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domingo, 4 de julho de 2010

Ser normal em Curitiba

Pesquisa realizada em 22 cidades brasileiras aponta o curitibano como um povo conservador. Mas até que ponto ainda nos cabem certos rótulos e estereótipos?
Levante a mão o curitibano que nunca se incomodou com o já desgastado carimbo do povo tímido, frio ou carrancudo, que há tempos serve para definir os nascidos na capital das baixas temperaturas. Se alguns dizem que somos esnobes ou reservados, outros afirmam que não há brasileiro mais íntegro e confiável do que um curitibano, e a cada pesquisa promovida com a intenção de dar conta de quem somos ficam mais evidentes nossas complexidades e contradições.

A psicoterapeuta Rosana Ferrari explica que, ao mesmo tempo em que as pessoas têm a necessidade de pertencer a grupos sociais, todo mundo deseja ser único. “Pertencer e ser individual são duas necessidades emocionais do ser humano. A primeira permite encontrarmos nossos pares, sermos reconhecidos e confirmados pelo outro, enquanto a segunda nos faz sentir diferentes e especiais, pois não gostamos de ser confundidos. Em ambas o outro está presente, tanto para nos confirmar quanto para nos diferenciar”, analisa. Ser curitibano, portanto, significa se identificar com as características deste grupo social, mas aí nossa individualidade fala mais alto e refutamos certas etiquetas com as quais não concordamos.

A agência Nova S/B realizou há alguns meses o estudo brasileiro Indicadores de Valores e Atitudes (Inova), que ouviu 2.772 pessoas de 18 a 65 anos em 22 cidades do país, entre elas a capital do pinhão e da vina. Entre as conclusões a que os analistas chegaram, os curitibanos seriam um povo mais crítico e cético do que a maioria dos brasileiros, arraigados em valores tradicionais e mais acomodados ou satisfeitos com sua vida atual. Para o povo de Curitiba, a chave da felicidade está na família e o casamento ainda é visto como uma instituição sólida – metade dos entrevistados declararam que é para toda a vida. A pesquisa traz outros números curiosos – até assustadores –, como: quase metade dos curitibanos não vê problemas em ter um revólver em casa – no Brasil, só 24% afirmam o mesmo –, e 29% não teriam amigos homossexuais, contra 18% no restante do país.

Para a antropóloga e professora do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Ana Luisa Sallas, diante destas informações uma tendência seria tachar o povo daqui de conservador, mas ela salienta a importância de questionarmos o que é ser conservador ou avançado nos dias de hoje. Como contraponto a esse rótulo, ela lembra que, pela mesma pesquisa, 61% dos entrevistados discordaram que a tecnologia tenha afastado os filhos da família, contra 37% dos brasileiros, contestando a tese do povo conservador. Elton Barz, historiador e pesquisador da Casa da Memória da Fundação Cultural de Curitiba, acha importante considerar uma mutação do conceito do ser curitibano. “Hoje, ele é diferente da ideia que tínhamos nos anos 1970, por exemplo, já que atualmente a maior parte da população local veio de outras cidades, o que contribui para introduzir novos comportamentos, hábitos e pensamentos à sociedade curitibana.”
Rosana Ferrrari, que vive na cidade há quase quatro décadas, constata que não só o curitibano reflete a influência das ideias que ele tem de si, como as pessoas de fora também nutrem fantasias sobre o modo local de ser. “Tanto uns quanto outros retroalimentam os estereótipos e se mantêm fiéis a eles. Mas, quando exercitamos o desafio a estas crenças e nos aproximamos, as distâncias se dissipam e os curitibanos se revelam verdadeiramente”, diz.
Véu e grinalda
Nada é mais valioso para o curitibano do que constituir família. A constatação está na pesquisa Inova, que revela que não apenas há mais pessoas casadas na capital paranaense, como elas costumam ficar mais tempo juntas que a média brasileira. Outro dado interessante: casar de véu e grinalda ainda tem grande importância por aqui.
Retorno ao ensino público
No caminho oposto de Cristiane e Rafael, o casal de cirurgiões-dentistas Graziela e Alberto Zortéa decidiu ter filhos, e tiveram logo quatro, hoje com idades entre um e 12 anos. Os mais velhos, Nicole, 10, e Alberto, 12, estudavam em colégio particular até pouco tempo atrás, mas, com a chegada dos irmãos, o orçamento familiar apertou e eles mudaram para a escola da rede municipal de ensino Aline Picheth, no Ahú. “Na época nós morávamos no bairro e alguns amigos elogiavam bastante a escola”, conta Graziela, que no início temia que o novo ambiente fosse muito diferente daquele que seus filhos conheciam. Apesar do receio inicial, ela, o marido e os filhos estão contentes com a experiência, que já dura três anos.
Trabalho não preocupa
“O trabalho enobrece o homem” é uma frase que todos nós ouvimos muito antes de ter idade suficiente para trabalhar. Entretanto, para um número considerável de curitibanos, trabalho árduo e conquista parece ser um valor de menor importância do que para os brasileiros em geral. Na pesquisa da Nova S/B, apenas cerca de 40% responderam que a atividade dá prazer, e quase a metade discorda que sucesso se atinge com trabalho duro. Antes de tachar os engravatados do Centro Cívico de indolentes, é bom dar uma olhada em outro índice: a pesquisa mensal de emprego do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes) revela que, há dois meses consecutivos, Curitiba vem apresentando a menor taxa de desemprego do país.


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