Há um produto que mata metade de seus consumidores regulares. São 6 milhões de mortes anuais a ele atribuíveis, 200 mil no Brasil. Trata-se da primeira causa evitável de mortes no mundo. Mais de 100 milhões de pessoas morreram em decorrência de seu uso no século 20. Esse número pode chegar a 1 bilhão no século 21 se nada for feito.
Há ainda as doenças incapacitantes, as aposentadorias precoces e os custos sociais, sanitários, ambientais, econômicos e emocionais por ele causados. A maioria de seus consumidores se arrepende de ter iniciado o uso e quer deixar de usá-lo.
Esse produto causa dependência química, física e psíquica. Nove em cada dez consumidores iniciam o uso desse produto antes dos 18 anos -apenas 5% começam após os 24.
Por trás desse produto, o cigarro, há uma indústria cujo objetivo único é aumentar o seu consumo e, consequentemente, os seus lucros.
Trata-se de uma indústria que comprovadamente mentiu, omitiu e distorceu fatos e dados científicos. Fomentou falsas pesquisas e pressionou os poderes públicos, através de lobby e outras estratégias menos nobres, com o propósito de evitar toda e qualquer regulamentação do seu produto e da sua atividade.
Seus objetivos são diametralmente opostos ao da saúde pública. É evidente que tal indústria precisa de limites.
Usar todo tipo de estratégia para promover e posicionar o seu produto na sociedade para angariar novos consumidores e ainda associar o seu consumo à ideia de liberdade de escolha é no mínimo antiético.
Por todas essas razões, os países membros da Organização Mundial de Saúde escolheram o controle do tabagismo como tema do primeiro tratado internacional de saúde pública celebrado sob seus auspícios: a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, recepcionada no ordenamento jurídico brasileiro em 2006.
As medidas previstas não contemplam a proibição da produção ou da comercialização de produtos de tabaco, mas políticas públicas que já se mostraram eficientes na redução do tabagismo.
O Brasil é exemplo disso. Em 20 anos, reduziu pela metade o número de fumantes ao restringir a publicidade e determinar a adoção de advertências sanitárias nas embalagens e peças publicitárias. Informação e redução do estímulo ao consumo funcionam.
Há, contudo, 25 milhões de fumantes no Brasil e um crescente número de adolescentes que experimentam cigarros diariamente, candidatando-se à dependência e às consequências do tabagismo.
Prevenção à iniciação é a palavra de ordem no cenário atual. Está comprovado e reconhecido em sentenças judiciais, documentos internos das multinacionais do tabaco e estudos científicos que o alvo das empresas são os jovens, crianças e adolescentes inclusos.
Recente pesquisa (Ensp/Fiocruz e Iesc/UFRJ) revelou que quase 60% dos estudantes entre 13 e 15 anos que usam cigarro preferem aqueles com sabor. A medida adotada nesta semana pela Anvisa (proibir o uso de aditivos como menta e cravo, que tornam mais palatáveis os produtos de tabaco) visa exatamente esse público, com o objetivo claro de prevenir a iniciação.
É dever do Estado regular uma indústria e um produto cujos ônus têm sido impostos unicamente à sociedade. Não é somente aceitável, mas obrigatório, que se imponham restrições com o fim de desestimular o consumo de tabaco.
Sua produção e comercialização estão na condição de mercado passivo, ou seja, que é juridicamente tolerado, mas não deve ser promovido pelo Estado. Antes, ao contrário, a regulamentação, mais do que necessária, é direito da sociedade.
PAULA JOHNS, 44, socióloga, é diretora da Aliança de Controle do Tabagismo
CLARISSA HOMSI, 41, advogada, é coordenadora jurídica da Aliança de Controle do Tabagismo
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