na coluna do Geneton Moraes Neto no G1
Avante, ó vítimas da intolerância e do obscurantismo : nós, leitores proibidos de ler biografias que nem foram escritas…
Estão em tramitação na Câmara dos Deputados dois projetos de lei que acabam com uma excrescência brasileira : um artigo do Código Civil que dá, a biografados ou a seus herdeiros (!), o absurdo poder de vetar a publicação de biografias não-autorizadas.
Não há outra palavra : quem teve a brilhante ideia de introduzir este artigo no Código Civil deveria receber, por unanimidade, o Oscar da Estupidez. Porque o artigo que transforma herdeiros e biografados em pequenos ditatores é um atentado absurdo à liberdade de expressão. O Brasil é o único país democrático do mundo em que herdeiro (ou biografado) pode fazer, impunemente, o papel de censor nazista. Lixo,lixo, lixo.
Nem há o que discutir : em qualquer país civilizado do mundo (e, certamente, até em republiquetas que, ao contrário do Brasil, não toleram tais abusos), as prateleiras das livrarias estão abarrotadas de biografias não-autorizadas de personalidades públicas. Não é "força de expressão" : as prateleiras estão abarrotadas. Quem por acaso se julgar prejudicado por alguma informação publicada em tais biografias recorre ao mais óbvio dos instrumentos: a Justiça. É o bê-a-bá da civilização. Sempre foi assim. É tão simples e tão cristalino.
Mas é claro que o Brasil teria de destoar : aqui, qualquer biografado ou herdeiro de uma figura pública pode pedir a proibição de um livro, amparados nos argumentos mais exdrúxulos. Eis uma aberração indefensável. Chegou a hora de devolver esta excrescência ao lugar de onde ela jamais deveria ter saído: a lata de lixo.
É impossível calcular o prejuízo que o artigo estúpido já causou à cultura , ao jornalismo e à memória brasileira : há "n" casos de editoras ( e autores ) que simplesmente desistiram de levar adiante projetos de biografias porque não iriam correr o risco de investir tempo, trabalho e pesquisa num trabalho que poderia ser embargado por um herdeiro de mau humor ou um biografado temperamental. Ou seja: há livros, livros e livros que deixaram de ser publicados.
Agora, finalmente, a Câmara dos Deputados, palco de tantos escândalos e tantos absurdos, ganha uma grande chance de prestar um serviço histórico ao país : jogar no lixo – de uma vez por todas – o poder estapafúrdio que foi dado a biografados e a herdeiros. O Brasil não pode ter leis de republiqueta bananeira.
A liberdade de expressão ( e, igualmente, o respeito aos direitos alheios) são valores intocáveis. Os dois – tanto a liberdade de expressão dos biógrafos quanto os direitos dos biografados – podem, devem e haverão de coexistir sem qualquer problema. Por que não ? É assim no mundo civilizado. Por que não poderia ser no Brasil ? O que é incompatível com a democracia é a existência de um artigo porco que transforma biografados e herdeiros em pequenos policiais, donos de um indefensável poder de veto. "No pasarán". Os tempos de censura prévia já acabaram !
Os autores dos projetos que acabam com a violência são a deputada Manuela D´Ávila (PC do B)e o deputado Newton Lima (PT). Palmas para os dois. A deputada desarquivou um projeto que, originalmente, tinha sido apresentado por Antonio Palocci,0 atual ministro-chefe da Casa Civil. O projeto que acaba com a censura chegou a obter parecer favorável do relator, o hoje ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, mas acabou engavetado, por uma desses mistérios dos bastidores do parlamento.
Os leitores estão perdendo a chance de se informar. As Editores estão deixando de publicar livros importantes. Os biógrafos estão desistindo por antecipação de produzir obras que, com certeza, contribuiriam para a memória brasileira. Chegou a hora de estancar esta sangria.
É hora de entupir as caixas de e-mails dos senhores parlamentares com apelos maciços em favor da liberdade de expressão.
Atenção, deputados de todos os partidos : não é possível que a Câmara dos Deputados vá desperdiçar a grande chance de corrigir um absurdo que transforma o Brasil em motivo piada.
Não quero parecer pomposo ou "panfletário" , mas, se quiserem honrar de verdade os votos que receberam dos eleitores, os deputados haverão de votar pela derrubada da censura.
Chega ! Basta! Fora ! Ao lixo o que é do lixo !
Nenhum comentário:
Postar um comentário