Ativistas repudiam declarações do jornalista Alexandre Garcia na rádio CBN sobre gravidez em mulheres com HIV
O então porta-voz do governo João Figueiredo, o jornalista Alexandre Garcia (sim este mesmo da Globo) provocou o que na época chamava-se "rebu" com a foto abaixo, publicada na revista Ele Ela:
O jornalista Alexandre Garcia, do Bom Dia Brasil na TV Globo, disse que é “uma maluquice” uma pessoa com HIV engravidar. A declaração foi ao ar nesta última sexta, 7 de maio, na rádio CBN. Ativistas de luta contra a aids repudiam o comentário e dizem que é “inconcebível” uma afirmação como essa depois de 25 anos de história da epidemia.
“O Ministério da Saúde (MS) está estimulando agora pessoa com HIV a engravidar. Eu duvido que o MS vá fazer uma cesária pela terceira vez numa mulher com HIV e se respingar sangue nele para ver o que vai acontecer. É uma maluquice, estão fazendo brincandeira com a saúde…”, disse Garcia (confira na íntegra o áudio).
Os militantes do movimento de luta contra a aids protestam contra a declaração do comentarista. “É inconcebível observar como se aborda questões do HIV/Aids de forma preconceituosa, sem qualquer rigor científico, o que só favorece o aumento da discriminação às pessoas vivendo com HIV/aids”, critica Betinho, membro do Fórum de ONG/Aids do Estado de São Paulo.
Os ativistas discordam da declaração porque os atuais métodos de tratamento existentes contra o HIV podem garantir até 99% de chances de não transmissão do vírus para o bebê.
“Você fez um desserviço à profissão de jornalista e, pior, expressou uma visão anticientífica e infundada, que incentiva condutas discriminatórias e leva informações errôneas à população em geral”, diz o presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), Toni Reis, em carta aberta.
As declarações de Garcia foram ao ar na CBN quando o jornalista criticou também o programa de parto humanizado do Ministério da Saúde.
Nesta última semana, o governo divulgou que estuda desenvolver um plano para ajudar soropositivos a ter filhos e o fato ganhou grande destaque na mídia.
Mas, esta não é a primeira vez que o comentarista diz ser contra a gravidez em mulheres portadoras do HIV. Em 2008, opinou na TV Globo que “quem antes de uma gravidez se identificar como portadora do HIV, melhor que não engravide” – veja a repercussão do caso na época.
Redação da Agência de Notícias da Aids
Leia a seguir os protestos dos ativistas divulgados por e-mail na íntegra.
Carta aberta a Alexandre Garcia – uma carta contra o preconceito
“Em resposta a uma ética da exclusão, estamos todos desafiados a praticar uma ética da solidariedade” (Betinho)
Prezado Alexandre Garcia,
Sou Toni Reis, professor, especialista em sexualidade humana, mestre em filosofia na área de ética e sexualidade, e doutorando na área de educação sexual. Trabalho com HIV/aids desde 1985. Defendo a liberdade, a igualdade e o respeito à diversidade humana. Defendo também a livre expressão da imprensa, desde que não incite preconceito, discriminação e violência.
Você é um dos jornalistas mais renomados do Brasil na área política, reconhecido e premiado nacional e internacionalmente. Você é um grande formador de opinião e com certeza já está na história do jornalismo brasileiro.
Contudo, chegou até mim a sua fala na CBN no dia 7 de maio, aqui transcrita:
“… o Ministério da Saúde está estimulando agora a pessoa com HIV a engravidar. Eu duvido que o MS vá fazer uma ‘cesária’ pela terceira vez em uma mulher com HIV e respingar sangue nele (MS) para ver o que vai acontecer. É uma maluquice, estão fazendo brincadeira com a saúde…” (http://cbn.globoradio.globo.com/colunas/mais-brasilia/MAIS-BRASILIA.htm)
Sinto-me obrigado a escrever esta carta como consequência de suas declarações. Nas palavras da minha falecida mãe, quando eu errava, ela falava para mim “você está jogando água fora da bacia”. No meu entendimento, como pessoa que está trabalhando com a questão do HIV/aids desde 1985, quero dizer que você jogou água fora da bacia e respingou a água suja do preconceito em muita gente. Quero dizer que atitudes como esta reforçam o preconceito e o estigma contra as pessoas que vivem com HIV/aids.
Relembro o Art. 2º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, que diz “a divulgação de informação, precisa e correta, é dever dos meios de comunicação pública.” Com esta frase você fez um desserviço à profissão de jornalista e, pior, expressou uma visão anticientífica e infundada, que incentiva condutas discriminatórias e leva informações errôneas à população em geral, além de ser machista em culpar a mulher e negar-lhe os direitos sexuais e reprodutivos. Infelizmente, não é a primeira vez que você faz esta mesma afirmação.
É preciso se basear em informações atualizadas. Foi implantado em Curitiba há 11 anos (em 1999) o pioneiro Programa Mãe Curitibana, de prevenção à transmissão vertical do HIV (da mãe HIV positiva para o bebê), de modo que caiu para em torno de 1% esta forma de transmissão. E este programa é referência e foi replicado no país inteiro. Assim, com acesso à atenção médica e medicação durante a gravidez e o parto e no período pós-parto, as mulheres HIV positivas podem engravidar e ter filhos HIV negativos. A aids é uma doença crônica que hoje tem tratamento e é um direito das mulheres HIV positivas que assim querem ter filhos. O direito à maternidade deve ser para todas as mulheres, inclusive as mulheres HIV positivas.
Para seu conhecimento, existem normas de biossegurança em todo o Sistema Único de Saúde. Todo profissional de saúde sabe que deve segui-las e utilizar os Equipamentos de Proteção Individual (EPI) com todos os usuários, de forma indiferenciada. Caso haja um acidente, há tratamento emergencial.
No início dos anos 1980, o preconceito quando a aids surgiu era tanto que foi chamada de “câncer gay” Eu como gay na época me senti o próprio sinônimo da doença. Para vencer minha ignorância, fui me informar, estudar e percebi que eu estava sendo iludido por uma mídia despreparada e preconceituosa. Felizmente, parte da mídia já mudou.
O Ministério da Saúde, através do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, vem cumprindo – sim – seu dever constitucional, e tem sido referência mundial na assistência e na prevenção do HIV/Aids, por ter uma política baseada nos direitos humanos, na dignidade humana e no respeito aos direitos sexuais e reprodutivos.
Sua fala não foi de bom tom. Sério, Alexandre Garcia, profissional que admiro. Sugiro a você buscar informações corretas sobre o assunto.Estamos à disposição. Quero dizer que hoje no Brasil temos em torno de 700 organizações não governamentais que trabalham com o HIV/aids e os direitos humanos das pessoas que vivem com HIV/aids. Queremos contar com você como aliado para defender os direitos humanos, inclusive os direitos sexuais e reprodutivos, de todas as pessoas, em especial as mulheres que vivem com HIV/aids.
As pessoas vivendo com HIV/aids, assim como todo mundo, merecem respeito, dignidade e carinho. Por um mundo sem violência, sem discriminação e sem preconceito.
Nas palavras do Betinho, “a aids não é mortal, mortais somos todos nós. A aids terá cura, e o remédio hoje é a solidariedade.”
Alexandre Garcia, convido você a ser solidário às pessoas que vivem com HIV/aids.
Curitiba, 08 de maio de 2010
Toni Reis
Presidente da ABGLT
Presidente da ABGLT
Prezados(as) sres(as),
Assim como outros companheiros(as) eu fiquei profundamente indignidado e até mesmo me senti afrontado com a fala do Alexandre Garcia na CBN hoje.
É inaceitável que após 25 anos de epidemia no Brasil um jornalista tão conhecido que é também formador de opinião venha a público manifestar esse desserviço na luta contra aids, e pela segunda vez, a primeira vez foi em pleno jornal Bom Dia Brasil onde afirmava que mulher soropositiva não podia ter filho. É inconcebível observar como se aborda questões do HIV/Aids de forma preconceituosa e destituido de qualquer rigor científico o que só favorece o aumento da discriminação e do estigma às Pessoas Vivendo com HIV/Aids.
Eu tive o cuidado de escrever a fala que diz textualmente:
“…agora também o Ministério da Saúde está estimulando pessoa com HIV engravidar, eu duvido que o MS vai fazer uma cesária pela terceira vez, e se respinga sangue sobre ele (MS)? para ver o que vai acontecer com ele (MS)!. Uma maluquice tão brincando com a saúde…”
“…agora também o Ministério da Saúde está estimulando pessoa com HIV engravidar, eu duvido que o MS vai fazer uma cesária pela terceira vez, e se respinga sangue sobre ele (MS)? para ver o que vai acontecer com ele (MS)!. Uma maluquice tão brincando com a saúde…”
http://cbn.globoradio.globo.com/colunas/mais-brasilia/MAIS-BRASILIA.htm
Observa-se o grau de desconhecimento sobre o HIV/Aids e sobre os eficazes métodos de reprodução assistida disponiveis hoje para PVHA que chegam a 99% de chances de NÃO transmissão do HIV para o bebê, mais do que isso, por pior que esteja a saúde pública no país, em um procedimento de cesariana se deve admitir que se tomem todos os cuidados para que não haja contato sanguineo entre paciente e profissionais de saúde, seja a parturiente soropositiva ou não, portanto não se admite que “sangue se respingue” conforme é ilustrado em sua figura de linguagem.
Mais do que uma afronta aos direitos constitucionais, civis e sociais isso se caracteriza como grave violação dos Direitos Humanos uma vez que fere diretamente Direitos inalienáveis a Vida, a Liberdade, a Família e a Reprodução.
Portanto, eu e outros militantes sugerimos aos ativistas do Brasil, especialmente o Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas que enviem seus manifestos de desagravo e que os Fóruns Estaduais de ONG/AIDS, as Redes de pessoas vivendo com HIV/AIDS e a Articulação Nacional em HIV/AIDS enviem documentos formais de repúdio a essa equivocada fala.
Vale lembrar que domingo é dia das mães e não poderia ter sido um momento mais infeliz e inoportuno para tecer tal comentário sobre mães e sobre aquelas que sonham ser.
Atenciosamente,
José Roberto Pereira / betinho
Fórum de ONG/AIDS do Estado de São Paulo
Projeto Bem-Me-Quer
Representante na CNAIDS / Região SUDESTE
Coordenador Nacional PRPH www.prph.org
José Roberto Pereira / betinho
Fórum de ONG/AIDS do Estado de São Paulo
Projeto Bem-Me-Quer
Representante na CNAIDS / Região SUDESTE
Coordenador Nacional PRPH www.prph.org
4. Desde meados da década de 1990, seguindo padrões internacionalmente estabelecidos, o Ministério da Saúde dispõe de um conjunto de diretrizes para prevenção da transmissão vertical do HIV. Essas medidas buscam a promoção dos direitos sexuais e reprodutivos de brasileiros e brasileiras. Estudos nacionais e internacionais comprovam que, quando todas as medidas preventivas são tomadas – uso de medicação antirretroviral durante pré-natal e parto, inibição da lactação e tratamento do bebê por seis semanas – a chance de transmissão do HIV da mãe para o bebê é reduzida para menos de 1%. Ao afirmar que a iniciativa “é uma maluquice”, o jornalista demonstra desconhecer os avanços científicos que reduzem a possibilidade de transmissão do HIV para o filho. O comentarista também deveria saber que o simples fato de “respingar sangue” de uma mulher infectada pelo HIV, durante o parto, não é suficiente para que ocorra transmissão do vírus. O controle da infecção em ambientes hospitalares pressupõe rotinas com precauções universais, não só em relação ao HIV, mas também no que se refere a outras doenças. Além disso, vários artigos científicos sobre o assunto foram publicados recentemente, mostrando a correlação entre transmissibilidade do HIV quando a carga viral é indetectável no sangue, no esperma e nos fluidos vaginais. Tais estudos tornam mais claros os riscos, dependendo da situação clínica de cada indivíduo.
ResponderExcluir5. Reduzir o número de crianças infectadas pela transmissão vertical, como vem acontecendo no Brasil, tem sido um avanço. O Ministério da Saúde conta com o apoio da emissora para dar à população a informação correta, sem preconceitos, de forma inclusiva, permitindo que essas pessoas exerçam a sua cidadania. Uma declaração discriminatória, como feita pelo jornalista Alexandre Garcia, traz um enorme prejuízo para às pessoas que vivem com HIV/aids.
Atenciosamente,
Mariângela Simão
Diretora do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde
NOTA DE ESCLARECIMENTO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE
ResponderExcluirEm relação à edição de sexta-feira (7 de maio) do Boletim "Mais Brasília", com Alexandre Garcia, o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde contesta e esclarece as seguintes informações:
1. A infecção pelo HIV não restringe os direitos sexuais nem os direitos reprodutivos dos cidadãos. Como o próprio Alexandre Garcia afirmou na sua coluna, "a saúde é direito de todos e dever do Estado". Não permitir que pessoas que têm HIV/aids tenham filhos é tirar delas o direito à cidadania. Negar isso é violar os direitos humanos fundamentais.
2. É a segunda vez que o jornalista discrimina as pessoas que vivem com HIV/aids em suas declarações. Uma lástima e um retrocesso para o jornalismo brasileiro. A primeira vez pressupõe desinformação, a segunda é uma clara demonstração de preconceito. Com o avanço da terapia antirretroviral no Brasil, há comprovado aumento da sobrevida e melhora significativa na qualidade de vida dos soropositivos. O diagnóstico não é mais uma sentença de morte. Pelo contrário, essas pessoas hoje fazem planos, querem casar e constituir família.
3. A afirmação de que o Ministério da Saúde está estimulando pessoas com HIV a engravidarem é equivocada. A decisão de constituir família é pessoal. No caso das pessoas que vivem com HIV, o Ministério da Saúde deve fornecer informações que possibilitem ao profissional de saúde orientar cada pessoa que deseje ter filhos com as informações mais precisas – sempre embasadas na melhor evidência científica disponível. Países como a Itália e a Inglaterra publicaram, recentemente, recomendações semelhantes. Os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) precisam saber sobre os métodos e riscos envolvidos nessa decisão, pois eles possuem esse direito – se assim desejarem – e já o fazem. Não cabe ao governo interferir no desejo da mulher de ter ou não filhos, mas sim permitir que essas mulheres que querem ser mães tenham seus filhos nas condições mais seguras para elas, para seus parceiros e para seus futuros bebês. Isso não é uma novidade. Em 2008, por exemplo, 3 mil mulheres sabidamente soropositivas engravidaram, comprovando essa realidade. O que se percebe na fala do jornalista é um preconceito descabido e uma desinformação que não condiz com o veículo sério do qual ele é porta-voz.