no blog Direito Sanitário: Saúde e Cidadania
Lenir Santos[1]
O direito à saúde, consagrado na Constituição e garantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), vem sendo implementado pelos municípios, estados e União, muito mais em razão de um movimento sanitário composto por especialistas, secretários de saúde, conselheiros de saúde, membros do Ministério Público do que por vontade da população, em especial a mais rica.
Por que a sociedade nem sempre reconhece os direitos sociais como a saúde, a educação, a segurança pública, como um direito de cidadania?
Isso tem a ver com diversos fatores, mas também com o sentimento de pertencimento. Não há um sentimento de pertencimento da população em relação ao SUS. Todos os segmentos sociais buscam garantir, de algum modo, um plano de saúde: trabalhadores pelos seus dissídios coletivos; servidores com serviços próprios; ministério público, judiciário, parlamentares, autoridades públicas sanitárias, todos pretendem (ou já tem garantido) um plano de saúde institucional; e os secretários de saúde muitas vezes dirigem um sistema que não usam.
A classe média quando reivindica, mediante o Poder Judiciário, determinados procedimentos de saúde, principalmente os medicamentos, o faz com certo desprezo pelo sistema, sem nem querer saber quais são os seus deveres para com o SUS, uma vez que não existe direito sem um correspondente dever.
Não lhe importa saber se para obter um serviço do SUS deve-se acessá-lo pelas suas portas de entrada e respeitar o princípio da integralidade da assistência terapêutica que pressupõe um conjunto de ações articuladas e contínuas e não um fracionamento de atos, descolados de diagnósticos e terapêuticas indicados pelos profissionais da saúde pública. Seria impensável em países como a Inglaterra e Espanha, alguém escolher ou pretender para si apenas este ou aquele procedimento sanitário público prescrito por profissional da saúde privada.
E o Judiciário – sem se debruçar sobre os princípios e diretrizes do SUS, dentre eles o da integralidade que garante medicamentos como uma decorrência da assistência terapêutica que, por sua vez, pressupõe haver um paciente em tratamento no sistema de saúde público – acolhe todos os pedidos, sem se dar conta de que está rompendo com a organização do SUS e com o princípio da igualdade daquele que, cumprindo seus deveres, entra no SUS pela sua porta de entrada, como em qualquer país que garante o acesso universal à saúde.
Essa ausência fundamental do sentimento de pertencimento ao SUS e daqueles que acham que o SUS é para a sua empregada doméstica, produzirá um SUS pobre para pobres. E enquanto o Judiciário não perguntar como esse Sistema está organizado, apenas referindo-se ao amplo conceito do art. 196 que também caracteriza a saúde como decorrência de políticas sociais e econômicas que evitem o risco de agravo à saúde; e garantir o direito à saúde às pessoas porque elas são “hipossuficientes”, e não porque são cidadãs que devem ter seus direitos garantidos e deveres a cumprir, estará contribuindo para a sua desorganização.
Lembramos que dentre os princípios do SUS temos políticas de saúde discutidas nos conselhos de saúde; integralidade da atenção a ser garantida numa rede interfederativa de serviços, e não apenas por um determinado município; integralidade que deve ser respeitada tanto pelo sistema público quanto pelo cidadão que não pode pretender procedimentos fracionados.
O ideal não pode ser ter renda para garantir um plano de saúde, mas sim ter consciência social; isso faz com que a sociedade se isole do SUS e se desinteresse de seu financiamento o qual deve garantir um padrão integralidade de atenção à saúde discutido por todos.
____________________________________________________
[1]Coordenadora do Instituto de Direito Sanitário Aplicado – IDISA; Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Sanitário da UNICAMP-IDISA; ex-procuradora da UNICAMP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário