Nas ultimas semanas, o Ministério da Saúde (MS) tornou públicas políticas de avaliação da qualidade do Sistema Único de Saúde (SUS). É o caso das chamadas Cartas SUS, que segundo o Ministério já foram enviadas para mais de 1 milhão de pessoas que passaram por procedimentos de alta-complexidade ou internação em hospitais públicos; e também do lançamento do Índice de Desempenho do SUS (IDSUS), que agrega uma série de indicadores que, sintetizados, cumprem a função de dar uma "nota" ao sistema de saúde brasileiro nos estados e municípios.
Ao mesmo tempo, o MS divulgou a exigência de que os estabelecimentos de saúde públicos ou conveniados com o SUS registrem o número do Cartão Nacional de Saúde nos prontuários dos pacientes. De acordo com o ministério, a meta é que até 2014 todos os brasileiros tenham o Cartão SUS.
Reunidas, as políticas dão a ideia de mais controle e informações sobre o SUS. "Essa série de iniciativas visam melhorar o acesso da população à saúde. E também aprimorar a gestão, garantindo o fluxo do cidadão e fazendo com que cada estado reconheça o seu sistema, aprimorando o desempenho de todo o SUS", diz o secretário de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, Odorico Monteiro, acrescentando que todas as políticas fazem parte de uma mesma estratégia.
O site da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) entrevistou pesquisadores e responsáveis pelas políticas de avaliação para entender se, de fato, elas garantirão mais qualidade à saúde brasileira. Nesta primeira reportagem, uma abordagem sobre o IDSUS e na próxima semana, uma reportagem sobre o Cartão Nacional de Saúde e iniciativas da ouvidoria do SUS, como as Cartas SUS.
Segundo o MS, os indicadores do IDSUS cumprem a função de mostrar para os estados e municípios o atual estágio de desenvolvimento da saúde pública |
Para o professor-pesquisador da EPSJV Gustavo Matta, as iniciativas são importantes, mas é preciso entender em que contexto elas são propostas. "Existe uma tendência internacional de tentar criar ferramentas e estratégias, principalmente por meio de indicadores, para a gestão das políticas públicas, tentando criar mais eficiência. Estamos falando de um estado gerencial, no qual existe quase que uma base científica positivista na produção de evidências para formulação de políticas", afirma. Nesse modelo gerencial, explica o professor, os indicadores fazem parte de um conjunto de dados e informações supostamente neutras. "São consideradas neutras porque partem de uma base de dados positiva que é organizada para formulação de políticas, mas o risco é apagar inteiramente os registros sociais, culturais, históricos e políticos", pondera.
Segundo o professor, o país tem passado por momentos de maior ou menor expressão do modelo gerencial. "É diferente, por exemplo, do estado mínimo, que foi colocado em prática durante os governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. Naquela época, o que prevalecia era que o estado deveria privatizar a maioria de suas ações, mantendo o mínimo necessário para conduzir e se intrometendo o mínimo possível na economia, que era, na verdade, quem deveria regular as relações do estado. Já no governo Lula, houve um fortalecimento das políticas públicas, com políticas de redistribuição de renda direta e uma política inicial de estado gerencial. O governo Dilma vem apresentando agora uma cara de estado gerencial mais forte, mais tecnocrático, mais voltado a sistemas de avaliação, de eficácia, tudo isso. É possível perceber isso inclusive pelo perfil técnico-político de alguns de seus ministros", avalia.
Indicadores
Segundo o professor, o país tem passado por momentos de maior ou menor expressão do modelo gerencial. "É diferente, por exemplo, do estado mínimo, que foi colocado em prática durante os governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. Naquela época, o que prevalecia era que o estado deveria privatizar a maioria de suas ações, mantendo o mínimo necessário para conduzir e se intrometendo o mínimo possível na economia, que era, na verdade, quem deveria regular as relações do estado. Já no governo Lula, houve um fortalecimento das políticas públicas, com políticas de redistribuição de renda direta e uma política inicial de estado gerencial. O governo Dilma vem apresentando agora uma cara de estado gerencial mais forte, mais tecnocrático, mais voltado a sistemas de avaliação, de eficácia, tudo isso. É possível perceber isso inclusive pelo perfil técnico-político de alguns de seus ministros", avalia.
Indicadores
O Índice de Desempenho do Sistema Único de Saúde (IDSUS) avalia o acesso e a efetividade do atendimento nos serviços de saúde. O índice é composto por 24 indicadores de vários tipos, como por exemplo, a cobertura populacional estimada pelas equipes básicas de saúde, a proporção de nascidos vivos de mães com, no mínimo, sete consultas de pré-natal e o número de mamografias realizadas em mulheres de 50 a 69 anos, comparando-se a população feminina nesta idade.
Os municípios foram reunidos nos chamados "grupos homogêneos", que foram definidos com base em três índices - Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (IDSE) Índice de Condições de Saúde (ICS) e Índice de Estrutura do Sistema de Saúde do Município (IESSM). Dessa forma, foram criados seis grupos para permitir uma comparação mais justa entre os municípios. (Clique aqui para acessar os indicadores).
Segundo Odorico Monteiro, os indicadores do IDSUS cumprem a função de mostrar para os estados e municípios o atual estágio de desenvolvimento da saúde pública nesses locais. "É uma espécie de linha base que aponta aonde nós chegamos. O desafio do sistema de saúde do mundo todo é fazer o acompanhamento do seu desempenho. O IDSUS é um indicador sintético, que foi feito a partir de um conjunto de indicadores discutidos por várias instituições, e construídos a partir de um conjunto de variáveis para formar uma referência do município com ele mesmo. O IDSUS é a primeira linha base para acompanhar o seguimento e aprimoramento do SUS. Daqui a dois anos, poderemos aplicar novamente esses mesmos indicadores para saber aonde nós chegamos", diz.
Um dos fundamentos do IDSUS, de acordo com o próprio Ministério, é uma metodologia desenvolvida por pesquisadores da Fiocruz e de outras instituições de pesquisa - a Metodologia de Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde (Pro-Adess), hoje desenvolvida por uma equipe do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), coordenada pelo pesquisador Francisco Viacava. O Pro-Adess começou a ser desenvolvido após a divulgação pela OMS, no ano 2000, do controverso documento World Health Report 2000 (WHR 2000), dedicado a avaliação do desempenho dos sistemas de saúde em todo o mundo. "Encontramos muitos problemas na metodologia utilizada pela OMS, e, além disso, apenas cinco países tinham todas as informações para gerar esse indicador, para o restante dos países os dados eram todos estimados", comenta Francisco.
Um dos fundamentos do IDSUS, de acordo com o próprio Ministério, é uma metodologia desenvolvida por pesquisadores da Fiocruz e de outras instituições de pesquisa - a Metodologia de Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde (Pro-Adess), hoje desenvolvida por uma equipe do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), coordenada pelo pesquisador Francisco Viacava. O Pro-Adess começou a ser desenvolvido após a divulgação pela OMS, no ano 2000, do controverso documento World Health Report 2000 (WHR 2000), dedicado a avaliação do desempenho dos sistemas de saúde em todo o mundo. "Encontramos muitos problemas na metodologia utilizada pela OMS, e, além disso, apenas cinco países tinham todas as informações para gerar esse indicador, para o restante dos países os dados eram todos estimados", comenta Francisco.
De acordo com ele, a metodologia começou a ser pensada em sentido oposto à da OMS, com a ideia de que o desempenho do sistema de saúde brasileiro deveria ser analisado em um contexto político, social e econômico, identificando dessa forma os determinantes de saúde associados aos problemas de saúde. "As condições de saúde são muito mais determinadas social e economicamente do que é possível consertar do ponto de vista da atenção à saúde. É claro que devemos fazer medidas preventivas, mas fora da atenção básica é muito pouco o que se pode fazer sem levar em conta os aspectos sociais e econômicos", afirma.
O pesquisador explica que a equidade é uma dimensão que atravessa toda a análise do Pro-Adess. "Tudo que formos analisar, temos que ver se todos os grupos populacionais, socioeconômicos, têm o mesmo tipo de acesso, seja do ponto de vista da oferta, do desempenho ou das condições mesmas de saúde, porque sabemos que em nossa sociedade isso é bastante injusto. Então, analisar a equidade é um princípio do Pro-Adess", comenta.
O pesquisador explica que a equidade é uma dimensão que atravessa toda a análise do Pro-Adess. "Tudo que formos analisar, temos que ver se todos os grupos populacionais, socioeconômicos, têm o mesmo tipo de acesso, seja do ponto de vista da oferta, do desempenho ou das condições mesmas de saúde, porque sabemos que em nossa sociedade isso é bastante injusto. Então, analisar a equidade é um princípio do Pro-Adess", comenta.
Para Francisco, um dos aspectos mais importantes da divulgação do IDSUS, é mostrar a importância da informação em saúde para se avaliar a política. "Isso ficou claro agora. Quando foi calcular os indicadores, a equipe do Ministério da Saúde teve que encarar uma porção de problemas, fazer aproximações, correções e estimativas em modelos estatísticos complexos. E isso foi muito correto, até porque ficou evidente que a situação não está nada boa", considera. O pesquisador elogia também a criação pelo Ministério da Saúde do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS (Demas), dentro da Secretaria Executiva do Ministério. "Antes, cada serviço olhava seus dados: saúde da mulher, do idoso, da criança, mas o Ministério como um todo não olhava para os dados, então, a criação desse departamento foi um primeiro resultado importante".
Uma lacuna ainda existente no país, segundo Francisco, é a avaliação do setor privado. "No IDSUS aparece apenas o setor privado conveniado com o SUS. Por isso, os indicadores muitas vezes ficam enviesados se a população usa muito a saúde privada. Em alguns aspectos da saúde é esperável que todas as pessoas tenham atendimento, por exemplo, as mulheres de 50 a 69 anos, é esperável que todas elas façam mamografia a cada dois ou três anos. E como vou medir isso se a maioria delas fizeram a mamografia pelos planos de saúde? Então, é necessário criar um sistema de informação do setor privado que seja de acesso público", sugere.
Comparação
No lançamento do IDSUS, no início deste mês, os indicadores foram divulgados em vários veículos de comunicação, muitas vezes comparando-se o desempenho de regiões diferentes, já que pelo IDSUS é possível saber a nota de cada estado e município. Francisco acredita que é possível comparar as regiões do país e os municípios quanto às condições de saúde, desde que tenham aspectos parecidos. "A proposta do IDSUS de cada município se comparar com ele mesmo daqui alguns anos é válida. O esforço de separar os municípios em grupos homogêneos foi muito importante porque não adianta ordenar os mais de cinco mil municípios com uma nota qualquer, mas comparar municípios semelhantes é interessante", opina.
Gustavo lembra que, dentro do modelo gerencial, a avaliação é um carro-chefe, sempre acompanhada de um ranqueamento dos dados. "Geralmente com como se dá a avaliação? Com a produção de evidências, informações e indicadores agrupados que vão gerar um ranqueamento. Aí, definem-se incentivos financeiros para aqueles estados e municípios que melhoraram as suas performances. Será que está é a melhor forma de fazermos políticas públicas? Qual é o papel dos conselhos de saúde e dos usuários nisso? Qual o papel dos prefeitos e das infraestruturas, das peculiaridades e especificidades que existem em cada região brasileira?", questiona.
Odorico Monteiro assegura que o Ministério da Saúde não tem a finalidade de fazer um ranking com os indicadores do IDSUS. "Não é punição. O objetivo não é fazer meramente um ranking, o que nós entendemos é que é muito importante fazermos esse acompanhamento do desempenho do SUS", diz. Segundo o secretário, os municípios com as piores notas não receberão menos recursos. "Pelo contrário, nós temos é que entender porque esses municípios estão ruins e o que podemos aprimorar. Estamos criando, para apoiar esse sistema, o Contrato Organizativo de Ação Pública, que será assinado nas 430 regiões de saúde do país. Vamos construir também o mapa sanitário dessas regiões e o mapa de metas. O objetivo é que essas regiões e os municípios envolvidos melhorem o sistema", informa.
Para Gustavo, é preciso ter cautela quando se fala em avaliação. Ele lembra que o Brasil já teve uma experiência muito negativa com os indicadores sobre os sistemas de saúde no mundo aplicados pela OMS. "Todo mundo questionou essa avaliação, inclusive o Ministério da Saúde na época. O próprio nome já diz, ele é um indicador, que ao lado de outros dados e outras informações nos dão uma ideia do cenário. Um indicador é apenas uma evidência para que eu tenha uma ideia das realidades. E para termos essa ideia, necessitamos de um conjunto de evidências de diversas naturezas, sejam elas quantitativas, através de instrumentos avaliativos, sejam de natureza qualitativa, política, social.
Por exemplo, indicadores sobre o grau de participação da sociedade nas pactuações, as necessidades sociais de saúde e doença e assim sucessivamente", reforça. O professor considera que a avaliação sobre as políticas de saúde não pode prescindir de outros tipos de indicadores. "Como eu avalio um sistema de saúde municipal sem pensar como se organizam as demais políticas públicas e como estão dados os determinantes sociais de saúde e doença para aquela população? Eu posso ter uma ótima Estratégia de Saúde da Família dentro de uma comunidade, onde todas as pessoas tenham acesso a esse serviço, em compensação, ao lado da clínica belíssima tem um valão a céu aberto em condições precaríssimas de habitação, saneamento, acesso à água, educação, transporte", alerta o professor.
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