Juiz federal condena envolvidos no escândalo Marka e FonteCindam
de Lino Rodrigues e Ronaldo Dércole:
SÃO PAULO e RIO — Após um processo que já dura 13 anos, o juiz Ênio Laércio Chappuis, da 22 Vara Federal do Distrito Federal, condenou por improbidade administrativa e ao ressarcimento de uma soma bilionária aos cofres públicos os principais envolvidos no escândalo que ficou conhecido como “Marka e FonteCindam”. As condenações decorrem de duas ações civis, uma pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), e outra popular, e atingem sete pessoas, entre elas ex-dirigentes do Banco Central, como Francisco Lopes, Cláudio Mauch, Tereza Grossi e Demóstenes Madureira de Pinho Neto, e o ex-banqueiro Salvatore Cacciola, que já havia sido condenado criminalmente e cumpriu pena de prisão.
As sentenças, proferidas no último dia 13, atingem também o Banco Central, a BM&F Bovespa, o BB Banco de Investimentos e o Marka, e determina que os réus terão de ressarcir danos ao erário de cerca de R$ 895,8 milhões, em valores de fevereiro de 1999. O magistrado ainda declarou nula “a operação de socorro feita pelo Banco Central do Brasil ao banco Marka”.
Na esfera criminal, os principais envolvidos no escândalo já foram condenados a penas que variam de seis a 15 anos de prisão, mas aguardam decisão de recursos. No caso de Cacciola, que foi condenado a 13 anos por crime de gestão fraudulenta e desvio de dinheiro público, ele cumpriu três anos e 11 meses de prisão no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu. Desde agosto do ano passado, ele está em liberdade condicional.
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Na crise cambial deflagrada em janeiro de 1999 pela mudança do sistema de câmbio no país, quando o regime de bandas fixas deu lugar ao da “banda diagonal hexógena”, o Banco Central saiu em socorro do Marka e do FonteCindam, ao vender dólares a R$ 1,25 para as duas instituições, quando a moeda americana era cotada a R$ 1,30 no mercado. Com a operação, os bancos puderam cobrir as posições vendidas que tinham no mercado futuro de câmbio da Bovespa e escaparam de ser liquidados pelo BC.
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Na sentença da ação civil pública, de 94 páginas, o juiz Chappuis anexa um bilhete de Cacciola pedindo ajuda a Francisco Lopes, que presidia o BC. Nele, Cacciola trata Lopes na primeira pessoa e diz textualmente: “Preciso da tua ajuda… é muito importante para mim, para você e para o país. Caso você não consiga me receber, preciso de uma, muito maior, interferência sua no sentido do Mauch (diretor de Fiscalização do BC à época) ser menos rigoroso e aceitar a negociação em um preço razoável. O ideal, mesmo assumindo um prejuízo enorme, seria R$ 1,25, porém, está distante da vontade do diretor”.
Sobre o teor dessa correspondência, o juiz acrescenta em sua sentença o seguinte comentário: “Considerando o pronome de tratamento utilizado e tendo em vista que foi dirigido a uma autoridade pública, este bilhete, de fato, revela a existência de uma relação de intimidade entre Cacciola e Francisco Lopes, chegando à promiscuidade”. Procurado para falar sobre a sentença da 22ª Vara Federal, Francisco Lopes ironizou, comentando que “decisões de primeira instância costumam ser midiáticas”:
— As expectativa dos advogados era de que o juiz levaria em conta a avaliação feita pelo perito, que foi favorável aos réus. Mas já que o juiz decidiu ir contra a avaliação feita pelo perito, que ele mesmo nomeou, só nos resta agora recorrer.
Ao justificar a condenação da BM&F Bovespa, o juiz argumenta que “dentro das regras, a BM&F possuía mecanismos de garantia que teriam possibilitado ao banco Marka honrar as suas operações… para evitar prejuízo ao mercado”. E em vez de usar “mecanismos lícitos”, o BC optou por “prestar um socorro ilegal”, que também beneficiava a BM&F, escreveu o juiz. “A BM&F também deve ser responsabilizada uma vez que, por seus agentes, agiu de forma fraudulenta quando do encaminhamento da carta ao BC, além disso também foi beneficiada pelo socorro dado ao banco Marka”.
— A bolsa tem convicção de que não deveria ser incluída como ré no processo, na medida em que foi apenas o local onde a operação foi realizada — disse ontem o presidente da BM&F Bovespa, Edemir Pinto, informando que a instituição recorrerá.
Além da pena financeira, a sentença suspende os direitos políticos dos réus por oito anos e determina a perda dos cargos públicos. E no caso de Claudio Mauch e Tereza Grossi, funcionários aposentados do BC, o juiz estende “a sanção de perda de cargo público às aposentadorias”.
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