Índias recorrem à cesariana
Uma em cada cinco índias que deram à luz no ano passado fez a cirurgia. Média é maior que a tolerada pela Organização Mundial de Saúde
MARIA GIZELE DA SILVA, DA SUCURSAL DE PONTA GROSSA da gazeta do povoEnquanto surge no país um movimento de mulheres que buscam o parto natural – seja ele normal, na água ou de cócoras –, nas aldeias do Paraná percebe-se um movimento contrário. Dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) mostram que uma em cada cinco mulheres indígenas que deram à luz no Paraná, no ano passado, optou pela cesariana. A média (20%) está abaixo do índice de cesáreas no país, que é de 43%, mas já está acima do que é indicado pela Organização Mundial de Saúde, que recomenda que a proporção não ultrapasse 15%.
O chefe do Distrito Sanitário Especial Indígena da Funasa no Paraná, Paulo Camargo, conta que hoje o desejo de ter filhos dentro do hospital, com direito a anestesista, é unânime entre as mulheres da aldeia. Segundo ele, a figura das parteiras nas tribos é mantida apenas por índios guarani. O parto de cócoras, tradicional da cultura indígena e trazido para Curitiba pelo médico Moysés Paciornik, já foi extinto. Ter o filho na água, como fez Gisele Bündchen, virou raridade.
A Funasa não faz um monitoramento sistemático dos partos nas aldeias do país, muito menos dos procedimentos adotados. Mas sabe-se que o número é cada vez maior. No ano passado, dos 317 bebês indígenas nascidos no Paraná, 61 vieram por cesariana.
Necessidade
Na aldeia de Queimadas, em Orti gueira, nos Campos Gerais, formada por 485 caingangues, o tipo de parto não é registrado. Sabe-se apenas que no ano passado nasceram 22 crianças. No entanto, o número de cesarianas ainda é pequeno, conta o enfermeiro do posto de saúde Paulo Rogério Ferreira. “Desde junho de 2007, quando eu comecei a trabalhar aqui, acho que houve umas cinco cesáreas”, informa. Segundo ele, a cirurgia só é realizada em casos de necessidade.
Foi o que ocorreu com a caingangue Juliana Matias, de 14 anos. Há 20 dias nasceu o seu primeiro filho, Jonival, fruto de um casamento com um homem 15 anos mais velho. Como o bebê era grande – nasceu com 3,7 quilos –, a equipe médica da maternidade optou pela cesariana. Juliana fez o pré-natal e teve uma gravidez tranquila. “Quando ela chegou ao hospital, a mesa da cesárea já estava pronta”, disse a mãe da jovem, Dulcia Matias. “Eu tive seis filhos, todos eles nasceram em casa”, acrescentou.
Valéria Lucas, 25 anos, que também mora na aldeia, deu à luz há três meses Ruan Diego, que nasceu com 3,750 quilos. O parto foi natural, assim como o da filha mais velha, Marcimele, de 5 anos. Valéria disse que não teve complicações na gestação e que logo depois do nascimento do caçula já estava trabalhando na confecção de cestos e balaios. Pedra Oliveira, 25 anos, leva na barriga uma menina, que nascerá no mês que vem. Ela já tem dois meninos, de 8 e de 5 anos, nascidos de parto natural. “Ainda não sei como será o parto”, diz, lembrando que até agora a gravidez não apresentou problemas.
Políticas de saúde devem ser dirigidas
A Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras (Abenfo) realiza ações junto com o Ministério da Saúde para incentivar o parto natural entre as mulheres brasileiras. O presidente nacional da entidade, Valdecyr Herdy Alves, analisa que é preciso retomar a cultura indígena de valorização do parto normal, inclusive com parteiras nas aldeias. Ele acrescenta que as cesarianas vêm sendo realizadas sem necessidade e que as equipes médicas devem ter claro o protocolo de risco das gestações para optar pela cirurgia em vez do parto natural.
Outro aspecto, lembra Alves, é incentivar políticas de planejamento familiar nas aldeias indígenas para que as mulheres possam decidir sobre sua vida sexual e reprodutiva.
Para o indigenista e coordenador local da Fundação Na cio nal do Índio (Funai) de Curi tiba, Edivio Battistelli, os nú meros mostram que o índice de cesarianas é alto nas aldeias do Paraná. Para ele, a opção pela ci rurgia demonstra a apro ximação do índio com a cul tura não índia. “Isso ocorre também na agricultura, na edu cação, em todas as atividades que cercam os indígenas. Não sei se a escolha pela cesariana é movida pela comodidade, pelo fato de não sentir dor ou é impulsionada pela cultura não índia”, retrata.
Hoje a saúde indígena segue os mesmos parâmetros das políticas públicas adotadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Para Battistelli, esse é um erro que chega a ser inconstitucional, já que a Constituição Federal não tolera a massificação das ações indígenas. “Isso não é bom para a cultura indígena. Não há respeito às tradições. É importante sim criar programas nacionais específicos”, informa.
O parto normal, segundo Alves, traz benefícios tanto para a mãe quanto para o bebê. Os hormônios liberados no parto favorecem o retorno da forma física da mulher, a respiração do bebê e o contato entre mãe e filho após o nascimento, com a amamentação nos primeiros minutos após o parto.
Conforme a Funasa nacional, a cesariana é indicada em casos de real necessidade. O órgão elaborou um documento que focaliza a saúde da mulher indígena. Entre as diretrizes do programa estão a manutenção de hábitos culturais indígenas associados ao parto comum, o incentivo ao parto normal, a manutenção da cultura indígena, com o uso de plantas e ervas curativas, e a organização das redes de referência para atendimento à mulher e à criança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário