008, e não ter registrado naquele ano mortes causadas pela doença. O quadro geral, por sinal, apontava tendência decrescente, com exceção de seis estados que tiveram aumento expressivo do número de casos — Acre (745%) e Mato Grosso (237%), liderando a lista, além de Mato Grosso do Sul, Bahia, Espírito Santo e Amapá.
No início de fevereiro de 2010, novo relatório divulgado pelo Ministério da Saúde reforçava a tendência geral decrescente: entre 2008 e 2009, registrou-se queda de 34,2% no número de casos, e redução nas formas graves e nas mortes causadas pela doença. Os números indicavam 529.237 notificações, em 2009, ante as 803.522 de 2008. Os índices mais positivos foram registrados no Rio de Janeiro (redução em 95,7% dos casos), Rio Grande do Norte (91,4%) e Sergipe (89,6%). O relatório apontava, porém, aumento em Rondônia, Acre, Amapá, Piauí, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
O balanço geral positivo contrastava com as notícias enfatizadas pela imprensa no mesmo período, que se baseavam nos cenários locais e em dados mais recentes, muitas vezes, negativos; o ministério trabalhava com estimativas gerais resultantes de análises do ano anterior. Assim, leu-se nos jornais que em Ribeirão Preto (SP) 518 casos já haviam sido registrados no início de fevereiro; no Mato Grosso do Sul, os 5.583 casos notificados apenas em janeiro de 2010 superaram a totalidade dos casos de 2009 — 5.179 notificações. No Rio de Janeiro, as notícias tomaram como base os números do Levantamento do Índice de Infestação Rápido pelo Aedes Aegypti (Liraa), de outubro de 2009, que indicavam presença do mosquito três vezes maior do que a considerada “tolerável” pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os dados nortearam o lançamento de caderno especial do O Globo (A dengue ainda à espreita), no início de fevereiro, que ganhou tom alarmista. A publicação considerou ineficaz a “mobilização apenas em épocas específicas do ano”, e alertou para a eventual chegada do vírus do tipo 4 ao Sudeste ou o retorno do vírus 1 ao Rio, o que poderia provocar “uma nova epidemia”. Não explicou, porém, que os dados do Liraa devem ser tomados em conjunto com outras variáveis e que o aumento do índice de infestação do mosquito não necessariamente implica epidemia iminente.
Para analisar 2010, é preciso voltar ao início de novembro de 2009, quando o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, lançou, em Recife, a Caravana contra a Dengue, campanha que percorreu 10 mil quilômetros em nove estados com ações de conscientização e mobilização. A escolha da capital pernambucana deveu-se ao fato de o estado ter reduzido em 86% o número de casos, em comparação a 2008, e não ter registrado naquele ano mortes causadas pela doença. O quadro geral, por sinal, apontava tendência decrescente, com exceção de seis estados que tiveram aumento expressivo do número de casos — Acre (745%) e Mato Grosso (237%), liderando a lista, além de Mato Grosso do Sul, Bahia, Espírito Santo e Amapá.
No início de fevereiro de 2010, novo relatório divulgado pelo Ministério da Saúde reforçava a tendência geral decrescente: entre 2008 e 2009, registrou-se queda de 34,2% no número de casos, e redução nas formas graves e nas mortes causadas pela doença. Os números indicavam 529.237 notificações, em 2009, ante as 803.522 de 2008. Os índices mais positivos foram registrados no Rio de Janeiro (redução em 95,7% dos casos), Rio Grande do Norte (91,4%) e Sergipe (89,6%). O relatório apontava, porém, aumento em Rondônia, Acre, Amapá, Piauí, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
O balanço geral positivo contrastava com as notícias enfatizadas pela imprensa no mesmo período, que se baseavam nos cenários locais e em dados mais recentes, muitas vezes, negativos; o ministério trabalhava com estimativas gerais resultantes de análises do ano anterior. Assim, leu-se nos jornais que em Ribeirão Preto (SP) 518 casos já haviam sido registrados no início de fevereiro; no Mato Grosso do Sul, os 5.583 casos notificados apenas em janeiro de 2010 superaram a totalidade dos casos de 2009 — 5.179 notificações. No Rio de Janeiro, as notícias tomaram como base os números do Levantamento do Índice de Infestação Rápido pelo Aedes Aegypti (Liraa), de outubro de 2009, que indicavam presença do mosquito três vezes maior do que a considerada “tolerável” pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os dados nortearam o lançamento de caderno especial do O Globo (A dengue ainda à espreita), no início de fevereiro, que ganhou tom alarmista. A publicação considerou ineficaz a “mobilização apenas em épocas específicas do ano”, e alertou para a eventual chegada do vírus do tipo 4 ao Sudeste ou o retorno do vírus 1 ao Rio, o que poderia provocar “uma nova epidemia”. Não explicou, porém, que os dados do Liraa devem ser tomados em conjunto com outras variáveis e que o aumento do índice de infestação do mosquito não necessariamente implica epidemia iminente.
Na imprensa
Os jornais associaram aos números divulgados possíveis explicações para a epidemia: aumento do volume de chuvas e altas temperaturas, ineficiência do inseticida utilizado, desmobilização da população em relação à prevenção e à erradicação dos focos de mosquitos. Muitos publicaram quadros explicativos nos moldes de “tudo o que você precisa saber sobre a dengue”, e reforçaram a recorrência do problema. “Há mais de duas décadas mosquito transmissor da dengue inferniza a vida dos cariocas”, lia-se no suplemento do O Globo.
No fim do mês, novos números divulgados pelo Ministério da Saúde expressaram a realidade descrita na imprensa: 108.640 registros em todo o país, entre 1º de janeiro e 13 de fevereiro de 2010. No mesmo intervalo de 2009, haviam sido 51.873. O balanço parcial apontou concentração de 71% dos casos em cinco estados, nas seis primeiras semanas de 2010: Rondônia, Mato Grosso do Sul, Acre, Mato Grosso e Goiás. Os índices variavam entre 432,2 e 891,7 casos por 100 mil habitantes, nível de incidência considerado alto pelas próprias autoridades.
O documento indicou situação crítica em cinco municípios, que concentraram 34% das notificações: Campo Grande (12.712 casos), Goiânia (12.316), Aparecida de Goiânia (GO) (3.280), Rio Branco (5.056) e Porto Velho (3.412). Foi apontada, ainda, uma diminuição no número de mortes (21, em 2010, contra 31, no mesmo período de 2009). Conforme os parâmetros do ministério, a incidência em Minas Gerais, São Paulo e Distrito Federal foi considerada baixa.
No dia seguinte à divulgação do relatório, a repercussão na imprensa foi espetaculosa. OJornal do Brasil chamou atenção para o “alarmante” aumento de 100% no número de casos no país. “O ministério lembrou que não há uma epidemia no país”, destacou a notícia, acompanhada da legenda “culpa vem de cima”, sob a foto do coordenador do Programa Nacional de Controle da Dengue, Giovanini Coelho. No texto, ele creditava parte da responsabilidade do aumento à chuva e às altas temperaturas.
Na Folha de São Paulo, enquanto a manchete anunciava que os casos mais que dobraram este ano, o texto informava que Giovanini evitava confirmar negligência dos prefeitos de cidades com alta de casos. O periódico paulista também destacou a recirculação da dengue do tipo 1 como outra causa do aumento no número dos casos. O jornal carioca Meia Hora foi mais além, anunciando “risco de uma nova epidemia”.
No mesmo dia, o editorial do Estado de São Paulo (Alerta contra o mosquito) decretou: “a epidemia está de volta”. O texto criticava ações da Caravana da Dengue e declarava que os recursos de R$ 1,02 bilhão destinados à vigilância sanitária, não deram “resultados esperados”. Para o jornal, tudo se devia às “políticas descontinuadas de combate à doença nos municípios”. Em outra notícia, na mesma edição do Estadão, informava-se a vulnerabilidade dos estados do Nordeste — por conta do aumento das chuvas em março —, destacando que gestores já estavam alertados para o aumento do risco da doença.
Os jornais associaram aos números divulgados possíveis explicações para a epidemia: aumento do volume de chuvas e altas temperaturas, ineficiência do inseticida utilizado, desmobilização da população em relação à prevenção e à erradicação dos focos de mosquitos. Muitos publicaram quadros explicativos nos moldes de “tudo o que você precisa saber sobre a dengue”, e reforçaram a recorrência do problema. “Há mais de duas décadas mosquito transmissor da dengue inferniza a vida dos cariocas”, lia-se no suplemento do O Globo.
No fim do mês, novos números divulgados pelo Ministério da Saúde expressaram a realidade descrita na imprensa: 108.640 registros em todo o país, entre 1º de janeiro e 13 de fevereiro de 2010. No mesmo intervalo de 2009, haviam sido 51.873. O balanço parcial apontou concentração de 71% dos casos em cinco estados, nas seis primeiras semanas de 2010: Rondônia, Mato Grosso do Sul, Acre, Mato Grosso e Goiás. Os índices variavam entre 432,2 e 891,7 casos por 100 mil habitantes, nível de incidência considerado alto pelas próprias autoridades.
O documento indicou situação crítica em cinco municípios, que concentraram 34% das notificações: Campo Grande (12.712 casos), Goiânia (12.316), Aparecida de Goiânia (GO) (3.280), Rio Branco (5.056) e Porto Velho (3.412). Foi apontada, ainda, uma diminuição no número de mortes (21, em 2010, contra 31, no mesmo período de 2009). Conforme os parâmetros do ministério, a incidência em Minas Gerais, São Paulo e Distrito Federal foi considerada baixa.
No dia seguinte à divulgação do relatório, a repercussão na imprensa foi espetaculosa. OJornal do Brasil chamou atenção para o “alarmante” aumento de 100% no número de casos no país. “O ministério lembrou que não há uma epidemia no país”, destacou a notícia, acompanhada da legenda “culpa vem de cima”, sob a foto do coordenador do Programa Nacional de Controle da Dengue, Giovanini Coelho. No texto, ele creditava parte da responsabilidade do aumento à chuva e às altas temperaturas.
Na Folha de São Paulo, enquanto a manchete anunciava que os casos mais que dobraram este ano, o texto informava que Giovanini evitava confirmar negligência dos prefeitos de cidades com alta de casos. O periódico paulista também destacou a recirculação da dengue do tipo 1 como outra causa do aumento no número dos casos. O jornal carioca Meia Hora foi mais além, anunciando “risco de uma nova epidemia”.
No mesmo dia, o editorial do Estado de São Paulo (Alerta contra o mosquito) decretou: “a epidemia está de volta”. O texto criticava ações da Caravana da Dengue e declarava que os recursos de R$ 1,02 bilhão destinados à vigilância sanitária, não deram “resultados esperados”. Para o jornal, tudo se devia às “políticas descontinuadas de combate à doença nos municípios”. Em outra notícia, na mesma edição do Estadão, informava-se a vulnerabilidade dos estados do Nordeste — por conta do aumento das chuvas em março —, destacando que gestores já estavam alertados para o aumento do risco da doença.
Nova epidemia?
Mas, afinal, temos nova epidemia? Giovanini Coelho admitiu à Radis que o risco existe. Ele destacou que é necessário diminuir os índices de infestação abaixo de 1% para que não ocorra transmissão da doença. No caso do Rio de Janeiro, ele lembrou que o índice divulgado (2,9%) é apenas uma média, o que significa que certamente algumas áreas podem apresentar números superiores.
O professor Maulori Curié Cabral, do Departamento de Virologia do Instituto de Microbiologia da UFRJ, definiu a situação como “típica de endemia nacional”. Para ele, sempre haverá casos de dengue em alguma cidade. “Estamos num país tropical; o clima favorece os mosquitos”, justificou. Maulori afirmou que a presença de Aedes aegypti no ambiente urbano já é motivo para preocupação, ainda mais quando o índice de infestação é alto e há chances de aparição do vírus tipo 4, “já detectado em Manaus”.
O infectologista Rivaldo Venâncio, responsável técnico pelo escritório da Fiocruz em Campo Grande (MS) e integrante do comitê de assessoria do Ministério da Saúde para dengue e febre amarela, afirmou que são falsas as polêmicas do tipo “é epidemia ou não é?”. Ele destacou que em muitos casos os gestores negam a condição por desinformação, outras vezes, “na tentativa de manipular a opinião pública”.
Rivaldo criticou o comportamento de negação, que desmobiliza a população, os profissionais de saúde e as próprias instâncias gestoras do SUS, “contribuindo para a demora no preparo da rede de saúde e para a ocorrência de mortes”. O especialista alertou que o Liraa auxilia o trabalho de gestores, mas, isoladamente, não é tão eficaz para predizer a ocorrência de epidemias de dengue. Deve estar associado a outras informações.
Ele afirmou que, enquanto os graves e históricos problemas estruturais não forem superados, vamos conviver com surtos de dengue no Brasil, “a menos que uma vacina eficaz contra os quatro sorotipos do vírus seja disponibilizada para a população”. Ele considerou como agravantes da situação a inexistência de modelos integrados e participativos, que atuem sobre o problema em toda sua magnitude e dimensão e envolva outros setores da sociedade. A solução para o problema “está fora da governabilidade do setor saúde”.
O infectologista criticou o debate superficial que busca “bodes expiatórios” e não leva em consideração o modelo de desenvolvimento social e econômico adotado pelo Brasil ao longo dos últimos 500 anos. “Costumamos esquecer, por exemplo, a existência de áreas nas quais é quase impossível a realização de ações de controle do vetor, dadas as condições de (in)segurança e as dificuldades de acesso aos domicílios”.
Ele lamentou que outros fatores, como a intermitência no abastecimento de água potável e a ausência de uma política agrícola estável no país — que gera um crescimento acelerado (e desordenado) dos centros urbanos —, ainda sejam tratados como variáveis secundárias na dinâmica de ocorrência da doença.
Para Rivaldo, depois de duas décadas convivendo com a dengue, é inevitável constatar que “as epidemias são previsíveis e as mortes delas decorrentes são evitáveis, na sua quase totalidade”. Por isso, a rede de serviços de saúde “deve ser planejada com a antecedência e a seriedade que o problema exige”.
Mas, afinal, temos nova epidemia? Giovanini Coelho admitiu à Radis que o risco existe. Ele destacou que é necessário diminuir os índices de infestação abaixo de 1% para que não ocorra transmissão da doença. No caso do Rio de Janeiro, ele lembrou que o índice divulgado (2,9%) é apenas uma média, o que significa que certamente algumas áreas podem apresentar números superiores.
O professor Maulori Curié Cabral, do Departamento de Virologia do Instituto de Microbiologia da UFRJ, definiu a situação como “típica de endemia nacional”. Para ele, sempre haverá casos de dengue em alguma cidade. “Estamos num país tropical; o clima favorece os mosquitos”, justificou. Maulori afirmou que a presença de Aedes aegypti no ambiente urbano já é motivo para preocupação, ainda mais quando o índice de infestação é alto e há chances de aparição do vírus tipo 4, “já detectado em Manaus”.
O infectologista Rivaldo Venâncio, responsável técnico pelo escritório da Fiocruz em Campo Grande (MS) e integrante do comitê de assessoria do Ministério da Saúde para dengue e febre amarela, afirmou que são falsas as polêmicas do tipo “é epidemia ou não é?”. Ele destacou que em muitos casos os gestores negam a condição por desinformação, outras vezes, “na tentativa de manipular a opinião pública”.
Rivaldo criticou o comportamento de negação, que desmobiliza a população, os profissionais de saúde e as próprias instâncias gestoras do SUS, “contribuindo para a demora no preparo da rede de saúde e para a ocorrência de mortes”. O especialista alertou que o Liraa auxilia o trabalho de gestores, mas, isoladamente, não é tão eficaz para predizer a ocorrência de epidemias de dengue. Deve estar associado a outras informações.
Ele afirmou que, enquanto os graves e históricos problemas estruturais não forem superados, vamos conviver com surtos de dengue no Brasil, “a menos que uma vacina eficaz contra os quatro sorotipos do vírus seja disponibilizada para a população”. Ele considerou como agravantes da situação a inexistência de modelos integrados e participativos, que atuem sobre o problema em toda sua magnitude e dimensão e envolva outros setores da sociedade. A solução para o problema “está fora da governabilidade do setor saúde”.
O infectologista criticou o debate superficial que busca “bodes expiatórios” e não leva em consideração o modelo de desenvolvimento social e econômico adotado pelo Brasil ao longo dos últimos 500 anos. “Costumamos esquecer, por exemplo, a existência de áreas nas quais é quase impossível a realização de ações de controle do vetor, dadas as condições de (in)segurança e as dificuldades de acesso aos domicílios”.
Ele lamentou que outros fatores, como a intermitência no abastecimento de água potável e a ausência de uma política agrícola estável no país — que gera um crescimento acelerado (e desordenado) dos centros urbanos —, ainda sejam tratados como variáveis secundárias na dinâmica de ocorrência da doença.
Para Rivaldo, depois de duas décadas convivendo com a dengue, é inevitável constatar que “as epidemias são previsíveis e as mortes delas decorrentes são evitáveis, na sua quase totalidade”. Por isso, a rede de serviços de saúde “deve ser planejada com a antecedência e a seriedade que o problema exige”.
Informar e cobrar
Nesse contexto, os profissionais de imprensa têm contribuições a dar. Para Giovanini Coelho, os jornalistas devem informar a população sobre como proceder em caso de suspeita da doença e orientá-la sobre sinais e sintomas. Além disso, cobrar das autoridades o cumprimento de seus deveres, além de “divulgar ações que comprovadamente dão resultados positivos”.
Rivaldo, embora não acredite que haja neutralidade no que divulgam alguns meios de comunicação, “sobretudo em anos eleitorais”, considera fundamental a colaboração da imprensa. É essencial o papel dos meios de comunicação nos momentos em que alguns dirigentes de saúde não reconhecem a gravidade da situação. “É inacreditável como, por vezes, a realidade dos fatos não é suficiente para sensibilizar gestores”.
A pesquisadora Lêda Régis, do departamento de Entomologia do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (Fiocruz Pernambuco) considera “importantíssimo” o papel informativo da imprensa, sobretudo no caso de doenças com características de transmissão como as da dengue. Ela se disse preocupada com a divulgação de ordens tais como “cubra” ou “tampe” uma lista exaustiva de recipientes, para uma sociedade que “não reconhece e não estabelece ligação entre as diferentes formas do ciclo biológico do mosquito”.
Ela observou que determinações podem desviar a atenção das situações de risco, e recomendou: “É mais eficiente difundir conhecimentos que permitam às pessoas entender os porquês, do que emitir ordens”. Giovanini criticou setores da imprensa que exploram somente os aspectos dramáticos, como ocorrência de óbitos e formas graves da doença. Ele reconheceu que são dados relevantes, embora apenas deixem a população alarmada.
Entre os setoristas que cobrem a área de saúde, a dengue sempre rende uma boa discussão. Para Rose Mary Bezerra, redatora do Diário do Nordeste, em Fortaleza, a preocupação maior é checar as informações. “O risco é o gestor exagerar ou esconder fatos”, ponderou. Ela lembrou que, quando há epidemia, falta unidade entre os dados divulgados por diferentes órgãos do governo.
Outro ponto levantado pela jornalista é a falta de agilidade dos gestores no atendimento à imprensa, como a ausência de equipes de plantão nos fins de semana. Por outro lado, Rose criticou colegas que exploram a gravidade da situação: “Apavorar o leitor não ajuda a população a ser proativa e atrapalha os serviços de saúde”.
Miriam Moura, chefe de reportagem da TV Acre, em Rio Branco, também reclamou da falta de um discurso oficial único. Ela informou que, por trabalhar em uma cidade onde o número de casos da doença é quase sempre alto, o assunto está nos telejornais desde outubro, quando começam as chuvas na região: “É só aparecer o primeiro caso e já pautamos matérias”, revelou.
A dengue também faz parte do cotidiano de Paulo Yafusso, chefe de reportagem da TV Morena, em Campo Grande. Segundo ele, a emissora faz cobertura sistemática sobre a doença, desde que uma grande epidemia assolou a cidade, em 2007. Paulo reclamou da falta de agilidade dos gestores estaduais em lidar com a imprensa, já que somente divulgam dados estatísticos sobre a doença uma vez por semana. “Somos imprensa diária, temos que repercutir os casos”, argumentou.
Ele também disse que é difícil ignorar as reclamações feitas pelos espectadores. “Temos responsabilidade social com o público. Só hoje recebi três ligações de pessoas que estão nas filas dos hospitais e não conseguem ser atendidas”, disse ele. Para o jornalista, se a população procura a imprensa é porque os gestores não resolvem o problema. Paulo ressaltou ainda que a emissora também divulga ações positivas da comunidade: “Não é bom se atrelar somente às ações do poder público”, disse.
Nesse contexto, os profissionais de imprensa têm contribuições a dar. Para Giovanini Coelho, os jornalistas devem informar a população sobre como proceder em caso de suspeita da doença e orientá-la sobre sinais e sintomas. Além disso, cobrar das autoridades o cumprimento de seus deveres, além de “divulgar ações que comprovadamente dão resultados positivos”.
Rivaldo, embora não acredite que haja neutralidade no que divulgam alguns meios de comunicação, “sobretudo em anos eleitorais”, considera fundamental a colaboração da imprensa. É essencial o papel dos meios de comunicação nos momentos em que alguns dirigentes de saúde não reconhecem a gravidade da situação. “É inacreditável como, por vezes, a realidade dos fatos não é suficiente para sensibilizar gestores”.
A pesquisadora Lêda Régis, do departamento de Entomologia do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (Fiocruz Pernambuco) considera “importantíssimo” o papel informativo da imprensa, sobretudo no caso de doenças com características de transmissão como as da dengue. Ela se disse preocupada com a divulgação de ordens tais como “cubra” ou “tampe” uma lista exaustiva de recipientes, para uma sociedade que “não reconhece e não estabelece ligação entre as diferentes formas do ciclo biológico do mosquito”.
Ela observou que determinações podem desviar a atenção das situações de risco, e recomendou: “É mais eficiente difundir conhecimentos que permitam às pessoas entender os porquês, do que emitir ordens”. Giovanini criticou setores da imprensa que exploram somente os aspectos dramáticos, como ocorrência de óbitos e formas graves da doença. Ele reconheceu que são dados relevantes, embora apenas deixem a população alarmada.
Entre os setoristas que cobrem a área de saúde, a dengue sempre rende uma boa discussão. Para Rose Mary Bezerra, redatora do Diário do Nordeste, em Fortaleza, a preocupação maior é checar as informações. “O risco é o gestor exagerar ou esconder fatos”, ponderou. Ela lembrou que, quando há epidemia, falta unidade entre os dados divulgados por diferentes órgãos do governo.
Outro ponto levantado pela jornalista é a falta de agilidade dos gestores no atendimento à imprensa, como a ausência de equipes de plantão nos fins de semana. Por outro lado, Rose criticou colegas que exploram a gravidade da situação: “Apavorar o leitor não ajuda a população a ser proativa e atrapalha os serviços de saúde”.
Miriam Moura, chefe de reportagem da TV Acre, em Rio Branco, também reclamou da falta de um discurso oficial único. Ela informou que, por trabalhar em uma cidade onde o número de casos da doença é quase sempre alto, o assunto está nos telejornais desde outubro, quando começam as chuvas na região: “É só aparecer o primeiro caso e já pautamos matérias”, revelou.
A dengue também faz parte do cotidiano de Paulo Yafusso, chefe de reportagem da TV Morena, em Campo Grande. Segundo ele, a emissora faz cobertura sistemática sobre a doença, desde que uma grande epidemia assolou a cidade, em 2007. Paulo reclamou da falta de agilidade dos gestores estaduais em lidar com a imprensa, já que somente divulgam dados estatísticos sobre a doença uma vez por semana. “Somos imprensa diária, temos que repercutir os casos”, argumentou.
Ele também disse que é difícil ignorar as reclamações feitas pelos espectadores. “Temos responsabilidade social com o público. Só hoje recebi três ligações de pessoas que estão nas filas dos hospitais e não conseguem ser atendidas”, disse ele. Para o jornalista, se a população procura a imprensa é porque os gestores não resolvem o problema. Paulo ressaltou ainda que a emissora também divulga ações positivas da comunidade: “Não é bom se atrelar somente às ações do poder público”, disse.
Sintonia possível
Situações extremas também podem gerar boas parcerias. Entre 2001 e 2002, Recife viveu uma grave epidemia de dengue, quando foram notificados pelo menos 35 mil casos da doença. Na época, a pesquisadora Tereza Lyra, do Departamento de Saúde Coletiva da Fiocruz Pernambuco, era diretora de Vigilância em Saúde do município.
Ela ressalta ações implementadas pela gestão: diariamente, saía um boletim com o número de casos novos. “Nada foi omitido: nem número de casos, nem óbitos suspeitos, nem índices de infestação”. Tereza acredita que a postura estabeleceu confiança, já que não houve questionamentos maiores sobre as intervenções adotadas.
Outra medida, nesse caso, do lado que divulga a informação, contou com a ajuda do Jornal do Commercio, que publicou suplemento com informações e orientações elaboradas em grande parte pela própria equipe de vigilância. A disponibilidade da gestora também ajudou. Diariamente ela atendia jornalistas e radialistas e, pelo menos duas vezes por semana, participava de programas de televisão.
Tratar a questão com diferentes setores também foi fundamental. Tereza lembra que houve articulação com órgãos da própria prefeitura (empresa de manutenção e limpeza urbana, Defesa Civil e Secretaria de Educação, entre outros) e demais setores da sociedade, como entidades religiosas e representações profissionais.
Ela indicou como conseguiu estabelecer a boa relação com os jornalistas: “Uma boa relação com a imprensa se dá a partir do momento em que estabelecemos com ela e, consequentemente com a população, um clima de transparência”.
Situações extremas também podem gerar boas parcerias. Entre 2001 e 2002, Recife viveu uma grave epidemia de dengue, quando foram notificados pelo menos 35 mil casos da doença. Na época, a pesquisadora Tereza Lyra, do Departamento de Saúde Coletiva da Fiocruz Pernambuco, era diretora de Vigilância em Saúde do município.
Ela ressalta ações implementadas pela gestão: diariamente, saía um boletim com o número de casos novos. “Nada foi omitido: nem número de casos, nem óbitos suspeitos, nem índices de infestação”. Tereza acredita que a postura estabeleceu confiança, já que não houve questionamentos maiores sobre as intervenções adotadas.
Outra medida, nesse caso, do lado que divulga a informação, contou com a ajuda do Jornal do Commercio, que publicou suplemento com informações e orientações elaboradas em grande parte pela própria equipe de vigilância. A disponibilidade da gestora também ajudou. Diariamente ela atendia jornalistas e radialistas e, pelo menos duas vezes por semana, participava de programas de televisão.
Tratar a questão com diferentes setores também foi fundamental. Tereza lembra que houve articulação com órgãos da própria prefeitura (empresa de manutenção e limpeza urbana, Defesa Civil e Secretaria de Educação, entre outros) e demais setores da sociedade, como entidades religiosas e representações profissionais.
Ela indicou como conseguiu estabelecer a boa relação com os jornalistas: “Uma boa relação com a imprensa se dá a partir do momento em que estabelecemos com ela e, consequentemente com a população, um clima de transparência”.
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